O princípio “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” nunca fez tanto sentido. Buxexa, Racha, hastad, Danilo Avelar… o que eles têm em comum? Milhões de seguidores, um poder de influência absurdo, e zero noção. 

Antes de mais nada, não estou aqui para julgar ninguém, até porque, as atitudes falam por si só. Não é admissível que, a essa altura do campeonato, um influenciador se dê ao luxo de ser racista, transfóbico, ou seja lá o que for. 

Vou usar o caso de transfobia do Buxexa como parâmetro para dar continuidade ao texto, não só porque estou mais próximo da comunidade de Free Fire, mas porque foi o caso que levou a questionar o papel do influenciador na comunidade. 

Aos que caíram de paraquedas nesse texto, vou contextualizar: no último sábado, Buxexa, então influenciador e criador de conteúdo do Fluxo, foi transfóbico durante uma transmissão ao vivo, onde ele se referiu a Marcella Pantaleão, influenciadora trans, como “mulher de três pernas”. Buxexa não foi transfóbico sozinho: como se não bastasse, Racha ainda tomou a voz e fez um comentário desnecessário, no qual Marcella é citada como “homem”.

Buxexa, ex-influenciador do Fluxo

Imagem: Fluxo

Uma página de fãs da influenciadora fez um clipe do momento, e o mesmo rapidamente ganhou repercussão, indo além da comunidade de Free Fire - várias páginas de fofocas noticiaram o assunto. Depois que “percebeu” o erro, Buxexa foi às redes sociais com um pedido de desculpas controverso, reconhecendo o erro, mas ao mesmo tempo se isentando do mesmo, afinal, “não citou o nome de ninguém”, como se fosse necessário. 

Buxexa era influenciador e criador de conteúdo do Fluxo, time fundado por Nobru e Cerol. Horas após o ocorrido, ele foi desligado da organização. A decisão foi repudiada até mesmo pelos fundadores do time, que com certeza prefeririam manter Buxexa na equipe, os discursos não mentem - e são mais uma prova de que a maioria dos influenciadores não sabem lidar com o poder que eles têm. 

A Garena, desenvolvedora do battle royale e da BOOYAH!, plataforma de streaming onde Buxexa fazia streams, também se pronunciou, rescindindo contrato não só com o Buxexa, mas também com o Racha. Os dois ainda foram excluídos do programa de influenciadores da empresa. 

A decisão rapidamente foi muito questionada, afinal, “não era para tanto”, disseram os fãs, usando como argumento todas as coisas boas que Buxexa já fez pelo cenário. 

Mas era para tanto, sim. Ainda mais se tratando de um discurso transfóbico no país que mais assassina transexuais no mundo. 

Buxexa não entendeu que influencia milhares de crianças

Não é novidade a média de idade do público do Free Fire. A maioria são crianças entre 12 e 15 anos. A maioria não quer nada fora do Brasil. Buxexa tem 24 anos, praticamente o dobro da idade de uma boa parte das milhões de pessoas que o acompanham diariamente. Não é uma pessoa que vive no mato, sem acesso a internet ou informação, muito pelo contrário. 

Foto: Fluxo

“Ah, mas era uma roda de amigos, comentários assim escapam as vezes”. Esse discurso já é um problema que chamamos de transfobia/racismo/misoginia estrutural - ou seja, quando falamos coisas que não necessariamente concordamos, mas sempre foi aceito como “zoação” quando estamos entre amigos e em situações confortáveis, e fica ainda mais problemático quando a roda de amigos é uma transmissão com em média 50 mil espectadores. “Foi uma piada”. Não é uma piada se você ataca uma minoria. Não é engraçado diminuir ou menosprezar alguém. 

Fica claro o quanto isso é perigoso quando, em uma tarde de domingo, milhares de fãs invadiram a transmissão da LBFF, maior campeonato de esports do país, com discursos de apoio ao Buxexa e repúdio a Garena. 

Não se pode culpar alguém por enxergar inocência em um discurso transfóbico, mas pode-se culpar o influenciador que essa pessoa acompanha por não ser responsável o suficiente na hora de se comunicar com ela.

Nobru e Cerol à beira da irresponsabilidade 

Nobru e Cerol, fundadores do Fluxo

Imagem: Fluxo

Buxexa é muito amigo de Cerol e Nobru que, como citei acima, são os fundadores do Fluxo. Nobru estava na transmissão e foi parte da zoação - tudo começou quando Buxexa achou que seria engraçado zoar o amigo por deixar um comentário na foto de uma transexual. 

Logo que o caso chegou ao seu conhecimento e o influenciador foi demitido de sua organização, o bicampeão brasileiro foi às redes sociais, se colocou como culpado, e fez pronunciamentos totalmente contrários à postura adotada pelo Fluxo, que tratou a situação de uma maneira completamente diferente no posicionamento publicado pelo seu fundador nas redes sociais. 

Cerol também se excedeu, fortalecendo o fadado discurso de que “todo mundo erra”. Infelizmente, nenhum dos dois foi capaz de se pronunciar da maneira correta. Nobru e Cerol são alguns dos maiores nomes do cenário de esportes eletrônicos do Brasil e referências mundiais na cena do Free Fire. 

É inadmissível que os donos da organização se coloquem, ainda que indiretamente, contra a posição da organização que, patrocinada por grandes marcas como Next, Casas Bahia e TNT, certamente foi pressionada a rescindir com o Buxexa. Nobru e Cerol foram totalmente ao contrário do caminho do Fluxo. Uma pena, até porque, na posição que ocupam, os dois têm um poder de influência fora do comum, algo que seria um forte aliado na luta de minorias. 

Nobru e Cerol sempre foram pontuais em seus comentários e abraçaram pautas minoritárias, atuando como exemplos da comunidade que queremos ser e ter. No entanto, quando mais precisavam se posicionar - ou seja, quando o comentário transfóbico partiu de alguém de seu círculo de amizade -, ao invés de fazerem coro à punição, jogaram suas comunidades indiretamente contra a própria organização e a Garena. Se Buxexa e Racha são amigos pessoais, um apoio pessoal é necessário para que ambos entendam o seu erro, mas publicamente ainda assim deveriam ter condenado de maneira efusiva os comentários.

Com isso, ambos perderam a oportunidade de serem o que sempre foram: exemplos para seus fãs e sua comunidade. “Oportunidade” ainda é a palavra errada aqui, apenas não havia qualquer outra postura a tomar a não ser serem exemplos.

“Fluxo” é uma gíria criada para denominar festas de periferia. Fluxos não conhecem preconceito e exclusão, machismos, LGBTfobias e transfobias. Qualquer pessoa é bem-vinda em um fluxo… e por isso mesmo a escolha para o nome de sua organização é tão profunda. Ninguém melhor do que Nobru e Cerol para entenderem o que significava um posicionamento correto nesta situação.

“99 acertos, um erro e mil consequências”

Buxexa fez muitas coisas boas pela comunidade, isso ninguém pode negar, mas no momento que errou, foi crucificado. “99 acertos, um erro e mil consequências” é uma frase que define muito bem toda a situação, entretanto, não a favor do Buxexa, como a maioria das pessoas pensam. O que fica claro é a importância de tomar cuidado com o que é dito frente à milhares de pessoas. 99 acertos têm um peso enorme, mas basta um erro para tudo ir por água abaixo.