Andronico de Rodes foi o organizador da biblioteca de Alexandria, erudito responsável por categorizar o trabalho de Aristóteles. Andronico classificou a obra do filósofo grego em duas partes: aquilo que partia do mundo físico e aquilo que estava “ta meta ta physica”, ou seja, depois da física. Para estes estudos, que questionavam o além da materialidade, a substâncias das coisas e suas potencialidades, deu-se o nome de metafísica. BioShock é uma série de games que se interessa por estes mesmos conceitos: o que é formador do homem e o que está além de sua matéria, como se criam as memórias e como elas podem mudar uma pessoa.

A bela Columbia

Enquanto o primeiro jogo da saga fazia estas perguntas em um cenário pós-apocalíptico, Rapture, uma nova AtlântidaBioShock: Infinite leva o jogador à mesma jornada filosófica, mas desta vez em um novo tipo de Éden católico: Columbia.

A cidade é abençoada por um profeta, Zachary Comstock, e sobrevive em cima de trilhos bem acima das nuvens. A primeira vez que Columbia é relevada ao jogador é um momento de puro encanto, mas a cidade não tarda a mostrar sua estranheza e selvageria latentes (exatamente como aconteceu em Rapture). Há diversas similaridades entre o terceiro e o primeiro jogos (vale notar que o segundo não foi assinado por Ken Levine, criador de BioShock).

Ainda em termos de história, tanto os habitantes de Rapture como os de Columbia são subjugados por uma propaganda interminável. Em Rapture, o foco era politico. Aqui, é religioso. Em ambos, o delicado equilíbrio entre a elite e o resto da população é cindido. A diferença é que, em Columbia, é possível ver o nascimento da revolução e, de certa forma, participar dela. Esta é uma diferença importante entre os games, que traz inovação para a série.

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Como o título se passa na década de 1910, a principal revolta é racial, contudo, BioShock: Infinite não é necessariamente um jogo que trata de racismo em sua essência: ele aponta os problemas da época, mas seu maior foco é demonstrar como qualquer pessoa é corrompível, independentemente de seus objetivos nobres. Tudo isto é pano de fundo para a jornada de Booker DeWitt, cujo objetivo é encontrar uma garota chamada Elizabeth e retirá-la da cidade, por conta de uma dívida não muito bem explicada. Coisa que Comstock não parece achar agradável, já que o protagonista se vê enfrentando um exército de soldados, e cidadãos que atuam cegamente, levados pelas suas crenças.

Extermine ou seja exterminado

Em termos de jogabilidade, as mecânicas de Infinite são virtualmente as mesmas de BioShock: o combate é fragmentado entre tiros e uso de habilidades especiais, aqui chamadas Vigor, e exploração. Enquanto certas tarefas, como encontrar arquivos de áudio que contextualizam o passado da cidade, permanecem as mesmas, o novo game faz um bom trabalho em adicionar camadas na parte jogável. Por exemplo, agora é possível utilizar até quatro equipamentos especiais, também descobertos pelos cenários. Aliados à variedade de armas e tipos de Vigor (alguns servem puramente para ataques, enquanto outros ajudam a ofensiva de maneiras mais sutis), o game permite ao jogador criar um estilo próprio, ainda que sempre ligado à violência, já que os combates não podem ser evitados.

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As lutas ficaram mais rápidas, principalmente por conta de ganchos em cima das estruturas, os quais podem ser usados tanto para golpes de finalização como para escapar das criaturas mais fortes e tentar atacá-las por trás. Há também a possibilidade de uso do Skyhook, um sistema de trens em linhas aéreas que funciona como uma montanha-russa.

Elizabeth também participa da ação, de um modo astuto. Não é necessário proteger a donzela das investidas dos inimigos, ela passeia pelo cenário, encontra itens importantes que entrega ao protagonista, ou invoca guerreiros mecânicos como aliados. Ela ainda conta com um poder particularmente atraente: o de abrir fendas no espaço-tempo. Sim, as coisas ficam interessantes em Columbia, já que Elizabeth pode visitar a cidade de diversas maneiras: em uma realidade, por exemplo, certo personagem está morto. Em outra, não somente ele não está, como a revolução passa a acontecer. Com todos elementos, é impossível não se sentir poderoso, coisa que se tornou uma das marcas da série, e que faz bem ao ego de qualquer jogador.

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A questão que não vai calar

O design de fases e os controles são tão bem resolvidos que é fácil esquecer que eles existem. Essa fluidez, aliada à câmera precisa e à movimentação clara, dá espaço para que o jogador possa reparar em outras propriedades do jogo, como o magnífico trabalho de som. Das músicas aos comentários em áudio, às vozes de Booker e Elizabeth e sonorização, este é um dos melhores departamentos de BiosShock: Infinite.

Os gráficos, no entanto, não são exemplares como em Tomb Raider, para citar um exemplo também lançado no final desta geração de consoles.Mesmo assim, eles mantêm seu brilho, já que o indispensável não é o rigor técnico nesta parcela, mas o trabalho de pesquisa minucioso, que resulta no inspirado visual do título, que toma cuidado com arquitetura, cores, estilo e decoração dos ambientes. Cada pedaço de Columbia foi muito bem pensado e refinado.

Estes elementos juntos fazem de BioShock: Infinite um game praticamente perfeito. Mas nem mesmo essa qualidade toda é capaz de preparar o jogador para o final do conto, que será comentado, explicado e debatido – e até odiado -, por muito tempo. Talvez a melhor coisa de BioShock: Infinite é que o game trata seus jogadores como adultos inteligentes: ele não precisa explicar absolutamente tudo, mas orienta seu jogador a ter, por si só, certas conclusões.

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Assista também: Entrevista com o produtor Don Roy

Nota do crítico