No mundo das startups, o termo “unicórnio” é utilizado para classificar empresas que ultrapassam uma avaliação de mercado de US$ 1 bilhão – o equivalente a cerca de R$ 4,5 bilhões em conversão direta –, um evento que ainda é considerado raro no mercado financeiro.

O termo foi cunhado em 2013 por Aileen Lee, investidora de risco norte-americana que escolheu o animal mitológico como metáfora da raridade estatística que é uma startup crescer o suficiente para alcançar o clube do bilhão. Segundo a base de dados Crunchbase, pouco mais de 580 startups ao redor do mundo fazem parte dessa categoria atualmente.

Divulgação/Wildlife Studios

Não é nenhuma surpresa, é claro, que a lista de unicórnios está recheada de companhias de áreas como serviços financeiros, telecomunicações, e-commerce, software – todos setores da economia global que giram bilhões de dólares todos os anos. Eventualmente, no entanto, um ou outro unicórnio aparece lá no meio destoando desse padrão.

Com um valor de mercado estimado em US$ 1,3 bilhão, a produtora de jogos mobile Wildlife Studios passou a integrar o clube exclusivo de empresas em dezembro do ano passado, após receber uma rodada de investimentos de US$ 60 milhões liderada pelo fundo Benchmark Capital. Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), isso faz da empresa o 11º unicórnio brasileiro, grupo que também inclui nomes como Nubank, iFood, Loggi e QuintoAndar.

A notícia pegou muita gente de surpresa. Em primeiro lugar porque o número de estúdios de games na lista de unicórnios ainda pode ser contado nos dedos. Mas também porque, mesmo entre gamers brasileiros, o nome “Wildlife Studios” não é exatamente conhecido.

De Race Penguin aos primeiros milhões (de downloads)

Divulgação/Wildlife Studios

Fundada em 2011 pelos engenheiros e irmãos Arthur Lazarte e Victor Lazarte, a Wildlife nasceu como Top Free Games (TFG) e cresceu da vontade da dupla de trabalhar em algo relacionado à matemática, mas que, ao mesmo tempo, fosse divertido. A aposta foi no desenvolvimento de jogos para smartphones, um mercado que já mostrava potencial após o sucesso de jogos como Angry Birds, da Rovio.

Race Penguin, jogo de “corrida” que coloca o jogador na pele de um pinguim fugindo de um urso polar, foi o primeiro sucesso da empresa e garantiu os recursos para expandir a operação. Além de trazer caixa, o título serviria para duas coisas: primeiro, cimentar a vocação do estúdio para jogos mobile no modelo freemium – gratuitos para jogar, mas suportados por microtransações; mas, mais importante, para mostrar à dupla de irmãos que a companhia precisaria de um time de engenharia sólido se tinha qualquer plano série de continuar crescendo.

O grande desafio no início foi aprender como fazer essas coisas quando a indústria não existia. Porque aqui no Brasil [esse mercado] praticamente não existia, duas empresas tentavam fazer coisas parecida em mobile, mas todo o conhecimento, nós tínhamos que olhar para fora para procurar”, lembrou Michael Mac-Vicar (foto), CTO da Wildlife que cofundou a empresa ao lado de Arthur e Victor, em entrevista ao The Enemy.

Sem acesso ao talento de grandes empresas do setor à época, como como Zynga, Rovio e Supercell, a solução para o pequeno estúdio brasileiro foi chamar amigos próximos e colegas de trabalho. A vantagem, como Mac-Vicar define, é que o time pequeno significava que todo mundo tinha que ser “faca nos dentes” dentro da empresa.

O que nunca mudou é essa ideia de que se a gente conseguir trazer as melhores pessoas, vamos ter o melhor time e fazer os melhores jogos”, explicou.

Divulgação/Wildlife Studios

Em 2012, a empresa lançaria Bike Race, o verdadeiro primeiro grande hit da companhia, que atingiu 100 milhões de jogadores em um ano. No ano seguinte, foi a vez do estúdio lançar Sniper 3D, que até hoje é um dos principais jogos da companhia. A estratégia base para todos os jogos era a mesma: o modelo freemium.

A gente sempre pensou em fazer os jogos de graça pelo poder que se tinha de chegar em todo mundo, essa é uma das graças do mobile, o negócio tem uma escala que permite fazer coisas que, de outro jeito, seriam impossíveis”, afirmou o Mac-Vicar.

O sucesso dos games foram trazendo novos desafios e empurrando a empresa em novas direções. Análise de dados de jogo, monetização, multiplayer em tempo real, qualidade gráfica passaram a ser preocupações cada vez mais importantes e novos times especializados foram sendo criados na produtora para trabalhar nestas questões.

Com todos estes investimentos, o estúdio prosperou: mesmo longe dos holofotes, a companhia cresceu, em média, 80% ao ano nos últimos seis anos, se tornando a décima empresa focada no desenvolvimento de jogos mobile com mais downloads no mundo.

Wildlife Studios resolve aparecer

Divulgação/Wildlife Studios

Apesar de impressionante, o crescimento da Wildlife Studios não foi sem uma boa quantidade de tropeços e erros ao longo do caminho. Como lembra Mac-Vicar, um dos momentos marcantes foi o fato da Wildlife ter sido criticada pela própria Apple pela baixa qualidade da arte dos jogos da produtora.

A crítica da gigante da tecnologia foi um baque para os fundadores, que passaram a repensar o posicionamento da Wildlife enquanto estúdio mobile e sua estratégia. No final de 2018, isso resultou na contratação de Adam Murguia, ex-diretor de arte de League of Legends, da Riot Games, para reger o departamento de arte da Wildlife.

Além de agregar conhecimento, a contratação de Murguia teve relação com a mudança de mentalidade da liderança do estúdio na forma como enxergava o rosto público da Wildlife: para continuar crescendo, a companhia precisava de mais talento, mas o fato de ser discreta não a tornava muito atrativa para desenvolvedores novos.

Percebemos que ter um employer branding mais forte nos ajudaria a trazer mais pessoas”, explicou Mac-Vicar. “Particularmente trazer pessoas que estavam em outros lugares”.

[jogos mobile] têm uma escala que permite fazer coisas que, de outro jeito, seriam impossíveis

Outro exemplo disso foi a vinda de Peter Fenton, sócio da Benchmark conhecido como um maiores investidores de tecnologia do mundo, para o conselho da empresa após o investimento recebido em dezembro.

O trabalho intensivo em criar uma nova imagem pública para o estúdio também aconteceu junto à expansão internacional da Wildlife, que hoje tem escritórios em Buenos Aires (Argentina), Dublin (Irlanda), São Francisco, Orange County e Palo Alto (Estados Unidos). Cada um dos estúdios conta com diferentes especializações, do desenvolvimento de tecnologia em São Paulo à produção de arte, em Orange County.

Investimentos no futuro

Divulgação/Wildlife Studios

Com o aporte de US$ 60 milhões recebido em dezembro e um rebranding, a Wildlife está agora cheia de planos para continuar sua expansão.

Um dos frontes de investimento é no próprio time da produtora, que planeja acelerar suas contratações e consideravelmente sua equipe – dos 500 funcionários, o plano é saltar para 800 até o final deste ano.

Outro fronte que será foco da companhia será no trabalho de publisher, com o desenvolvimento de novas tecnologias de distribuição para auxiliar outros estúdios a publicarem seus jogos – de ferramentas de monetização, passando por publicidade e serviços de análise de dados de jogo. “A gente ainda não sabe exatamente qual será o mecanismo para que terceiros usem isso, mas é um foco importante para a Wildlife”, explicou Mac-Vicar.

O que não deve mudar, no entanto, é o foco da desenvolvedora com seus games e no tipo de monetização em que aposta. Com o sucesso de seus jogos freemium antigos e também dos mais recentes, como Tennis Clash, o modelo de apps gratuitos para jogar, mas sustentados por microtransações, deverá continuar sendo a estratégia central da companhia.

Divulgação/Wildlife Studios

"A gente acredita muito em jogos de alcance massivo, que criam novas regras de jogabilidade que ninguém tinha antecipado. Acredito que para fazer esse tipo de jogo você precisa da massividade que um jogo de graça te dá", explicou o executivo. "Para o modelo mudar, teremos que achar um novo modelo com essa característica".

Isso não significa que não há espaço para experimentação dentro da Wildlife. Além de já ter testado jogo premium no passado, a produtora brasileira já promoveu uma série de iniciativas internas para explorar novas prossibilidades de desenvolvimento – incluindo a realidade virtual, o lançamento de War Machines no Steam e até um projeto que discutiu o port de Tennis Clash para o Nintendo Switch.

Na avaliação de Mac-Vicar, uma das possibilidades que pode acabar empurrando a Wildlife na direção de outras plataformas é o crescimento da tendência de jogos crossplataforma, 

"Vai ser interessante ver como o multiplataforma se desenvolve. A porcentagem de jogos como Fortnite, que pode ser jogado em várias plataformas juntas, está aumentando. É possível que isso vire um requerimento no futuro", explicou. "Hoje [o desenvolvimento de jogos crossplataforma pela Wildlife] acontece só como experimento, até agora ainda não estamos convencidos".