Nem sempre as histórias mais belas são as felizes. É preciso ter um pouco de tristeza para fazer com que algo penetre o suficiente no coração de quem vê. Child of Light, o novo game da Ubisoft Montreal, consegue o balanço perfeito entre a leveza de uma história infantil e o peso de uma experiência tocante.

Em nenhum momento, a Ubisoft tentou esconder as influências exercidas pelos tradicionais RPGs japoneses. Porém, não é preciso ser fã de um Final Fantasy ou Dragon Quest para apreciar Child of Light. Os elementos estão lá, mas há tantas novidades que o título se torna algo muito diferente do costumeiro.

A construção é a de um conto infantil, contando até com uma narradora para cenas-chave. O jogo é uma mãe carinhosa lendo uma aventura aos filhos sonolentos. E, apesar de usarmos a expressão "contos de fadas" para situações ilusórias e sem problemas, estas histórias costumam ter suas sombras. Em João e Maria, por exemplo, os irmãos foram abandonados e precisaram fugir da voracidade de uma bruxa na floresta desconhecida.

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Mas é apenas em situações de desespero que surge a esperança. É por isso que Child of Light impressiona tanto em seu tom melancólico - e, ao mesmo tempo, acerta em cheio em sua mensagem. Aurora, a filha de um duque austríaco, vai dormir e não torna a acordar. Todos a consideram morta, inclusive seu pai, que não consegue abandonar o luto e cuidar dos súditos.

Beleza melancólica

Ela, no entanto, acorda na misteriosa terra de Lemuria, palco perfeito para um conto de fadas. Criaturas fantásticas povoam sua vastidão. Todas foram dominadas pela Rainha da Noite, uma vilã que roubou o Sol, a Lua e as estrelas, trazendo o caos. Aurora está perdida e explora a região com seus pés descalços, uma coroa muito grande, que vai ao chão a cada golpe, e uma espada quase pesada demais para brandir.

Aurora é tão pequena e frágil. Vê-la percorrer os grandes cenários de Lemuria é lembrar-se de quão importante é trazê-la de volta para casa. O uso da UbiArt Framework, mesma engine de Rayman Legends e uma das melhores novidades visuais dos games nos últimos tempos, possibilita paisagens embasbacantes. São camadas e mais camadas, com folhagens e pássaros invadindo a visão do jogador. Tudo nos mostra como o mundo é amplo em relação a uma garotinha.

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Cada centímetro percorrido é carregado de melancolia, ainda mais quando o silêncio é interrompido pela singela trilha sonora da canadense Cœur de pirate. As melodias são marcantes e emocionam facilmente durante a exploração. A compositora soube balancear esses momentos com os de batalha. Quando Aurora entra em confronto, o som fica agitado e propõe uma quebra em relação ao mundo do game. Aí, há um quê de Studio Ghibli, com a energia que se esperaria de uma batalha de Final Fantasy. Nos chefes, tudo fica mais grandioso com as vozes de um coral.

Turnos e tempo

As batalhas também chamam atenção pela mecânica de turnos. O sistema lembra um active time dos JRPGs tradicionais, mas com algumas modificações. Aliados e inimigos percorrem uma linha do tempo. Ao chegar à seção "ato", podem escolher uma ação, como atacar ou usar um item. Mas tudo tem um tempo de ação. Caso o personagem seja atacado antes de completar seu movimento, pode ser interrompido e voltar para o início da linha do tempo.

A chave para o combate de Child of Light é saber interromper no momento certo, usando ataques mais rápidos ou mais lentos conforme a necessidade. Para isso, o jogador pode contar com a ajuda do vagalume Igniculus. Ao brilhar sobre qualquer inimigo (até chefes), ele faz com que este percorra a linha do tempo mais lentamente. É importante calcular suas ações pensando na demora - afinal, o oponente também pode cancelá-lo.

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Posteriormente, o jogo apresenta casos mais complexos, como inimigos que reagem a certos tipos de interrupção, ou que usam magias impedindo o cancelamento de suas ações. O sistema de linha do tempo é, junto com os elementos artísticos, o que há de mais inovador no game. Assim como em Bravely Default e South Park: The Stick of Truth,, vemos uma tentativa de adaptar o arroz-com-feijão dos RPGs para angariar novos públicos. E isso é ótimo.

Mas algumas tentativas de simplificação não funcionam tão bem. Só é possível usar dois personagens por vez, trocando-os quando necessário. Isto torna comum o malabarismo de membros da equipe, obviamente fazendo com que alguns lutadores sejam deixados de lado. Usar três personagens por vez, pelo menos, ampliaria muito as possibilidades de estratégia, tornando o combate menos quadrado.

Estas limitações podem incomodar um pouco os fãs de RPGs mais ávidos, mas não chegam nem perto de estragar a obra da Ubisoft Montreal. A jornada de Aurora fisga muito mais por sua humildade e fragilidade do que por demonstrar ter soluções geniais para os jogos. É uma aventura introspectiva de amadurecimento. Child of Light é único, memorável e merecedor da atenção de todos.

Child of Light está disponível para PlayStation 3, PlayStation 4, Xbox 360, Xbox One, Wii U e PC.

Child of Light | Hands-on

Nota do crítico