Everything é um jogo difícil de se avaliar. Criado por David OReilly, responsável por Mountain e o falso usado no filme Ela, ele atraiu olhares de gamers por conta da frase "você pode ser qualquer coisa." Isso, por incrível que pareça, é verdade. Se está no mapa, você pode se transformar naquilo. Uma árvore, um átomo, um continente, uma galáxia. Imagine uma gigantesca caixa com uma variedade inacreditável de brinquedos. Isso é Everything.

Por conta da audaciosa afirmação de que é possível jogar com qualquer coisa, você sempre ficará na expectativa de encontrar coisas novas e tentar se transformar naquilo, e a sensação de felicidade e surpresa sempre está lá.  Se encolher até o tamanho de uma bactéria e olhar o mundo por sua perspectiva é tão fascinante quanto virar um sol e ver como seu movimento afeta a translação e rotação dos planetas ao seu redor. Em Everything a beleza está nos detalhes.

Esse jogo te suga para o seu mundo, faz você abrir os olhos por conta de sua enorme variedade e pensar "pra onde vou agora?". Eu imagino que cada um terá uma experiência diferente, mas comigo Everything foi ficando mais e mais surpreendente conforme eu me aproximava de aspectos da civilização humana. Encontrar um anel no meio de uma floresta me deixou intrigado, mas do nada ver um foguete no meio do espaço me fez sorrir de orelha a orelha. Quando eu finalmente encontrei uma cidade, esse sentimento entrou em turbo. Ainda não consegui jogar com uma pessoa, mas não duvido que elas estejam por aí, escondidas.

Isso, claro, pode acontecer com qualquer outra coisa. Quais tipos de animais existem nos planetas alienígenas? Quantos tipos de planetas existem? Qual o maior animal do jogo? O que te mantém preso em Everything é algo que você mesmo estabelece como uma razão para continuar jogando. OReilly te dá as ferramentas, te oferece infinitos caminhos, e na hora que você pensar "e se..." as garras dele já estão fincadas em sua curiosidade.

A estética do jogo, simplista e com animações muito mais engraçadas do que realistas, ajudam a criar um ar de diversão e graça no mundo que OReilly nos oferece. A forma como animais se movem vai instantaneamente te lembrar de como crianças fazem para eles andarem quando estão brincando com um brinquedo do mesmo, os veículos, por mais que sejam grandes, sempre lembram uma espécie de miniatura. Planetas e continentes parecem desenhados, não esculpidos. É uma direção de arte que diz para não levarmos tudo a sério. A trilha sonora colabora para isso dando um quê de criança bisbilhotando, de uma trela, de um risinho. Sente-se, relaxe, e brinque.

Cada vez que você se torna algo em Everything, não há necessidade de combate, de conseguir recursos ou de fugir de predadores. Você simplesmente existe e sai andando por aí. Quando você se cansar daquele mundo, pode aumentar ou diminuir a escala. Quem sabe essa seja uma boa hora para virar pólen? Ou você talvez queira explorar um sistema solar como um cometa? Eventualmente, uma vez que você tenha "sido" coisas o suficiente, a habilidade de se transformar em qualquer uma delas a qualquer hora é desbloqueada.

Imagine, então, as possibilidades. Virar uma galáxia no universo subatômico, entrar nela, explorar um planeta ali dentro foi a primeira coisa que veio à mente, mas não para por aí. Por que não transformar uma supernova numa pirâmide? Ou um peixe num pimentão? O seu grau de diversão em Everything está diretamente relacionado à sua criatividade, suas ideias, seus pensamentos.

E esse é o gancho que faz de Everything algo especial. O jogo está repleto de "pensamentos" que podem ser colecionados. Alguns deles são narrados em áudio pelo teólogo e filósofo Alan Watts, e todos sempre tem um significado maior e um específico no contexto de Everything. Eles te dão dicas, desafiam a pensar fora da caixa, a imaginar diferentes caminhos, procurar diferentes coisas. Não há objetivos em Everything, não há necessidade para isso, a liberdade e o sentimento de surpresa que vem de encontrar algo novo são o suficiente para divertir o jogador.

É por isso que quando, do nada, Everything estabelece um objetivo, o sentimento é estranho. Em um certo ponto do jogo, fica claro que OReilly quer que você vá para um lugar e faça uma coisa. Você pode ignorar isso, mas enquanto uma caixinha com o que você deve fazer estiver presente na tela, a sensação de liberdade total é jogada fora. Agora há apenas uma estrada correta, um quest principal acima da sua brincadeira.

A única maneira de completar a tarefa é continuar explorando até que por sorte você encontre o que é preciso - nessa hora, ligar o piloto automático do jogo ajudou - mas felizmente o que acontece depois que o objetivo é alcançado é um dos melhores momentos de Everything. É quando algo tão absurdo se torna possível e você "completa" a campanha que fica claro que Everything está apenas começando.

E de fato, mesmo tendo chegado num ponto de "conclusão", eu não vi metade do que o jogo tem a oferecer. Everything cataloga tudo que você encontra em diferentes categorias. Uma vez que você se torne uma planta diferente, a pasta das plantas fica um pouco mais completa e uma porcentagem - 30%, por exemplo - aparece na tela. Mesmo depois de explorar por horas, eu só passei de 50% em uma determinada classe de coisas.

Minha vontade agora é de voltar lá. O que está naquela galáxia diferente? O que acontece se eu criar um átomo do tamanho de um continente e explorar o que existe dentro dele? Eu não sei por quantas horas a brincadeira de virar algo diferente vai continuar divertida, mas por enquanto, estou adorando. René Descartes uma vez disse "penso, logo existo." Em Everything, isso nunca foi tão verdadeiro.

Everything está disponível para PlayStation 4 e PC (Steam, a partir de 21 de abril). O jogo foi testado num PS4 normal. Clique no nome das plataformas para ver o preço das versões digitais do jogo.

Nota do crítico