No último dia 7 de abril, a Atlus celebrou seus 35 anos de existência, agora subsidiária da SEGA e conhecida principalmente como desenvolvedora de Shin Megami Tensei e diversos derivados de sucesso, talvez nenhum tão reconhecido como a série Persona.

Nestas décadas, a empresa se destacou na indústria como uma referência não apenas por seus RPGs, mas pela forma primorosa de conduzir suas narrativas.

Essa arte aprimorada ao longo de três décadas e meia garantiu experiências que vão muito além das receitas básicas de mecânicas e estratégias de gêneros de RPGs. Os jogos da Atlus prendem o público muito mais pelas histórias que, mais leves ou fortes, tendem a ser densas e envolventes, roteirizadas de forma que quando acabam você quer começar de novo só para não ter que se despedir daqueles personagens por quem você se apaixonou ao longo das últimas dezenas de horas investidas.

Por isso, preparamos uma lista com alguns dos jogos (de diversos gêneros) que marcaram a trajetória da Atlus e evidenciam sua relevância para o cenário de jogos, estabelecendo padrões e servindo de inspiração para a indústria como um todo.

Digital Devil Story: Megami Tensei (1987 – Fujitsu Micro 7 / NES)

Digital Devil Story: Megami Tensei foi o primeiro jogo da ATLUS, lançado originalmente para o FAMICOM e para o FM-7, computador lançado em 1982 que ficou apenas no Japão e Espanha, e nunca chegou oficialmente ao Ocidente. 

Digital Devil Story foi baseado em uma trilogia de fantasia e ficção científica do autor japonês Aya Nishitani, responsável também por uma dezena de outras histórias da franquia. Digital Devil Story, como a maioria dos jogos da franquia, acompanha estudantes colegiais japoneses enfrentando forças ocultas. 

A jogabilidade era similar à de vários dungeon crawlers da mesma época, com cenários 2D e visão em primeira pessoa com cenários que simulavam a sensação de profundidade combinando sprites em perspectiva, criando labirintos em 3D para serem explorados enquanto a história era contada em caixas de texto. Esse formato serviu como modelo para os futuros títulos da empresa.

Reprodução / Megami Tensei Wiki

Shin Megami Tensei (1992 – Super FAMICOM)

O próximo grande passo da Atlus foi com o primeiro Shin Megami Tensei, lançado para o Super Famicom (nunca chegando ao Ocidente), e que estabeleceu diversos dos padrões e mecânicas que seriam refinadas ou modificadas nas próximas décadas.

No jogo, o protagonista é um jovem habitante de Tóquio cuja vida muda para sempre após um portal para o Inferno se abrir na cidade, com demônios atacando a população. Preso e acusado de assassinato, o herói logo se vê capaz de recrutar e utilizar as criaturas para combate por meio de um dispositivo especial.

Inicialmente, o jogo mostra um conflito entre um general japonês que quer usar os demônios para tomar o país e o exército dos EUA. Logo, porém, o game toma proporções ainda maiores e metafísicas, com as escolhas do jogador definindo se o mundo será dominado pelas forças da Ordem ou Caos - com nenhuma das perspectivas sendo particularmente positiva.

Shin Megami Tensei não envelheceu particularmente bem, mas sua estética de fantasia urbana, narrativa complexa e a dicotomia entre Ordem e Caos definiriam a franquia principal e seus derivados.

Reprodução / Megami Tensei Wiki

Strikers 1945 (1996 – Saturn / PlayStation)

Lançado para o SEGA Saturn e PlayStation em 1996, Strikers 1945 é um dos poucos jogos da extensa lista da Atlus que foge do catálogo de RPGs com narrativas densas, sendo um Shoot-em-up vertical de aviões que, apesar de estar longe de ser o primeiro do gênero, é visto como um dos melhores e mais populares games do tipo nos fliperamas, trazendo batalhas contra chefes que entregavam momentos de bullet-hell, sugando as fichas de muita gente. 

Strikers 1945 recebeu uma versão para Nintendo Switch em 2017, mas a adaptação ficou por conta de outro estúdio.

Divulgação / Nintendo

Revelations: Persona (1996 – Playstation / 2009 - PSP)

Revelations: Persona não foi o primeiro spin-off de Shin Megami Tensei, mas foi ele que deu origem à franquia que, futuramente, acabaria por se tornar o carro-chefe da Atlus, superando até sua série de origem em popularidade no futuro.

Lançado originalmente para o PlayStation em 1996, o jogo foi lançado como uma tentativa da Atlus de alcançar um público maior com um jogo mais acessível e menos desafiador do que a série Shin Megami Tensei, e mesmo na época foi extremamente bem recebido pela crítica e pela comunidade.

O jogo novamente coloca o jogador em meio a um RPG com narrativa sombria envolvendo adolescentes japoneses investigando uma série de incidentes sobrenaturais, mas trocando muito da mitologia e tom apocalíptico da série original por psicologia jungiana e elementos de tarot. 

Após jogarem um jogo sobrenatural de adivinhação do futuro, o grupo de colegiais adquiri o poder de invocar Personas, manifestações sobrenaturais de suas personalidades interiores, e utilizam essas manifestações exacerbadas de si mesmos para combater as diversas forças que ameaçam o mundo. 

Apesar de ainda contar com várias mecânicas que da série original que deixaria para trás em jogos futuros, Persona  conseguiu se diferenciar sem perder o ponto forte da Atlus: a forma como a história se desenvolve com animações interpelando os momentos de exploração e batalhas conforme o jogador avança na trama.

 

Shin Megami Tensei III: Nocturne (2003 – PlayStation 2)

Shin Megami Tensei III: Nocturne até hoje figura ao lado de outros títulos dessa lista como um dos melhores jogos já feitos pela Atlus, e um dos melhores RPGs de todos os tempos

Lançado em 2003 para o PlayStation 2, Nocturne se passa em uma Tokyo contemporânea que acompanha um - adivinhem - adolescente japonês que é transformado em um meio-demônio após um culto maligno ter conduzido um ritual que desencadeou o Apocalipse. 

A narrativa se desenvolve com o protagonista descobrindo a existência de dois cultos que querem refazer o mundo de acordo com seus ideais, e as decisões do jogador e qual facção prefere apoiar determinam o desfecho da narrativa - embora não necessariamente no balanço de Ordem e Caos de seus predecessores.

Nocturne recebeu uma versão remasterizada para Nintendo Switch e PlayStation 4 no Japão em 2020 e receberá uma versão localizada para as mesmas plataformas, além do PC, ainda em 2021 como parte da celebração dos 35 anos da Atlus.

Crédito: Divulgação / Nintendo

Etrian Odyssey (2007 – Nintendo DS)

Etrian Odyssey foi lançado para Nintendo DS em 2007, e foge um pouco dos games com histórias sombrias, sendo um RPG que retorna ao formato dungeon crawler que marcou o início da história da Atlus. 

O diferencial principal é que, além de gráficos lindos do DS, o jogo fazia um uso excelente da segunda tela do console, utilizada como mapa e tela de gerenciamento de itens e ações. 

Etrian Odyssey, apesar de trazer elementos inovadores aos dungeon crawlers de primeira pessoa, não foi exatamente bem recebido. Não por seu conteúdo, mas pela dificuldade muito alta - que, para ser justo, era outro pilar da Atlus - diminuindo a diversão da experiência como um todo.

Divulgação / Nintendo

Catherine (2011 – Xbox 360 / PlayStation 3)

Catherine é um jogo um pouco divisivo, apesar de ser um dos pontos mais altos da Atlus em sua excelência de desenvolver narrativas. 

O jogo aborda dois gêneros, explorando elementos clássicos de visual novels e social sims enquanto o protagonista Vincent Brooks está acordado e interagindo com a realidade, mas passa para um gênero de exploração 3D com quebra-cabeças de plataforma quando dorme e tem pesadelos sobrenaturais envolvendo sua namorada Katherine, a misteriosa Catherine, e as diversas mulheres com quem ele já se envolveu, levando o jogador em uma jornada de projeção de culpa Freudiana extremamente bem construída e envolvente.

Infelizmente, alguns temas não foram tratados de forma problemática, com muitos considerando o jogo transfóbico ou, no mínimo, insensível quanto à população transgênero

Em 2019, o jogo ganhou uma versão expandida, Catherine Full Body, para PlayStation 4 e PlayStation Vita, trazendo um novo interesse romântico, Rin. A versão original também foi lançada recentemente para o Nintendo Switch.

Divulgação / Nintendo

Shin Megami Tensei IV: Apocalypse (2016 – Nintendo 3DS)

Shin Megami Tensei IV: Apocalypse foi lançado para o Nintendo 3DS em 2016, mesmo ano de Persona 5, e é discutivelmente o melhor jogo já feito pela Atlus (com o outro candidato citado logo abaixo). 

Sequência do SMT IV original, de 2013, Apocalypse segue uma linha temporal de um dos possíveis finais de seu predecessor, trazendo uma série de melhorias em relação a este último especialmente relacionado ao gameplay. 

O jogo utiliza em grande os mesmos assets de SMTIV mas acompanha Nanashi, um ser humano que foi morto por demônios e ressuscitado como um caçador de demônios, por Dagda, que oferece a Nanashi a oportunidade de voltar a vida com o intuito de cumprir uma missão.

É claro, como esse é um jogo de Shin Megami Tensei, essa missão vai evoluindo até tomar tons cataclísmicos.

Além de expandir e melhorar diversos elementos de SMT IV, Apocalypse também é um jogo que serve de ótimo complemento para...

Divulgação / Nintendo

Persona 5 Royal (2020 – PlayStation 4)

Persona 5 Royal é a versão completa de Persona 5, considerado talvez o melhor jogo da Atlus por representar justamente os 35 anos de evolução e aprimoramento da empresa tanto no desenvolvimento de RPGs marcantes com mecânicas envolventes, gameplay fluido que transita entre os elementos de Social Sim e combates em turno, tudo isso interpelado pela história primorosa entregue pela equipe de escrita da Atlus. 

O jogo provavelmente é um dos melhores jogos já feitos, não apenas pela Atlus, mas como um todo, seja no quesito de desenvolvimento das personagens ao aprofundar seus relacionamentos entre si e com o mundo, desenvolvendo suas personalidades e, por consequência, suas Personas. 

Persona 5 traz de maneira eficaz na gameplay os ciclos temporais de dia e noite, e a forma com que a história se desenvolve durante o período de um ano cria um fator de replay fantástico, uma vez que é impossível desenvolver toda a trama e conhecer profundamente todos os personagens jogando o jogo apenas uma vez. 

Diversos jogos trazem essa mecânica de desenrolar a narrativa com um “tempo limitado” - incluindo, claro, outros jogos da série -, mas poucos conseguiram fazer isso de maneira tão redondinha e amarrada quanto Persona 5. Infelizmente para muitos, Persona 5 é um jogo que está limitado apenas aos consoles da Sony, ainda que seus personagens apareçam em Super Smash Bros. 

Mas e aí, qual é o melhor entre SMT IV: Apocalypse e Persona 5 Royal? Seria injusto dar a um ou outro esse título isolado, mas sem a série Shin Megami Tensei não haveria Persona, então o melhor é jogar os dois jogos e aproveitar ao máximo o que cada um tem para oferecer. 

E para quem não pode aproveitar essas obras primas da Atlus, fica a menção honrosa a seguir.

 

Crédito: Divulgação / PlayStation

MENÇÃO HONROSA – Tokyo Mirage Sessions

Tokyo Mirage Sessions #FE não é Persona, mas é o jogo da Atlus que traz a combinação perfeita entre sua franquia Shin Megami Tensei e uma das outras franquias mais populares do Japão, Fire Emblem. O jogo, que havia sido lançado originalmente para o Nintendo Wii U, recebeu no começo de 2020 uma versão para Nintendo Switch, democratizando seu acesso a um público muito maior e combinando elementos tanto de gameplay quanto de desenvolvimento de narrativa e personagens de ambas as séries. 

Ainda que Shin Megami Tensei V esteja planejado para chegar ao Switch ainda em 2021, enquanto ele não está disponível, quem nunca teve a experiência fantástica de aproveitar outros jogos da empresa pode testar esse título que traz uma arte sensacional e a dedicação que a Atlus colocou na mistura desses dois universos diferentes.

Tokyo Mirage Sessions #FE, apesar de não ser o melhor projeto da empresa, entrega uma experiência sólida com personagens carismáticos e combates divertidíssimos.

Crédito: Divulgação / Nintendo