Sempre presente, mas raramente em destaque, Kirby finalmente encontrou uma maneira de chamar a atenção no Switch: completando o salto para dentro da terceira dimensão.

Ao longo de seus 30 anos de vida, o matador de deuses mais fofo da indústria teve dúzias de aventuras com mecânicas muito experimentais e únicas - mas sempre resistiu à transição para o 3D completo. Até mesmo jogos de 3DS como Planet Robobot brincavam com perspectiva e profundidade, mas sem abandonar a essência de jogo de plataforma 2D.

E o momento chegou: Kirby and the Forgotten Land ousa e é recompensado por tal ousadia. O herói rosa navega com naturalidade pelo espaço tridimensional, imitando títulos como Super Mario 3D World para criar uma aventura linear pouco desafiadora, porém memorável na quantidade de segredos e surpresas.

Divulgação/Nintendo

Após mais um dia aparentemente pacífico que acaba de cabeça para baixo por causa de uma ameaça apocalíptica no planeta Popstar, Kirby acaba sendo tragado por um buraco de minhoca e conduzido para uma terra desconhecida. Vendo seus colegas Waddle Dees sequestrados por feras selvagens que habitam este novo mundo, o herói decide partir em uma missão de resgate.

A primeira fase de Fogotten Land explica o subtítulo do jogo: o cenário para a nova aventura é uma terra esquecida, há muito tempo abandonada por uma civilização que deixou de existir. Kirby dá seus primeiros passos nas ruínas de uma cidade que já foi retomada pela natureza selvagem, com musgo e vegetação cobrindo construções e ruas dilapidadas.

O tema pós-apocalíptico persiste ao longo de todo o jogo, e é fonte de alguns de seus pontos mais fortes. Depois de deixar a cidade para trás, Kirby também visita cenários como uma instalação industrial costeira e as ruas e o metrô de uma metrópole nevada. São cenários surpreendentes e totalmente diferentes do que já foi visto antes na série - o que parece ter inspirado os desenvolvedores a colocar o herói rosa em situações progressivamente mais surreais. Você achou engraçado que o Kirby consegue ‘engolir’ e dirigir um carro? Isso é literalmente só o começo.

Dentre os momentos mais altos do jogo está a região de Wondaria Remains: um antigo parque de diversões abandonado que ainda funciona por ser automatizado, completo com uma tenda de circo e um desfile à la Disney. É uma mistura muito impactante: o fascínio do cenário, a fofura de Kirby e a melancolia do pós-apocalipse, tudo junto.

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O salto do 2D para o 3D costuma ser particularmente árduo para franquias de plataforma, mas Forgotten Land ultrapassa a marca com aparente tranquilidade. Apesar de toda a liberdade de movimentação, a sensação de controlar Kirby pelas fases é muito similar a como o herói atuava no 2D. Ele é ágil, mas não tão ágil, e ainda consegue inflar como um balão e flutuar para corrigir pulos tortos. Kirby suga o ar ao seu redor para engolir objetos e inimigos, e o cone de influência da sucção é amplo o suficiente para que você raramente se confunda na hora de abocanhar algo específico.

A única ressalva quanto aos controles é em relação à altura do voo de Kirby: há um certo ‘teto invisível’ que impede o herói de alcançar certas partes do cenário dependendo do ponto de partida do salto. É algo compreensível, já que a possibilidade de flutuar ‘até o topo da tela’ quebraria o desafio de várias fases, mas que causa frustração em certos trechos.

Convenientemente trazidos junto de Kirby para o novo mundo, vários dos inimigos clássicos da franquia podem ser absorvidos em troca de power-ups igualmente nostálgicos, como Sword, Bomb e Fire. Kirby herda os poderes de quem ele engole, incluindo uma espada para golpear inimigos como um cavaleiro, bombas que podem ser arremessadas à distância e o poder de cuspir fogo. Os dois poderes completamente novos são o Drill, que acompanha uma broca para cavar no chão e atacar inimigos por baixo, e o Ranger, que dispara contra alvos distantes.

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A grande novidade no quesito power-ups, porém, está na possibilidade de incrementá-los com a ajuda do Waddle Dee ferreiro. Quando Kirby descobre a receita para uma melhoria de upgrade, ele pode trocar recursos para melhorar permanentemente uma habilidade específica. Os bumerangues do Cutter, por exemplo, ficam muito mais poderosos quando a habilidade evolui para Chakram Cutter. Além de espetar alvos próximos, Needle começa a disparar objetos cortantes na evolução Clutter Needle.

Todos os upgrades do jogo são muito satisfatórios de descobrir e utilizar, e é uma pena que os combates que Kirby enfrenta na progressão normal da aventura não estejam à altura destes poderes. Qualquer um dos upgrades básicos é forte o suficiente para destruir todos os inimigos comuns e a maioria dos chefes - e isso sem falar dos upgrades secundários, que tornam os power-ups ainda mais fortes. O risco de perder posse de um power-up também é minúsculo, já que a janela de tempo para recuperar o poder após Kirby ser atingido é muito generosa.

Felizmente, Forgotten Land encontra maneiras mais interessantes de colocar os power-ups em ação no seu conteúdo opcional. As sequências de batalhas do coliseu, por exemplo, criam dificuldade a partir da quantidade de oponentes. Já os desafios contra o relógio do Treasure Road brilham por serem feitos sob medida para power-ups específicos.

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Cada fase de Forgotten Land é auto-contida, com uma lista própria de segredos e itens colecionáveis. Power-ups podem ser carregados de uma fase para outra, mas sempre que algum quebra-cabeça requer o uso de algum poder específico, o jogo assegura-se de colocar inimigos que rendem tal power-up logo antes. Isso também vale para as transformações mais esdrúxulas de Kirby, que são obtidas através do novo Mouthful Mode.

Reações ao trailer original de Forgotten Land tentaram equiparar Kirby engolindo um carro à mecânica de possessão de Super Mario Odyssey, que dava grande liberdade ao jogador que controlava o encanador bigodudo. Mas não é assim que as coisas funcionam no jogo final: Kirby pode engolir e se transformar em uma máquina de venda de refrigerantes, por exemplo, apenas em trechos específicos para cumprir objetivos predeterminados.

Mas a linearidade do uso da mecânica não tira seu charme, já que muitas das transformações são engraçadas em um nível muito primordial. Um exemplo é o Kirby escada, que posiciona plataformas para locais mais altos no cenário, mas também consegue cair para o lado com violência descomunal para amassar inimigos indefesos. Outro é o Kirby cone, que destrói tudo em seu caminho e inspira no jogador um nível de respeito nunca antes obtido por tal insignificante objeto da vida real.

Com o fator aleatoriedade a seu favor, os desenvolvedores de Forgotten Land encontraram no Mouthful Mode um caminho para destilar toda a sua criatividade em level design. Meu destaque pessoal no jogo é a fase Invasion at the House of Horrors, parte do já mencionado mundo no parque de diversões, que transforma Kirby em uma lâmpada que precisa iluminar os corredores de uma casa mal-assombrada. Trata-se muito provavelmente da minha fase favorita de toda a franquia.

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Forgotten Land é uma aventura surpreendentemente duradoura, que faz com que as horas passem voando por ser consistentemente envolvente. Repetir fases para resgatar todos os Waddle Dees escondidos e perseguir outros segredos com power-ups específicos é um processo indolor e recompensante, já que todas as suas conquistas são recompensadas com chances de girar a roleta de bonequinhos colecionáveis e com progresso na Waddle Dee Town.

O vilarejo vai sendo reconstruído na medida em que Kirby progride em sua missão, desbloqueando coisas como um cinema com todas as cutscenes do jogo e minigames opcionais, como o Tilt-and-Roll, que usa os sensores de movimento para trazer de volta a nostalgia dos tempos do Game Boy Color.

Outro elemento de jogo que pode incrementar sua vida útil é o simples, porém honesto modo cooperativo, que coloca um segundo jogador no controle de Bandana Waddle Dee. É uma experiência assimétrica em que Kirby suga para si a maior parte do trabalho, com o coadjuvante resignado a sua posição sem muitos recursos para brilhar. Apesar de ser muito comparável a Super Mario 3D World no geral, Forbidden Land considera o co-op um mero extra, e não um foco.

Visualmente, Kirby and the Forgotten Land impressiona por conta da direção de arte. As águas de Everbay Coast e os detalhes nas ruínas de Winter Horns trazem um contraste marcante com a simplicidade tradicional da série, ainda que sejam visíveis os sacrifícios que o jogo precisa fazer na resolução para rodar bem no Switch.

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Seria injusto infantilizar Kirby brincando que ele finalmente ‘atingiu a maioridade’ ao fazer o salto para o 3D, considerando que mesmo quando estava preso no 2D Kirby ainda era uma das franquias mais criativas de todo o gênero. Mas é muito bom ver que o bolota rosa conseguiu, com sucesso, expandir seus horizontes.

Muito mais ousado do que seus antecessores, Kirby and the Forgotten Land é um dos melhores títulos do herói, no mesmo patamar de gemas como Planet Robobot e Return to Dream Land, e um que inspira confiança no futuro da franquia.

  • Lançamento

    25.03.2022

  • Publicadora

    Nintendo

  • Desenvolvedora

    HAL Laboratory

  • Gênero

    Plataforma

  • Testado em

    Nintendo Switch

  • Plataformas

    Nintendo Switch

Nota do crítico