Jornada ao Oeste é uma famosa fábula chinesa de 1570, escrita em meados da Dinastia Ming. Ela narra a história de um monge que, acompanhado do rei macaco e outras criaturas, enfrenta monstros e animais estranhos a caminho da Índia, pela Rota da Seda, para trazer os pergaminhos budistas de volta à China.

A estrutura e os personagens do épico já ganharam vida na cultura pop várias vezes. Akira Toriyama inspirou-se nele para seu Dragon Ball e recentemente o filme O Reino Proibido adaptou-o de maneira globalizada. Agora, uma nova versão desse clássico é lançada, mas na forma de um game, Enslaved - Odyssey to the West, para PlayStation 3 e Xbox 360.

Enslaved

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O roteirista de Extermínio, Alex Garland, tirou a jornada da China do Século 16 para ambientá-la 200 anos no futuro, nos Estados Unidos. O rei macaco virou Monkey, um sujeito ágil e cheio de recursos que sobreviveu sozinho sua vida inteira. Já o monge Tripitaka do original aqui se transforma em Trip, uma bela garota extremamente hábil com tecnologia. Os dois se conhecem a bordo de uma nave escravagista que, depois que ela a sabota, cai em uma Nova York devastada por um apocalipse robótico. Juntos e com suas vidas ligadas - ainda que não por opção dele - eles terão que descobrir uma maneira de retornar à cidade dela, em direção ao Oeste.

A produtora inglesa Ninja Theory, atualmente no centro da polêmica referente às mudanças em Devil May Cry, soube aproveitar muito bem o texto de Garland. Os personagens são carismáticos, cheios de expressividade e muito bem desenhados e animados. Andy Serkis, o Gollum de O Senhor dos Anéis, interpreta Monkey. Seu trabalho é fantástico e fundamental para a relação entre o personagem e o jogador que, assim, se sente bastante próximo do drama de Monkey e Trip (outro ótimo personagem, Pigsley, junta-se a eles mais tarde). Confesso que poucas vezes percebi em um game tamanha preocupação com os protagonistas, sua jornada e destinos. Com esse esmero nas atuações, animação e história, Enslaved é uma experiência emocional bastante rara nos games.

Obviamente, por se tratar de entretenimento eletrônico, nada disso teria qualquer relevância se Enslaved não fosse bom de jogar. Mas a Ninja Theory e Namco acertaram também nesse aspecto. A jogabilidade evoca títulos como Uncharted, pelo sistema de escaladas, e na ação apresenta combate competente, com bom modo de aprimoramentos, ainda que sem muita variação de golpes. Mas os encontros inteligentes com chefes de fase, a possibilidade de superar algumas delas de maneira furtiva e os magníficos cenários (a Nova York em ruínas cobertas de vegetação é incrível) compensam a simplicidade do combate. Adiante, porém, ele fica mais instigante, com a necessidade frequente de combinar disparos de energia e pancadaria e a adição de veículos (a nuvem flutuante é divertidíssima).

As fases são todas lineares e com pouca exploração, algo que poderia ter sido melhor trabalhado. Controlar Trip em alguns momentos (ou mesmo um modo cooperativo para duas pessoas), como nos momentos de rastreamento e invasão tecnológica, também seria extremamente benvindo. O universo apresentado é rico demais para se restringir a uma só busca, um só ponto de vista. Mas isso é mero desejo gerado pela própria qualidade do game, já que a linearidade é movida pela ótima trama e entrega um desfecho instigante e surpreendente.

Infelizmente, o jogo não foi bem recebido pelo grande público (a demo pouco atraente e a concorrência com os blockbusters de fim de ano podem ter sido alguns dos fatores responsáveis), o que pode inviabilizar novas aventuras de Monkey e Trip. Eu certamente voltaria a esse universo mais vezes, já que o final, totalmente satisfatório dentro do jogo, abre possibilidades para a continuidade da série. Torço para que Enslaved ainda encontre seu público.