O Código Da Vinci
Decodificando Da Vinci

Dan Brown

O último Natal viu uma explosão literária focada na vida do aniversariante da ocasião, Jesus Cristo. E o motivo, como muitos já devem saber, é o romance policial campeão de vendas, O código Da Vinci. Título da moda e já na mira de Hollywood, o livro, escrito em 2003 pelo estadunidense Dan Brown, apresenta uma engenhosa investigação de assassinato que vai mostrando, pouco a pouco, informações que poderiam destruir a Igreja Católica e o cristianismo como é conhecido.

Os contundentes relatos têm deixado milhões de leitores perplexos. Ao menos os mais sugestionáveis.

A TRAMA

O assassinato misterioso de Jacques Saunière, curador do Museu do Louvre, em Paris, é o ponto de partida para uma investigação que pode mudar os rumos da humanidade.

Pertencente a uma antiga sociedade secreta chamada Priorado de Sião, Saunière sabia demais e por isso foi morto por um monge assassino de uma organização religiosa cristã chamada Opus Dei. O crime fora motivado pela suspeita iminente de que os mais altos membros do Priorado iriam revelar ao mundo o segredo que a Igreja tanto esconde e teme.

Suspeito número um do crime, o historiador Robert Langdon encontra-se com a investigadora Sophie Neveu, que não só acredita em sua inocência, mas também o ajuda a fugir. Juntos, tentam decifrar os enigmas que a vítima deixou antes de morrer. Ao longo das investigações, mensagens cifradas, anagramas e conhecimentos secretos sobre mensagens ocultas nas obras de Leonardo Da Vinci levam à revelação sobre os motivos do assassinato de Saunière e de seus camaradas. E os heróis da trama se vêem numa desesperada busca pelo lendário cálice associado a Cristo, o Santo Graal, ou ao menos o que ele representa.

Traduzido para mais de vinte idiomas em mais de quarenta países e com cerca de quinze milhões de cópias vendidas (quatrocentas mil só no Brasil), o Código da Vinci é um dos maiores fenômenos literários dos últimos anos. Com sua narrativa ágil e envolvente, fez a fama (e fortuna) do escritor e levantou muita polêmica, como veremos a seguir.

REALIDADE OU FICÇÃO?

A obra se apresenta como uma ficção histórica, ou seja, uma obra de ficção que se apóia em fatos históricos. O que não é verdadeiro, ou pelo menos, não pode ser comprovado cientificamente da maneira como diz o autor. Apoiando-se em teorias conspiratórias e em citações a livros não tão amplamente reconhecidos como afirma, o autor traça um painel de revelações que esvaziaria o cristianismo.

O foco dos ataques é a Igreja Católica, que, apesar de ser a maior das religiões organizadas, é apenas uma das igrejas ditas cristãs e monoteístas (que crêem em um só Deus). E todas elas poderiam desaparecer com as revelações. Tudo porque entre os fatos revelados por Brown, Jesus não tinha nada de divino, foi casado com Maria Madalena e deu origem a uma linhagem real que teve de fugir dos assassinos da Igreja, cujo maior interesse teria sido centralizar e manipular poder político.

Tais acontecimentos, bem como as muitas ponderações filosóficas, geraram uma verdadeira revolução. Livros, revistas e sites já dissecaram os temas do Código a fundo, com bases históricas variadas e gerando grandes polêmicas.

Da organização conservadora Opus Dei, descrita por Brown como violenta e autoritária, à biografia controversa de Leonardo Da Vinci, realidade e ficção se misturam numa salada não muito clara e pretensamente reveladora. Diversos pontos da obra são questionados pela historiadora Amy Welborn em sua obra Decodificando Da Vinci (Ed. Cultrix), apenas uma das muitas que se colocam do lado oposto ao de Brown.

AS POLÊMICAS

Tendencioso e manipulador na mesma medida em que denuncia os inimigos invisíveis de suas teorias conspiratórias, Dan Brown se apóia enormemente em suas crenças pessoais, deduções e algumas liberdades criativas. A publicação 100 Respostas - vol. 6, da coleção Mundo estranho (Ed. Abril) aponta que, ao contrário do que Brown diz, Leonardo Da Vinci não criou o cilindro secreto denominado críptex (usado para ocultar mensagens secretas) e que a pirâmide de vidro do Louvre não tem 666 vidraças, entre outras verdades inventadas pelo autor ou por fontes em que confia.

Ele também afirma que o nome do quadro Mona Lisa seria um anagrama para as divindades egípcias Amon e Isis (escrito originalmente como L´isa), representando a sexualidade mista da personagem retratada. Porém, o autor parece ignorar que o nome Mona Lisa não foi dado por Leonardo, mas surgiu anos depois de sua morte, conforme lembrou a já citada autora Amy Welborn. Portanto, não é verdadeira a afirmação, no começo da obra, que Todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos descritos neste romance correspondem rigorosamente à realidade.

A forçada e paranóica busca por mensagens cifradas nos quadros de Da Vinci lembra outra teoria conspiratória que existe na cultura pop: a morte de Paul McCartney na década de 1960 e sua substituição por um sósia. Até hoje, muitos conspirólogos vêem mensagens cifradas em várias capas de discos dos Beatles sugerindo que Paul está morto.

Um dos pontos principais abordados durante o Código é que a Igreja Católica teria eliminado o culto à figura feminina para diminuir o papel sagrado da mulher como geradora de vida. No entanto, Dan Brown e seu alter ego Robert Langdon se esqueceram de um aspecto importante: de todas as religiões cristãs, é exatamente a Igreja Católica a que dedica o maior espaço ao sagrado feminino. Mas não no culto à Maria Madalena, como ele gostaria, mas sim à Virgem Maria, mãe de Jesus. Acontece que os católicos são duramente criticados e acusados por evangélicos e outras denominações cristãs exatamente por cultuar com intensidade a Virgem Maria. Da forma como aparece no livro, a anulação do sagrado feminino pela Igreja é mais um dogma de Brown, um fato que ele apresenta como realidade, mas que só a fé - no caso, a fé de que tudo que ele escreve é apoiado em fatos comprovados - pode fazer soar verossímil.

Falando ainda na figura feminina, é impossível também não mencionar Maria Madalena, a suposta esposa de Jesus. Que existem controvérsias quanto ao seu papel na Igreja Primitiva, isso não há dúvida. Um excelente documentário do Discovery Channel já destacou a forte possibilidade de Maria Madalena ter tido um papel sacerdotal no início da Igreja, fato abafado pelo resultado de uma suposta disputa política dela com Pedro, que afinal se tornaria o primeiro papa. No entanto, não é levantada a possibilidade de ela ter sido amante, namorada ou esposa de Jesus, muito menos de estar grávida de seu filho quando Ele morreu crucificado. Tais teorias conspiratórias são bastante conflitantes, com algumas que desmentem a história tradicionalmente aceita, enquanto outras apenas enriquecem detalhes dos Evangelhos oficiais.

Detalhista, o escritor também vê símbolos vaginais em toda parte, numa desenfreada e por vezes paranóica busca por sinais que validem suas teorias sobre o papel do sagrado feminino. Sobre isso, basta lembrar a opinião do criador da psicanálise Sigmund Freud. Certa vez, quando questionado sobre o simbolismo fálico do charuto que fumava, ele declarou que Às vezes, um charuto é só um charuto.

Em seu livro, Dan Brown também faz uma gama de associações que parecem brilhantes e reveladoras, mas que são apoiadas em suas crenças, em fontes nem sempre confiáveis e em uma enraizada ideologia contra a origem do catolicismo, apesar de seu aparente respeito pelo papel atual da Igreja.

Sem conhecer os fatos, milhões de leitores elegeram-no seu guru. A situação lembra a trajetória de JJ Benítez, que escreveu a série de romances Operação Cavalo de Tróia, na qual um experimento de viagem no tempo à época de Cristo traz relatos supostamente verídicos sobre o fundador da fé cristã. Até hoje, muita gente acredita piamente que essa viagem numa máquina do tempo existiu de fato e foi acobertada pelos militares e pela Igreja.

Com tudo isso, o universo ficcional de Brown deve ser visto como uma dimensão paralela, onde liberdades criativas foram tomadas ao se apresentar relatos históricos. Assim, pode-se voltar a apreciar O código Da Vinci exatamente pelo que ele é: um livro de ficção e aventura mediano, muito longe de ser um novo tratado para se entender a história humana.

A obra original

O código Da Vinci

Autor: Dan Brown

475 páginas
Ed. Sextante (compre aqui)

Para debater o Código

Decodificando Da Vinci

Autora: Amy Welborn

136 páginas
Ed. Cultrix
(compre aqui)

Mundo Estranho - O código Da Vinci
Coleção 100 respostas - Vol. 6

Autores: Alexandre Matias e Vladimir Cunha

116 páginas
Ed. Abril

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