Dos primeiros minutos ao ato final, Splinter Cell: Blacklist é um pedido de perdão da Ubisoft aos fãs ortodoxos da franquia. Aqueles que reclamaram da ação de Conviction e queriam um resgate da espionagem pura e simples. Para não perder o público adquirido com o jogo anterior, a empresa mescla estas duas vertentes e deixa nas mãos do jogador a decisão de qual caminho seguir. Tal proposta, porém, deixa o jogo sem identidade e o torna uma experiência incompleta de ação, furtividade ou a combinação de ambos.

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Na história, Sam Fisher não é mais um renegado, muito menos um agente disfarçado. O personagem de Tom Clancy lidera a Fourth Echelon, maior agência secreta do mundo, e conta com apoio integral da presidente dos Estados Unidos. Com isso, todos os gadgets característicos voltam e têm participação relevante em boa parte da jogatina. Apesar de parecerem engenhocas surreais, cada um deles têm função essencial em pelo menos uma missão.

A trama de Blacklist é semelhante a quase todos os seus concorrentes. Fisher precisa impedir que uma organização terrorista cumpra seus planos de destruição global. Ao lado disso, ele ainda tem cicatrizes e assuntos iniciados em Conviction a serem resolvidos, o que dá um tom mais pessoal e realista à história. E assim como os objetos do agente, as ameaças da história soam palpáveis - os cenários escolhidos ajudam a construir um clima tenso e fogem dos batidos ambientes do Oriente Médio. Cuba, Paraguai e Chicago são alguns dos locais escolhidos.

No punho, nas sombras e na bala

Nos momentos de combate, Blacklist usa as mesmas estratégias de Conviction. Três anos depois, todo o sistema permanece eficiente, com alterações sutis nos comandos, que estão mais ágeis e condizentes com a situação vivida pelo jogador. Fisher finaliza e luta com inimigos com animações variadas e crueldade incomum - outra boa adição vinda de Conviction. A sensação de eficiência e precisão continua como a melhor característica da jogabilidade da série e aqui valida a ousadia do jogo anterior, que neste quesito deve se tornar exemplo para novos capítulos.

As mecânicas de tiro, no entanto, não acompanham o desempenho dos confrontos corpo a corpo. Caso prevaleça a vontade de atirar, não há escapatória: a tarefa será muito mais árdua. Blacklist não é um shooter nem pretende ser, mas o tiroteio é inerente à trama e quando acontece não mantém a qualidade de outras ocasiões. O dano das armas é irregular e diferenciam pouco o local onde o tiro é executado. Não importa se levou um tiro na perna, tronco ou cabeça - o inimigo só vai cair quando levar uma rajada de balas.

Outra opção são as execuções, também vindas de Conviction. Aqui, basta uma marcação e a proximidade certa para que Fisher finalize os adversários com um tiro. No fim, tal qual dita a regra dos melhores jogos de furtividade, Blacklist pune quem usa armas com frequência, ainda que dê essa opção de forma ineficiente - melhor é usar os gadgets disponíveis ou mesmo se esgueirar pelas sombras.

O design das fases é responsável por forçar o jogador a optar pela furtividade. São muitos inimigos e sombras no mesmo lugar para escolher o combate como resolução. A inteligência artificial desequilibrada de Blacklist também contribui para isso. Escondido, Fisher consegue eliminar todos sem ser visto, mesmo que o inimigo abatido esteja em uma sala minúscula com dois outros capangas. Caso opte por entrar atirando em todo mundo, terá dificuldade para eliminá-los, além de receber mais dano pelos tiros que recebe, se comparado aos que dá. Dessa forma, permanecer no escuro deixa a aventura menos frustrante e irregular.

Apresentação e exploração

A experiência da Ubisoft em integrar narrativa e interface, algo feito com louvor em Assassin's Creed e Far Cry,  atinge um novo nível em Blacklist. Os letreiros no ambiente continuam e, além dos objetivos, contribuem na comunicação com a base e outros personagens. Fisher não só fala com seus companheiros, mas executa programas e checa identidades por meio dos gráficos mostrados na tela. Os menus são recheados de opções de gadgets e contam com comandos ágeis e intuitivos - assim como o avião da Echelon, que serve como um painel gigante para aprimorar as habilidades do protagonista.

Por outro lado, os gráficos são defasados e têm apenas Sam Fisher como modelo convincente. Todos os parceiros do agente tem expressões faciais retrógradas e nada condizente com jogos do fim da geração - o visual é quase idêntico à Conviction. O mesmo pode ser notado nos inimigos e construções, que ganharam pouco cuidado, apesar do bom trabalho de iluminação. Além de reproduzir bem os ambientes com sombras, o jogo reflete a luz de lanternas e holofotes no rosto do jogador como se aquele fosse o visor de Fisher - a opção melhora a imersão na aventura e dá um visual mais cinematográfico às missões.

O linguagem de cinema é outro resgate que o game faz. As corridas, fugas, cenas animadas e os Quick Time Events contribuem com uma pitada de ação à trama, que é pautada pela tensão dos ataques terrosistas. O controle de Fisher nestes momentos é o mais automático possível, porém. Basta empurrar o direcional e apertar o botão necessário para o agente escalar, pular ou escorregar - não importa a direção, o jogo se encarrega de movimentar o personagem. Outro fator importante para a imersão é a dublagem, trabalho feito com louvor em outros jogos, aqui realizado com menos eficiência. Em português, ao menos, é possível notar um trabalho de qualidade, mesmo que trechos tenham sido esquecidos - não raro personagens falam em inglês no meio do diálogo.

Retalhos de uma série

A satisfação completa para os fãs da série está mesmo no pacote multiplayer/cooperativo oferecido por Splinter Cell: Blacklist. O longo tempo de desenvolvimento permitiu que fosse incluído um novo Spies vs Mercs. As opções são vastas o suficiente para manter o jogador ocupado durante meses - a diversão é garantida tanto no modo clássico quanto no remodelado, que tende mais para ação e correria. As missões cooperativas também são incluídas de forma orgânica, sem atrapalhar a narrativa principal ou o desenvolvimento da história. São várias missões e cenários novos para se explorar, dando um sobrevida significativa ao título.

Após se aventurar com mecânicas diferentes em Conviction, a Ubisoft não quis arriscar. Optou por uma abordagem tradicional, que visa agradar a todos os públicos. A tentativa dá ao jogo um caráter de satisfação pública latente, sem estilo definido ou mecânicas originais. Blacklist é um retorno aos primórdios da franquia, mas não executa nada com a excelência de títulos como Chaos Theory, por exemplo; ao invés disso, faz saltar os olhos as melhorias feitas em Conviction. A última aventura de Sam Fisher é um lembrete da grandeza de seus antecessores, um conjunto de retalhos consagrados.

Nota do crítico