Credulidade. É esse o principal motivo que faz de Game of Thrones, para mim, uma obra tão divertida de se acompanhar (principalmente os livros). É tudo crível, resultado da própria característica do gênero literário a qual está inclusa e da habilidade narrativa de Martin. Às vezes, como na vida, um capítulo se encerra da maneira mais desagradável possível; outras, o capítulo é breve e tem um final abrupto, inesperado, medíocre e por ai vai. O mérito de GoT -- tanto na série quanto nos livros -- sempre foi o esmero em posicionar os ganchos e o cuidado com a narrativa em todos os momentos, sempre adicionando ou eliminando elementos com lógica.

E no início do ano, quando a série de jogos baseada no seriado e desenvolvimento da Telltale foi anunciada, a expectativa era alta. Primeiro, pelas características mencionadas acima, depois, por dar esses elementos às mãos de uma desenvolvedora que já tinha sido premiada em 2012 por The Walking Dead, jogo baseado nos quadrinhos e primoroso única e exclusivamente por sua história e narrativa. Com “Ice Dragon”, a Telltale encerra a primeira temporada da série de jogos baseada em Game of Thrones de uma forma inesperada… para o mal.

Os parágrafos a seguir possuem spoilers de todos os episódios do game lançados até agora. Siga por sua conta e risco!

Após todos os eventos dos episódios anteriores, “Ice Dragon”, por fim, abriga apenas três segmentos para dar desfecho à história. Garred Tuttle, após ter desertado a Patrulha da Noite, finalmente alcança o Bosque do Norte (lugar místico confidenciado por seu tio) e encontra duas figuras novas na história, os dois bastardos do Lorde Forrester, que, por coincidência (muita, aliás) são dois wargs poderosíssimos.

Mira Forrester, neste ponto da história, tem de se livrar de boatos que poderão colocar sua vida em risco -- como qualquer outro boato em Porto Real; qual o problema desse povo? Para isso, terá de usar sua malícia adquirida desde o primeiro episódio da série. Dependendo da sua escolha no episódio anterior, aqui, tanto Asher quanto Rodrik podem ter finalmente chegado a Ironrath com aliados. Cabe a você finalmente travar guerra com os Whitehills ou resolver diplomaticamente as diferenças entre as duas famílias. 

A princípio, todas as premissas, no fim do episódio anterior pareciam muito boas. Agora, fora do calor do momento, é mais evidente que não parecem ser o suficiente para criar um bom clima para o fim da temporada. Além disso, diferentemente do início da temporada, quando se tinham cinco segmentos, três parecem muito pouco para manter o jogador interessado na história. Mas com um bom final, nada disso realmente importaria, certo? Errado. Principalmente com o desfecho definido pela Telltale neste episódio.

Sacrifício duvidoso

Infelizmente, mais do que qualquer outro episódio até então, “Ice Dragon” traz mais dúvidas do que respostas à trama. Para o seu próprio mal, a Telltale sacrificou a progressão dos capítulos anteriores em troca de ganchos nem um pouco convincentes para uma segunda temporada duvidosa. Não que a ideia de uma segunda temporada seja ruim, mas o rumo até ela acaba fazendo o trabalho reverso e construindo um gigantesco ponto de interrogação ao invés de uma exclamação ao fim do sexto episódio. 

De todos os segmentos, nenhum final se salva. Dependendo da sua escolha, Mira Forrester ironicamente leva o mesmo destino de Ned Stark. Irônico porque, assim como mencionado nas críticas dos episódios anteriores, os últimos capítulos desvencilharam-se da trama “original” de Game of Thrones e conseguiram construir uma própria narrativa sem seguir (totalmente) os arquétipos construídos pelos livros e seriado.

E o gancho forçado fica ainda mais evidente quando, durante todo o episódio, um personagem secundário lhe oferece ajuda, a ponto de sacrificar a própria vida para o bem de Mira. Culminando em ser o último à menina olhar antes de ser decapitada, torna-se claro que jogaremos com aquele personagem durante segunda temporada. E, claro, como qualquer mínimo problema ou boato em Game of Thrones, tudo acaba em sangue. 

Garred Tuttle tem um final mais compreensível ou duvidoso dependendo da sua escolha. Os dois irmãos bastardos de Lorde Forrester acabam sendo o “grande mistério” a ser descoberto pelo rapaz. Quanto às decisões, cabe a você escolher entre sacrificar a vida de um amigo ou não e, no fim, ficar no Bosque para ajudar os irmãos ou seguir com eles em direção ao Sul para a guerra contra os Whitehill.

A primeira decisão é a mais crível. Afinal, é um elemento apresentado desde o primeiro episódio, mesmo que às cegas até o último momento. A segunda, porém, é no mínimo incompreensível. A única explicação viável para a história a partir desse ponto não é apenas a ajuda dos irmãos à casa Forrester por orgulho, mas pelo simples motivo dos autores decidirem que um urso polar e um exército de mortos-vivos seriam ótimos na segunda temporada.

O segmento de Asher (ou Rodrik, dependendo da sua escolha no episódio anterior) dá ao jogador, finalmente, a chance de planejar uma emboscada contra o inimigo – à lá Casamento Vermelho. A partir daí, a surpresa é apenas negativa. É um daqueles momentos incrivelmente chatos e desanimadores nos jogos da Telltale, em que o jogador vê claramente que não importam suas escolhas, o game sempre irá para um só caminho. No caso, será impossível derrotar todos os Whitehill na sala de jantar por um simples motivo: a segunda temporada. Não é porque o jogador não teve a inteligência em responder as frases corretas naquele momento ou pelo seu exército não ter executado bem o plano, mas pelo simples fato da obrigação de existir um gancho para prolongar a história naquele momento.

E aí voltamos para a credulidade. Durante todo o episódio, vemos os reflexos da boa temporada como a própria maneira de Mira Forrester ter de se livrar de um problema causado em episódios anteriores, ou Tuttle decidir entre a morte de um amigo ou sacrifício para um ritual. Mas a característica da Telltale dar decisões falsas ao jogador se tornam ainda mais destoantes quando somadas a uma narrativa fraca e preguiçosa.

A maioria dos finais em Ice Dragon (principalmente Tuttle e Asher/Rodrik) não são minimamente críveis. Pelo contrário, estampam o sacrifício do que vinha sendo uma boa história para prolongá-la. O jogo deixa isso claro com seus três finais – um “normal” e dois posfácios (de Asher e Ryon). A lógica ao posicionar elementos narrativos e o esmero ao apresentar os ganchos não estão ali. Infelizmente, “Ice Dragon” faz totalmente o inverso do que torna Game of Thrones tão bom. E o preço disso é um fechamento infeliz para uma boa temporada.

Game of Thrones - "A Nest of Vipers" está disponível para Xbox One, PlayStation 4, Xbox 360, PlayStation 3, PC, Mac e iOS. A versão testada foi a de PlayStation 4. Leia as críticas dos outros capítulos:

Nota do crítico