Já sabemos que o celular é a forma dominante de mídia de jogos. Eles foram a plataforma mais popular entre os gamers brasileiros em 2021, segundo a Pesquisa Game Brasil, um estudo anual que avalia diversos dados de consumos de jogos no país.

Além disso, a pandemia de COVID-19 também fez crescer significativamente o número de novos jogadores de dispositivos móveis. A indústria está cada vez mais maior. 

E, é claro, podemos ver esse tipo de reflexo na receita - bastante significativa - de alguns jogos, entre eles, PUBG Mobile, Coin Master e Candy Crush. Em agosto, sete jogos mobile arrecadaram mais de US$100 milhões em um mês. Outros 810 pelo menos mais US$1 milhão por mês.

Apesar do grande crescimento da indústria de jogos mobile, é fácil vermos que os grandes jogos predominam nas lojas de aplicativos. Mas as lojas abrigam mais de 1,5 milhões de jogos. Então, para cada grande jogo bem sucedido, existem dezenas de outros com desempenho inferior.

E, para adicionar uma pitada de problema nessa equação, as grandes empresas de tecnologia como Google e Apple estão utilizando uma abordagem cada vez mais voltada para a privacidade. Bom, a famosa lei LGPD em prática.

O que é a LGPD?

Você sabe o que é a lei LGPD? Eu te explico: de forma simplificada, ela é uma norma que garante a proteção de informações pessoais de usuários na web. Bom, o objetivo dela é garantir a segurança de quem utiliza a internet para realizar compras, transações bancárias e outras ações que exijam dados e documentações.

E ela mudou muito o jeito como as empresas trabalhavam. Principalmente quando falamos em marketing digital. A palavrinha mágica que sustenta milhares de empresas - especialmente de jogos.

Você já baixou um jogo ou utilizou um aplicativo que te obrigou - a palavra é obrigar mesmo - a assistir uma rápida propaganda de 5, 10 ou 20 segundos, né? E essa propaganda magicamente sempre parecia entender seus gostos.

Acontece que isso dificilmente vai acontecer mais. O marketing de jogos mobile se tornou - quase que - um tiro no escuro agora. É claro, tudo é muito relativo e o LGPD pode ter sido extremamente favorável para muitos casos, mas vamos falar dos impactos negativos e como ele mudou a forma como o marketing dos games para celulares é feito.

Até mesmo o Facebook precisou se adequar a isso e vem realizando mudanças - aliás, reconstruindo sua plataforma de anúncios em resposta a uma queda na eficácia após a abolição do seu Identificador para Anunciantes (IDFA) pela Apple.

O que é o IDFA? 

IDFA

Beleza, mas o que é esse IDFA da Apple? Bom, ele é um identificador de dispositivo aleatório atribuído pela Apple ao dispositivo de um usuário. Os anunciantes usam isso para rastrear dados para que possam oferecer publicidade personalizada. Ele é usado para rastrear e identificar um usuário (sem revelar informações pessoais). O equivalente para o Android é chamado de GPS ADID (Google Play Services ID for Android).

E você deve estar pensando: mas porque isso é ruim? Não é isso que as empresas precisavam para fazer com que seu marketing funcione de forma efetiva?

Sim e não. Isso porque o IDFA (e o equivalente ao Android também, claro) permitem que o usuário decida se concorda ou não que seus dados sejam rastreados por apps e sites. E isso torna toda a questão de marketing personalizado mais difícil. 

E o IDFA está quase que totalmente ligado à essa morte iminente do marketing de jogos mobile. Mas isso porque a Apple fez mudanças consideráveis nele em nome da privacidade dos usuários. O plano da Apple era esse, mas causou um medo gigantesco em plataformas como o Facebook, marcas, clientes e também desenvolvedores de jogos.

Vamos exemplificar com números: de acordo com os números compartilhados no processo Apple-Epic de setembro de 2020, a participação de desenvolvedores de jogos nas receitas do iPhone no ano passado foi de US$38,7 bilhões. Bom, de acordo com algumas pessoas, as mudanças no IDFA poderiam reduzir esse cenário em até 40%. Diminuindo 40% da receita porque o marketing de games mobile não foi eficaz, temos uma perda de US$15,5 milhões. É bastante dinheiro.

Eric Seufert, fundador do Mobile Dev Memo, chegou a dizer em uma entrevista que acreditava que certos tipos de jogos poderiam sofrer mais, como por exemplo os de estratégia, onde é muito importante encontrar e atingir os raros jogadores hardcores que gastam dinheiro com isso.

Queda de receita

E vimos o cenário acontecer em julho deste ano quando vimos em um relatório divulgado por Brian Bowman que os anunciantes iOS sofreram quedas de receita de 15% a 20% e inflação no tráfego orgânico não atribuído.

Agora, pensemos nos cenários já mencionados aqui: como é possível que um desenvolvedor de jogos mobile ganhe dinheiro com seu jogo e entenda se isso foi efetivo ou não?

  1. Mostrando conteúdo certo de anúncio para o usuário certo no momento certo;
  2. Anunciar seu jogo para jogadores de outros jogos que possam gostar do seu conteúdo por similaridade;
  3. Atribuir instalações a um canal de marketing específico, ou seja, descobrir de onde vêm os usuários do seu jogo e se o dinheiro que você gastou com publicidade valeu a pena.

E, considerando tudo o que já falamos sobre o IDFA e a lei LGPD, esse status quo praticamente morreu. Isso porque, ao limitar o IDFA em nome da privacidade dos usuários, a Apple limitou drasticamente os dados disponíveis aos anunciantes. E isso significa que os jogos não podem mais descobrir como adquirir jogadores de formas eficazes.

E mesmo que os usuários de iOS ainda possam escolher - por vontade própria - compartilhar seus dados com os aplicativos que usam, isso ainda representa cerca de 25% dos usuários. E isso não é ruim só para os devs mas também para a Apple, que perdeu cerca de um terço dos gastos com publicidade em apenas um mês (entre junho e julho deste ano).

No entanto, os gastos com publicidade, no mesmo período, aumentaram em 10% na plataforma do Google Play, bem como em outros ecossistemas do Android como Huawei e Samsung Galaxy Store. Mas o Android também está caminhando para uma política de privacidade-em-primeiro-lugar, portanto, o marketing de jogos mobile está consideravelmente com seus dias contados.

E é claro que, se compararmos as grandes desenvolvedoras/editoras com as menores, obviamente as maiores estão mais bem preparadas para lidar com esse novo ‘jeito de fazer marketing mobile’. 

Mas nem tudo está perdido

Mas isso não quer - necessariamente - dizer que seja ‘game over' para os desenvolvedores menores/independentes. Isso porque, com a atualização do iOS15, a Apple colocará todos os dados do SKAdNetwork - dados de marketing que vêm da Apple, mas são deliberadamente desconectados das identidades dos usuários para manter a privacidade - nas mãos dos devs de jogos móveis. 

E mesmo que isso ainda não seja o ideal, já é alguma coisa. Essa forma de atribuição da Apple dará aos desenvolvedores acesso em primeira mão aos dados que antes eram reservados às redes de anúncios e permitirá que eles comparem com o que as redes de anúncios têm. Mas conciliar esses dados será um baita desafio.

É claro que, com as chances com publicidade bem menores para gerar receita para os games mobile agora, as chances de que microtransações como Passes de Batalha, Pacotes e Extensões em alguns jogos de dispositivos móveis aumentem são grandes.

Apple Store = Games Store 

Em um documento de 185 páginas emitido na semana passada do processo da Apple vs Epic Games mostrou - com clareza - que a economia da loja de aplicativos e o futuro dela são os jogos móveis.

Além disso, a evidência mostra que a maior parte da receita da App Store é gerada por aplicativos de jogos móveis, não todos os aplicativos. Assim, definir o mercado para focar em aplicativos de jogos é apropriado. De modo geral, em termos de receita, os aplicativos de jogos respondem por aproximadamente 70% de todas as receitas da App Store. Esses 70% de receita são gerados por menos de 10% de todos os consumidores. Esses consumidores estão fazendo compras principalmente no aplicativo, que é o foco das reivindicações da Epic Games. Em contraste, mais de 80% de todas as contas de consumidor virtualmente não geram receita, já que 80% de todos os aplicativos na App Store são gratuitos.

E, bom, como mencionado no quote acima, a maioria das receitas da Apple se dá por compras em aplicativos de jogos. Isso porque a maioria das outras categorias de aplicativos já estão isentas de pagar uma taxa de plataforma.

Mas… como assim?

Isenções de pagamento de taxas de plataforma são separadas por categorias. Aplicativos que fornecem atendimento não digital como Uber, Airbnb entre outros não pagam taxa de plataforma sobre a receita gerada dentro dos aplicativos porque os bens e serviços são fornecidos de forma não digital.

Bem como aplicativos como Netflix, Spotify, HBO entre outros que oferecem acesso a um catálogo de conteúdo adquirido anteriormente ou fechado por assinatura.

As categorias que não estão isentas do pagamento são os jogos e ‘aplicativos utilitários’, como Tinder, Calm entre outros, que cobram do usuário pelo conteúdo e funcionalidades que são cumpridas dentro do aplicativo e apresentam conteúdo interativo e não adquirido anteriormente.

Podemos concordar que isso e todas as mudanças por privacidade de usuários deixa os desenvolvedores de jogos mobile com poucas alternativas. O que a Apple deveria considerar é aplicar as mesmas regras de taxa de plataforma para todos os tipos de aplicativos, mas principalmente para os apps de jogos - caso eles tiverem a opção de pagamentos externos via web.

O mercado de jogos mobiles só tende a crescer

O último relatório da Newzoo com seu parceiro Apptopia mostrou que os jogos para celulares crescerão 4,4% em 2021, para US$90,7 bilhões.

E, apesar disso ser um crescimento mais lento do que a previsão geral - que estima que a indústria de jogos tenha um crescimento anual de 11% de 2019 a 2024 - ainda assim é muito bom.

As políticas de privacidade de dados mudaram drasticamente o modo como o marketing mobile é feito, como já mencionamos. E isso impacta diretamente no crescimento do mercado de jogos mobile, criando novos desafios para os desenvolvedores e empresas.

Mas, apesar desses desafios, o mercado de jogos para celular ainda é muito extenso e lucrativo. O número total de usuários de smartphones chegará a 3,9 bilhões em todo o mundo em 2021, representando um crescimento de 6,1% em relação ao ano anterior.

Recomendações

Os desenvolvedores de jogos mobile já estavam adotando estratégias híbridas de monetização e jogos baseados em IP, e as mudanças referentes à privacidade apenas aceleraram isso.

O Facebook disse que editores e desenvolvedores devem se concentrar em otimizar a eficiência para as coisas que podem medir em um mundo pós-IDFA. Além de construir um engajamento com os jogadores e refinar suas estratégias de publicidade.

Os desenvolvedores de jogos mobile também devem construir confiança com os jogadores, concentrando-se em conteúdo de qualidade, usando dados para entender onde os jogadores mais desejam uma recompensa ou opção de compra no jogo, incluir recursos sociais para construir uma comunidade com o público além do jogo e priorizar a experiência do jogador.

Além disso, eles também defendem o avanço de jogos multiplataformas e o compartilhamento entre aplicativos dos ‘jogos instantâneos’ conforme o celular e a nuvem estão convergindo.

Segundo eles, muitos desenvolvedores já estão criando jogos instantâneos na plataforma do Facebook. Esses títulos sem download e fáceis de jogar facilitarão a evolução para os jogos da nuvem. 

Imagine ver e testar jogos diretamente na mesma plataforma da nuvem e, depois, baixar apenas o que quer no seu smartphone”, comenta Jason Rubin, vice-presidente do setor de jogos do Facebook. “Será possível acessar as compras no aplicativo do mesmo jogo, tanto na plataforma de nuvem quanto no aplicativo. Além disso, a monetização aumentará para os desenvolvedores, pois eles receberão mais pelo que gastaram”.

O principal aviso é: estar mais focado do que nunca na qualidade do seu jogo.

(Caso encontre algum erro neste artigo, me avise pelo Twitter em @jumacalossi)