Desde que Frank Miller colocou Batman e Superman para lutarem um contra o outro em O Cavaleiro das Trevas, não há como negar que, quando a história é bem contada, borrar a linha entre heróis e vilões é um ótimo método para atrair a atenção do público. Se a fórmula é testada e comprovada há décadas, Injustice: Gods Among Us fez questão de usá-la com uma dose extra de surpresa. Afinal, quem imaginaria que Clark Kent poderia ser tão convincente como vilão?

Novamente se apoiando em sua excelência narrativa, Injustice 2 traz de volta o conflito entre membros da Liga da Justiça em sua melhor forma. Reforçando os embates ideológicos representados por Batman e Superman, a trama se ancora ainda mais nos ícones da DC enquanto propõe um conceito que estica as fronteiras de um jogo de luta, permitindo que os jogadores mudem os atributos de cada personagem.

Mas primeiro, vamos ao modo história, carro-chefe do jogo e da própria NetherRealm, que introduziu esse estilo de contar histórias em Mortal Kombat (2011) e até hoje é o único estúdio no gênero que faz isso direito. Injustice 2 lida diretamente com as consequências do final do primeiro jogo. O déspota Superman está preso, seus aliados estão foragidos ou exilados, e Batman está praticamente sozinho na linha de defesa da Terra.

Tudo muda quando Brainiac, que no universo do game foi o responsável pela explosão de Krypton, chega à Terra com o plano de armazená-la em dados (e destruí-la no processo), e ambos os grupos se mobilizam para tentar proteger o planeta. Batman estabelece novas alianças enquanto Mulher-Maravilha e Adão Negro, ainda leais a Superman, tentam libertá-lo, pois acreditam que o kryptoniano é a única esperança contra o vilão.

O modo história se divide novamente em capítulos sob o ponto de vista de um personagem específico, mas com uma novidade: em algumas partes, o capítulo é protagonizado por uma dupla, e dá a você a oportunidade de escolher com quem lutar. As escolhas não interferem no decorrer da trama, com exceção de uma, feita no final da história.

A trama deixa alguns baluartes da Liga de lado para dar espaço a quem se destacou na TV e no cinema nos últimos anos, tentando pegar carona na popularidade destes meios. Os principais exemplos são Arlequina, que ganhou capítulo próprio, e a Supergirl, que presenciou a destruição de Krypton nas mãos de Brainiac e chegou à Terra pouco antes dos eventos de Injustice 2. Até mesmo o Nuclear, que está em Legends of Tomorrow, também ganha destaque enquanto heróis como Aquaman e Ciborgue são encaixados em capítulos em dupla.

Há diversos personagens envolvidos, mostrando lampejos de motivação própria, mas tudo se resume ao dilema incorporado pelos dois heróis. Para derrotar o novo vilão, a Liga precisa do Superman, mesmo que Batman não queira libertá-lo. Nessa nova guerra, Injustice 2 brilha no mesmo conflito de ideais no qual o primeiro jogo acertou, onde cada um dos lados têm motivações fortes e plausíveis, mesmo que você não concorde com elas.

Para a história, a centralização da disputa entre Batman e Superman faz sentido, mas a repetição dos confrontos entre os dois fica maçante no decorrer da trama. Enquanto no primeiro jogo tínhamos subtramas que davam mais corpo ao universo - as dúvidas de Flash sobre o Regime, os planos do Coringa, a debandada do Lanterna Verde para o lado de Sinestro -, aqui quase sempre a trama avança por conta dos encontros entre o Homem-Morcego e o Homem de Aço, e lá pela terceira ou quarta luta entre os dois, eu me questionei algumas vezes por quê a NetherRealm não aproveitou outros personagens.

Também não ajuda o fato de o rol de antagonistas de Injustice 2 estar bem abaixo do primeiro game. Sem a participação de pesos-pesados como Lex Luthor, Apocalipse ou o Coringa, sobrou para Brainiac se aliar a uma equipe de vilões nível B da DC, importantes em universos fechados, mas não tão relevantes em um panorama geral.

O braço direito do coluano é Gorilla Grodd, que forma uma aliança com Mulher-Leopardo, Hera Venenosa, Bane, Pistoleiro, Capitão Frio, Mulher-Gato (que se revela espiã de Batman logo cedo na trama) e Espantalho. O grupo dá sinais de que será uma pedra no sapato dos heróis, mas sua importância se esvai assim que Brainiac aparece.

Por fim, há personagens mais neutros, como o Monstro do Pântano, Atrocitus ou o Senhor Destino, que mais servem para variar as lutas no modo história do que qualquer outra coisa. Ainda assim, é de longe uma das melhores histórias contadas em games de luta, e está no nível que se espera da NetherRealm.

Toda essa trama é contada de forma grandiloquente, com grandes sequências de ação e cenários deslumbrantes, mas o que mais se destaca, entretanto, é o nível de detalhe nos rostos e expressões faciais dos personagens. Este é sem dúvidas o melhor trabalho da NetherRealm nesse quesito, especialmente no que diz respeito às personagens femininas. O estúdio de Chicago, que tinha na construção de modelos de mulheres uma de suas maiores deficiências, se superou desta vez.

Vale sempre destacar também a dublagem, que conta com diversos veteranos. Márcio Seixas, Guilherme Briggs e cia. interpretam as vozes dos ícones da DC há anos e aqui, mais uma vez, se mostram muito à vontade em seus papéis. É uma pena que a adaptação, voltada a uma classificação indicativa menos restritiva, tenha feito a clássica mudança de palavrões por termos mais leves, destoando da temática mais sombria do jogo.

Nos combates, Injustice 2 não muda muito em relação a seu antecessor, mantendo o mesmo esquema de botões, combos e golpes especiais. Assim como em Mortal Kombat, o sistema de luta dá preferência a comandos curtos para desferir combos e usa e abusa do juggling, aquele tipo de sequência de ataque que mantém o inimigo no ar.

Uma das principais alterações está na opção de poder gastar a sua barra de especial para bombar seus golpes ou escapar de situações adversas. A nova opção dá ainda mais ênfase às estratégias do que se pode fazer com a barra de especial por conta do sistema de Confronto, uma aposta de barras de especial que pode ser pedida quando você perde metade da vida. A maior aposta vence - se quem desafiou vencer, ele recupera parte da vida. Se perder, toma dano.

Como há mais usos para a barra de especial além do Confronto e do próprio super ataque, que também causa grandes quantidades de dano, saber quando usá-la - ou saber quando blefar e incitar o oponente a usá-la - pode se tornar uma vantagem estratégica significativa dentro de uma luta.

A principal e mais alardeada novidade na estrutura de jogo de Injustice 2 está em seu sistema de equipamentos. Cada lutador tem 50 itens que podem ser equipados em partes do corpo - braços, pernas, torso, cabeça -, mudando não apenas sua aparência como também atributos como força, vida e habilidade.

Na teoria, o sistema de equipamentos do Injustice 2 teria tudo pra funcionar, pela amplitude de opções de customização, tanto nos atributos do personagem quanto em sua própria aparência. A variedade de equipamentos e as modificações visuais, todas diferentes mas ao mesmo tempo condizentes com cada herói ou vilão, realmente permite que você crie o lutador da maneira que você mais gostar.

Na prática, o sistema não funciona tão bem pelo método escolhido pela NetherRealm para distribuir esse conteúdo. A exemplo de Overwatch, os itens são obtidos por meio de caixas de tesouro (aqui, sabiamente batizadas de caixas-maternas), em ordem aleatória - se você ganhar um item repetido, pode vendê-lo para obter dinheiro e comprar mais caixas. Além disso, os equipamentos são atrelados a níveis, só podendo ser usados se você ganhar experiência com o lutador.

As loot boxes funcionam bem em jogos que te encorajam a jogar com o máximo de personagens possíveis - e ainda mais em games como Overwatch, onde a troca de bonecos é constante. Mas no gênero de luta, que pede do jogador a dedicação a um único lutador, a entrega aleatória de itens pode ser frustrante. Por exemplo: escolhi o Flash como personagem de preferência, mas ainda não recebi nenhum item para melhorá-lo, enquanto o estoque de lutadores como o Pistoleiro, o Aquaman e a Canário Negro está abarrotado.

Resta ver também como o sistema de equipamentos será levado em conta no cenário competitivo, já que os equipamentos conferem mudanças nas habilidades dos lutadores. Em tese, a possibilidade de mudar a força ou a vida de seu personagem dá mais profundidade na hora de bolar estratégias, e dá uma preocupação a mais na hora de estudar o oponente, mas o sistema também pode ser uma dor de cabeça para torneios que geralmente têm regras mais restritas. De qualquer modo, há a opção de jogar sem as alterações de atributos.

Assim como outros jogos da NetherRealm, Injustice 2 também vem abarrotado de conteúdo. Além do modo história e das tradicionais lutas solo e versus (aqui, offline ou online), um terceiro modo, intitulado Multiverso, adapta para a franquia as Torres Vivas de Mortal Kombat X e dá ao jogador desafios diários nos quais se pode enfrentar um grupo de oponentes, cada um com um tipo de customização. Esse modo também pode ser jogado online, e você pode se filiar a uma Guilda para jogar desafios especiais e obter recompensas diferentes dos modos offline.

Funcionando ou não, é sempre bom ver a NetherRealm com propostas para o gênero de luta, algo que ela têm feito consistentemente desde o Mortal Kombat de 2011. Com uma boa opção de modos de jogo e maneiras de personalizar personagens, Injustice 2 é um jogo de luta completo, coroado por uma das melhores histórias envolvendo os heróis e vilões da DC nos últimos anos, não apenas nos games, mas em outras mídias.

Injustice 2 está disponível para PlayStation 4 e Xbox One. O jogo foi testado em um PlayStation 4. Clique no nome das plataformas para conferir seu preço nas versões digitais.

Nota do crítico