Por dias mais quentes: a derrota da Vorax na final do CBLoL 2021

Acompanhe os bastidores de uma equipe profissional de League of Legends no dia mais importante de sua história

Bruno Pereira Editor de Esports
Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

Se você já acompanhou o cenário competitivo brasileiro de League of Legends, por mais que tenha deixado de assistir e voltado para esta final de Primeira Etapa do CBLoL 2021, certamente você conhece a Vorax.

A organização, que já foi ProGaming Esports entre 2016 e 2019 e Prodigy esports entre 2019 e 2020, se juntou com a Falkol para conquistar sua vaga no Sistema de Franquias que entrou em vigor no CBLoL em 2021. Quatro meses depois, a equipe disputava o primeiro título de sua curta (e ao mesmo tempo longa) história.

Por mais simples que possa parecer, as mudanças acontecem para realmente mudar algo, mas muitas vezes isso não acontece.

Com a Vorax, aconteceu.

Para uma melhor leitura e experiência, leia esta matéria no computador/desktop.

Dezoito de abril de 2021, final da Primeira Etapa do CBLoL 2021.

Entro no carro apressado e mando mensagem para Maicon de Souza, manager da Vorax. “Estou a caminho, chego em quinze minutos”, digito no celular, enquanto tento ligar o carro ao mesmo tempo e deixar minha mala no banco do passageiro. Eram 11h30 da manhã, horário que tinha combinado de já estar no gaming office da Vorax para acompanhar a equipe presencialmente no dia mais importante da história da organização: sua primeira final de CBLoL.

Nota da Redação: o editor Bruno “LeonButcher” Pereira fez o teste RT-PCR solicitado pela equipe para acompanhá-los presencialmente, seguindo todas as orientações de saúde em meio a pandemia do COVID-19.

Era a primeira vez que acompanhava uma organização presencialmente durante a disputa de um título. Isso é, descontando os tempos de Riot Games quando tinha acesso às equipes durante as finais de CBLoL. Dificilmente a imprensa tem esse tipo de acesso, então fui muito grato à Vorax por aceitar a proposta de conteúdo que tinha na cabeça.

A Vorax era favorita à final. Isso porque mantiveram uma boa regularidade na Fase de Grupos, e avançaram diretamente às semifinais do campeonato ao ficar em segundo lugar na fase de pontos. O 3-1 que aplicaram na semifinal contra a RED Canids com o mesmo jogo consistente e de lutas em equipe deu ainda mais força para a equipe, que enfrentaria uma bicampeã paiN Gaming em seca de seis anos de títulos, e que havia suado para passar por LOUD e Flamengo nas eliminatórias, com ambas as séries acabando em 3-2 para a tradicional equipe. O perigo morava na experiência e resiliência de uma paiN que havia começado o CBLoL de forma lenta, mas havia evoluído e se tornado candidata ao título, fortalecida também por sua imensa torcida.

Pulei os degraus dois de cada vez para salvar alguns segundos preciosos e chegar ao office a tempo de acompanhar a crescente tensão de uma equipe novata em finais. Pensava na preleção de Kalec, em fNb e Yampi puxando palavras bonitas e motivadoras antes do jogo, no discurso da psicóloga bicampeã do CBLoL, Natália Zakalski, em Marina Leite, CEO da Vorax, olhando de canto, orgulhosa, e…

… De chinelos, bermuda, camisa simples e máscara, Maicon abriu a porta e me estendeu o braço para cumprimentar com uma cotovelada. “Fala, Butcher”, disse o manager. Retribuí o cumprimento e entrei no escritório, dando de cara para um sofá com uma grande televisão em frente e alguns dos funcionários da Vorax: fotógrafa, cinegrafista e mídias sociais. À direita, um estreito corredor levava a outros cômodos: cozinha, fisioterapia, sala da gerência, sala dos treinadores e, finalmente, sala dos jogadores.

Em uma sala simples e pequena, fNb, Yampi, Krastyel, Matsukaze e Wos estavam sentados mexendo nos computadores. Alguns viam jogadas de outras ligas, outros ouviam música e conversavam, fNb até era preparado pela fisioterapeuta da equipe, Beatriz Flores.

Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

Cumprimentei fNb, o mais próximo de mim, que ergueu a cabeça com um “Fala, Butcher!”. O Topo, um dos melhores do Brasil, ouvia no repeat a música “Better Now”, de Post Malone, enquanto via vídeos de jogadas de Zeus, top laner da equipe tricampeã mundial T1. Sorri para mim mesmo.

Três anos atrás, em 2018, visitei a então gaming house da ProGaming Esports para conhecer seu centro de treinamento e conversar com alguns jogadores. Me chamou a atenção um garoto de 18 anos que apenas conhecia pelo nick: fNb. O Topo reserva da equipe estava com uma matéria minha, entrevista com o técnico coreano tricampeão mundial Kkoma, aberta no navegador, e olhava ansioso para mim. “Cara, eu amo essa matéria, leio sempre!”, disse, empolgado.

FNb virou a cabeça e voltou a assistir o vídeo antes de sua primeira final de CBLoL, em 2021.

Fui para a sala dos treinadores cumprimentar Kalec e Alocs, velhos conhecidos do começo do cenário do League of Legends, lá em 2011, agora em sua primeira final como técnicos. “Devem estar de saco cheio de esperar, né? Duas semanas já…”, comentei. “Os meninos estão tranquilos, só querem entrar em jogo mesmo”, devolveu Alocs.

Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

Reparei que minha correria para chegar ao office de nada havia servido. Ao meio dia e meio, uma hora antes do começo da primeira partida, os jogadores continuavam se distraindo nos computadores e trocando ideias sobre uma ou outra situação de jogo, antes de voltarem a assistir seus vídeos. “Não adianta estudar no dia da prova”, pensei. Não havia muito a se falar sobre a série contra a paiN Gaming, os jogadores provavelmente já haviam conversado extensamente sobre isso nos quatorze dias que precederam a final.

Logo, Bia Flores, fisioterapeuta da equipe, chamou os jogadores. Juntos, descemos as escadas do office rumo ao estacionamento, onde os jogadores começaram a aquecer o corpo para as próximas horas. Mãos para cima, mãos para baixo, coluna para um lado e o outro. O sol batalhava para brilhar entre os prédios que cercavam o estacionamento na zona norte de São Paulo. Sem brecha.

Perfilados, os jogadores voltaram ao office. Fisioterapia fora, psicologia dentro. “Fechem os olhos, sentem-se em suas posições mais confortáveis, vou apagar a luz”, disse Nati Zakalski, no tom que marcaria as palavras de foco e relaxamento ditas para os jogadores nos próximos minutos.

Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

No canto da sala, me permiti relaxar também. Não ia jogar e mesmo assim sentia tensão. Uma tensão inexistente, maior do que a dos jogadores que estavam a uma série de levantar seu primeiro título e… “Deixem os pensamentos escorrerem pelos dedos, foquem no aqui e agora”, veio a calma voz da psicóloga. Me permiti trapacear e abri os olhos para acompanhar o restante da sessão observando a equipe.

Eretos na cadeira, Yampi e fNb repousavam suas mãos nas coxas, com as palmas viradas para baixo, enquanto Krastyel optava pelo suporte de braço da cadeira. Wos seguia o exemplo dos primeiros, mas entrelaçou os dedos das mãos. Matsukaze estava com as mãos igualmente juntas, mas curvado como um arco para frente.

“Abram os olhos lentamente, e estiquem o corpo para acordá-lo novamente”, disse Nati. “Como vocês se sentem?”, perguntou.

"Focado", disse Wos.
"Focado", ecoou Matsukaze.
"Bem", simplificou Krastyel.
"Melhor", disse Yampi com um sorriso.
"A mesma coisa", disse fNb. "Pronto".

Às 13h, a transmissão do CBLoL já havia começado, mas ainda havia um bom tempo para a partida começar, com uma tonelada de conteúdos passando na tela antes do primeiro draft. Kalec e Alocs entraram na sala, e a equipe passou a acertar suas câmeras e abrir individualmente o modo de treino do jogo para aquecer os dedos: fNb de Gnar, Yampi fazendo seu pathing de Hecarim, Krastyel combava de Azir enquanto Matsukaze e Wos spamavam habilidades com Kai’Sa e Thresh, respectivamente.

Enquanto aqueciam as mecânicas, Kalec começou a pontualmente perguntar coisas aleatórias sobre estratégias e composições da paiN Gaming. De forma direta, cada jogador respondia ao que lhe era perguntado, sem titubear. “É, acho que estudaram antes da prova”, murmurei para ninguém.

“Tempo não passa”, disse Wos, levantando para buscar café. Ao seu lado, Matsukaze ergueu o controle remoto do ar condicionado e aumentou a temperatura. Por ficar logo acima dele, o Atirador era o mandante da temperatura da sala. “O cara não escuta”, ouvi Krastyel dizer a Yampi, que riu. FNb finalmente virou a cabeça. “Você é igual ao cara de cabelo azul do Kuroko (anime de basquete), quando está focado não ouve nada”, disse o Meio ao Topo, que sem responder voltou aos seus combos de Gnar.

Assim que Wos voltou de seu café, Kalec disse para o computador.

"Sim, estamos prontos".

E então a primeira final de CBLoL da Vorax começou.

Na sala dos treinadores, com Marina e Maicon, assistia à transmissão quando Kalec e Alocs voltaram do primeiro draft.

"Achei que eles viriam piores para o primeiro jogo", confessou Kalec. "FNb tinha certeza de que o Robo iria de Karma de qualquer jeito. A única coisa que talvez podemos mudar é banir Thresh, se for um problema."

O jogo começou melhor para a Vorax, com um dive no bot e saldo de dois abates a um para a equipe. Senti Marina relaxar um pouco na cadeira, apesar dos técnicos não moverem um músculo. Maicon levantou da sala e saiu, voltando pouco depois olhando fixamente para Marina.

"Agora fala", disse a diretora.

"FNb morreu", respondeu o manager.

Olhei para a tela da transmissão, fNb farmava pacificamente de Gnar com vida completa, Robo com metade da vida e ninguém perto dos dois.

"Não entendi", disse, virando-me para Maicon, que sentava ao meu lado.

"Os jogadores estão uns quatro minutos à frente dessa stream", respondeu, apontando para o monitor de Kalec.

É claro que estavam. Não havia sentido em ser tudo ao vivo se a transmissão possibilitasse qualquer tipo de spoiler ou ghosting de qualquer equipe.

"Não faz sentido", disse Kalec.

"Robo está começando a juntar minions no top, o fNb vai tomar dive", apontou Alocs.

Aos poucos, a jogada começou a se desenhar: CarioK voltou para base e começou a se encaminhar para o topo. Tinowns aproveitou a volta de Krastyel para base e a falta de Teleporte do Meio da Vorax para empurrar a rota e começar a subir. Pings de movimentação apareciam no mapa enquanto a morte futura de fNb fazia cada vez mais sentido.

"Sério que a gente vai tomar isso?", questionou Kalec, resignado. "Mel sem Teleporte, Yampi acabou de resetar e Robo juntou uma onda e meia de minions. Você sabia que ia tomar esse dive, fNb, isso sempre acontece com a gente", disse o treinador enquanto seu topo era facilmente abatido pela paiN Gaming na transmissão.

Como uma criança que acabou de ganhar um presente de Natal, passei a sair da sala ansiosamente e com frequência para ir até a porta de vidro que separava o estreito corredor da sala dos jogadores. Adesivos da porta dificultavam um pouco a visão, e era necessário agachar para olhar a tela de fNb e Matsukaze, os mais próximos da porta.

Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

Os jogadores comunicavam com velocidade os acontecimentos ao redor do mapa para coordenar suas ações de acordo com o que o jogo pedia. A transmissão estava quatro minutos atrasada, e a comunicação dos jogadores dizia respeito a coisas que aconteceriam no futuro de seu próprio jogo: um Dragão que nasceria, uma luta no Arauto ou um setup para gankar os adversários.

Aos poucos a comunicação da Vorax se provou eficiente no ponto mais forte da equipe: as lutas. Assim, a equipe dividia a paiN e forçava objetivos e lutas front-to-front (quando as equipes brigam de frente), um poder de ambas composições. Com FNb inspirado nas iniciações, a Vorax brilhou, e não muito tempo depois saíram da sala sem sorrisos no rosto, mas com uma vitória no placar.

Alguns foram ao banheiro, outros direto para a sala de Kalec e Alocs receberem os comentários da primeira partida. A comissão técnica aguardou o retorno de todos para iniciar as conversas, focada nas rotações das equipes, objetivos e pontos de melhora.

"Tivemos alguns erros, mas no geral nos portamos bem", disse o técnico. "Eles vieram com uma composição no estilo da que gostamos de jogar: front-to-front. Sabemos o que fazer, precisamos só melhorar alguns pequenos pontos, aparar as arestas, e estaremos bem para os outros jogos".

Os jogadores retornavam para a sala de jogo quando Marina virou para Kalec e disse:

"Bane Zoe, pelo amor de Deus. Fiquei muito tensa quando vocês deixaram ela aberta, nunca te pedi nada", disse a diretora.

Kalec riu, e cinco minutos depois baniu Zoe no segundo draft entre Vorax e paiN.

"Hoje foi a primeira vez que vi o fNb calmo em uma eliminatória", comentou Kalec, ao voltar da sala após os picks e bans.

"Ele nem tava batendo o pé, né?!", riu Alocs.

“Era o cara mais nervoso da equipe quando a gente jogou contra a RED Canids”, me disse Kalec depois que questionei-o sobre o Topo. “Mas hoje está diferente, focado demais”. Levantei e fui para a porta de vidro dos jogadores. Com os dois pés no chão, fNb farmava tranquilamente após lutar com Yampi na selva da paiN Gaming.

As coisas não demoraram para começar a dar ruim para a Vorax. Com uma rota equilibrada, mas que pendia mais para a pressão do Jayce top da equipe Voraz, Kalec deixou-se ouvir após a informação de que um dive top havia resultado em double kill para o Hecarim de CarioK, Caçador da paiN.

"Mas é claro, olha esse setup no top", apontou Kalec na tela, virando-se para Alocs. "A gente não stackou os minions! Muito mal controlado, muito mal jogado", disse, balançando a cabeça negativamente para um lado e para o outro.

Não tardou para que o analista também fizesse o seu comentário, quando a paiN começou rapidamente a se descolar no placar, abusando da grande distância de Vel’Koz e Jinx para acabar com as lutas entre as equipes.

"Krastyel teve poucas janelas para fazer jogadas, e mesmo assim não aproveitou nenhuma. Não puxar jogadas vai ficar na cabeça dele depois desse jogo" disse Alocs, com a mão no queixo.

"Eu sabia que deveria ter banido o Vel’Koz, sabia que eles iam pegar", disse Kalec. "Os jogadores disseram que estaria tudo bem, mas eu deveria ter insistido", finalizou o treinador, abaixando a cabeça, após tinowns pegar um Triple Kill em luta no Dragão que sacramentou a derrota da Vorax, e empate da paiN Gaming na série.

"Cadê o resto?", perguntou Kalec, quando seu time se juntou na sala após o jogo.

"Estão no banheiro", respondeu Yampi.

O técnico ergueu as sobrancelhas, levantou seu caderno com anotações e ficou em silêncio. Seus jogadores também. Assim que todos estavam presentes, o técnico se dirigiu ao time:

"Banheiro apenas depois que eu falar tudo. Vou dar tempo a vocês, mas não posso ficar esperando para passar o feedback e segurar metade do time aqui enquanto a outra metade não está", avisou.

Kalec então desatou a falar, repassando momentos do jogo em sua tela para os jogadores observarem enquanto ele falava.

Decidi entrar na sala dos jogadores para acompanhar ao vivo os picks e bans para a terceira partida. “Tá quente”, disse para si mesmo Matsukaze, enquanto erguia o controle para abaixar a temperatura do ar condicionado, deixando a sala mais gelada enquanto a tela do draft aparecia nos monitores dos jogadores.

“First pick Volibear aqui”, apontou Kalec, depois dos banimentos iniciais das equipes. Torci o rosto dentro da minha cabeça. A escolha não havia tido muito sucesso na segunda partida, na qual a paiN bateu a Vorax novamente em um estilo de jogo que a Vorax sempre se mostrou melhor no CBLoL: as lutas front-to-front.

Mas bem, eu sou um jornalista, e não um técnico finalista de CBLoL.

A paiN devolveu de Olaf e Jinx, indicando novamente que, pela terceira vez seguida, convidariam a Vorax a lutar frente a frente.

"Posso pegar Gnar aqui", apontou fNb, que havia acabado com o primeiro jogo com o Campeão. "Mas ele vai devolver de Irelia com certeza".

Após escolherem Alistar como a última rotação da primeira fase, a paiN deixou no ar sua escolha para o topo.

Foto: Bianca Ferreira | Vorax
Foto: Bianca Ferreira | Vorax

"Ele vai de Irelia, certeza", repetiu fNb.
"Mas a Irelia é um problema pra você?", questionou Kalec.
"Na lane é chato, mas dá pra jogar ao redor dela", devolveu fNb.

Acalmando o coração de Marina na sala ao lado, Kalec baniu a Zoe de tinowns, virando-se novamente para o seu top laner.

"Se eles querem lutar front-to-front de novo, vão querer trazer Camille e Galio", disse.
"Camille não é problema para mim…", começou o jogador
"Mas Galio é", interrompeu Wos. "Funciona com o Olaf e com o Alistar mesmo sem uma Camille no jogo".
"Tira o Galio então", finalizou Kalec.

A paiN fechou sua composição com a Irelia de Robo enquanto fNb estalava os dedos, pronto para o confronto que já havia antecipado.

De volta à sala dos treinadores, enquanto Kalec sentava-se à frente do monitor, aproveitei a brecha para tirar minha dúvida.

"Por que vocês estão dando tanta prioridade pro Voli?", perguntei.

"Eles estão fazendo composições para lutar front-to-front", respondeu o treinador. "Inclusive banindo Caçadores que fazem bem esse papel, como Hecarim e Udyr. O Voli é um Campeão de ação, limpa bem a jungle, consegue gankar com efetividade e é bom nas lutas que eles querem comprar".

Fui convencido, mas aparentemente a paiN não. Aproveitando-se de um jogo lento e passivo de Yampi, CarioK se arriscou e começou a invadir constantemente a selva do Caçador Voraz. Ainda assim, a Vorax não deixou barato, e respondendo rápido com auxílio das rotas, a equipe saiu na frente com dois abates para fNb.

CarioK não se deu por vencido. Abusado e com suporte de Luci, continuou a batalhar pelo domínio do rio, desta vez perto do bot e longe de fNb, que havia disparado na vantagem. Após dominar o Dragão, o Caçador da paiN ficou motivado, e começou a tirar Yampi para dançar pelo mapa. O Caçador da Vorax tentava aparecer como podia, mas a paiN lia seu jogo e se afastava, impedindo qualquer ação perigosa da equipe roxa.

"Caralho, Yampi!", exclamou Kalec, após o Caçador desistir pela terceira vez de emboscar uma rota após esperar preciosos segundos numa moita que a paiN tinha visão.

"Ele tá jogando como se o CarioK estivesse em todos os lugares", concordou Alocs. "Na verdade todos eles estão jogando com medo de tomar ações no mapa".

Com rotações simples, a paiN levou a primeira torre no topo, eclipsando a vantagem de fNb. Pouco depois, a Vorax conquistou seu primeiro Dragão, o terceiro da partida, e a primeira luta entre as equipes, a que normalmente dita o ritmo da partida, estourou.

Yampi, fNb e Wos pularam direto em Luci e CarioK, que estavam na linha de frente e fora de posição. No entanto, era uma armadilha da paiN. Ambos ultaram e, com Olaf e Alistar, ignoraram todo o controle de grupo da equipe da Vorax, permitindo que tinowns e brTT brilhassem na luta 4v5. Mesmo sem Robo, brTT brilhou, saindo do confronto com um Triple Kill que o disparou na vantagem, e colocou a paiN em posição de poder no jogo.

Kalec esfregou a testa e balançou a cabeça, enquanto Alocs olhava fixamente a transmissão e Marina se resignava a sentar fundo na cadeira.

"A gente vai precisar pegar a Jinx, né?", disse Kalec, ao ver brTT brilhando com o Campeão pela segunda partida seguida. "E aí a gente vai ter que jogar contra o Draven do brTT".

Alocs pensava em uma resposta quando Kalec adicionou:

"E vamos colocar o Graves na mão do Yampi. Talvez assim ele jogue mais agressivo, já que não está conseguindo fazer isso com o Volibear hoje".

O jogo prosseguiu de maneira mais equilibrada do que parecia. As equipes trocaram abates e lutas, monstros épicos e torres. Quanto mais tempo passava, mais cada luta poderia ser a última com as composições que estavam no jogo: Orianna e Kai’Sa pela Vorax, Irelia e Jinx pela paiN Gaming. Isso fazia com que Marina e Maicon não conseguissem segurar a ansiedade de checarem o jogo ao vivo pela porta do corredor, principalmente quando os gritos dos jogadores começavam a estourar vindos da sala ao lado.

Com erros de ambos os lados, a partida voltou a ficar equilibrada, dependendo apenas de vacilos das equipes. A paiN cometeu o primeiro grande: após conquistar a Alma do Dragão de Vento, vencendo a luta por 3-2, brTT, Luci e tinowns foram para o Barão em um claro overextend. A Vorax foi cirúrgica ao engajar com fNb, Krastyel e o recém-nascido Wos e abater os carregadores da paiN, ficando com o objetivo e virando no placar de ouro. Kalec e Alocs se mantinham impassíveis frente à virada de ouro e pressão de sua equipe em um momento decisivo da série.

Decidi me garantir um spoiler, levantei e fui para a porta dos jogadores já pensando em pegá-los numa luta final e destruição da base da paiN. Olhei primeiro para o monitor de Matsukaze através do adesivo da porta: tela parada.

Virei-me para o de Wos ao seu lado, saindo da frente do adesivo rosa para ver melhor: tela cinza.

Krastyel levantou as mãos e colocou atrás da cabeça.

Yampi coçou a testa, enquanto seu monitor se prendia à T2 do Meio da paiN, com os corpos de Volibear, Orianna, Kai’Sa e Rell deitados no chão.

Tentando recolher as informações dos jogadores, olhei para fNb, curiosamente o mais próximo de mim. “Vou ver se consigo segurar, comprar tempo”, dizia fNb, que não obteve resposta de seus companheiros. “Estou nascendo”, disse Wos em voz baixa enquanto a paiN destuía as Torres do Nexus. Vi as cores dos monitores de Matsukaze e Yampi voltarem a se colorir, mas os jogadores já não estavam com as mãos nos mouses, e quase imediatamente a tela foi sugada para o centro de seu Nexus, que explodia.

Dei passagem aos jogadores, que silenciosamente se ergueram e voltaram para a sala da comissão técnica.

Kalec os recebeu com o mesmo olhar curioso que eu estava na porta deles alguns minutos atrás. Sua expressão de “O que está acontecendo” foi o suficiente para fazer Krastyel se antecipar ao treinador:

"Trollamos", disse o jogador, sem olhar para o técnico. "Pegamos o Barão e trollamos".

O técnico olhou para seus jogadores cabisbaixos e pela tela, que mostrava sua equipe abrindo o Inibidor do topo, enquanto a paiN tentava se espalhar para defender a rota superior e central ao mesmo tempo.

"Eu iniciei em cima do Robo ali no meio, e eles mataram todo mundo", disse Wos, apontando para a T2. "Trollei, desculpe".

Querendo entender e assistir a jogada, mas ao mesmo tempo querendo tirar o sentimento da sala do caminho, Kalec pausou a transmissão.

"Foda-se, não importa", disse o técnico, balançando a cabeça e tentando não se importar de ter entrado em xeque na final do CBLoL. "Bom… eles… nós… Até aqui estava tudo bem… Enfim…". Era muito claro o desapontamento de Kalec enquanto tentava debater seu sentimento e pensar no que falar depois da derrota mais doída da série.

Optando por uma “terapia de choque”, Kalec não guardou palavras para tentar chacoalhar os jogadores para voltar para a série, apontando a clara passividade nos últimos jogos como o ponto de melhora principal da equipe para a próxima partida.

"Estamos sendo covardes", bateu Kalec. "Estamos de Voli, Kai’Sa e Rell, essa jungle é pra ser nossa. Para a Jinx farmar ela precisa se esforçar, para o Olaf dominar rio ele precisa se esforçar. Estamos vendo os caras jogarem e não estamos forçando nada. E aí olha", diz Kalec, apontando para a tela enquanto os jogadores espicham os pescoços para assistir. "Os caras dominam o rio assim, com facilidade. Sem serem punidos. Como que a gente espera criar alguma coisa se não punimos esse tipo de coisa que estamos acostumados a punir? A gente sempre jogou desse jeito, por que paramos de fazer isso?"

Sem resposta dos jogadores, Kalec e Alocs continuam a apontar erros e melhorias no early e na transição de early-mid game da equipe, quando as vantagens geralmente são construídas e podem evoluir para um efeito bola de neve.

Liberados para ir ao banheiro, os jogadores se dividiram, e decidi entrar na sala para acompanhar o draft da quarta partida também. A sala fervia, mas não era a temperatura. A tensão era grande entre os jogadores na berlinda de seu primeiro título nacional. Matsukaze levantou a mão e novamente abaixou a temperatura da sala, e o gelado ar se fez presente em uma sala cada vez mais cinza.

Com o draft prestes a começar, “Tap, tap, tap, tap, tap”, ecoou um barulho na silenciosa sala.

Olho para baixo: fNb batia os seus pés no chão embaixo da mesa.

Os jogadores e a comissão técnica nem sequer reagiram à escolha de Zoe de tinowns, mas eu já conseguia ver a Marina na sala ao lado tremer. Na transmissão oficial, na transmissão do Baiano, nas mídias sociais e no chat da Twitch, o spam era completo: a paiN ganharia o quarto jogo através de tinowns, e com isso levaria o título.

Dentro da sala do draft, a Zoe mal foi comentada, e a Vorax se preocupou em não deixar Luci jogar de Gragas suporte formando uma bot lane consistente e com muito controle de grupo com Nautilus e Varus, fazendo com que a paiN colocasse Gragas nas mãos de CarioK, um match-up favorável para Yampi. No entanto, a Vorax teria que fazer exatamente o que Kalec havia comentado no pós-jogo: ser agressiva, jogar para cima, criar e aproveitar oportunidades. Passividade impediria o jogo de Graves, e seria complicado abrir espaço para Viktor e Varus crescerem no jogo.

Alocs optou por não seguir Kalec de volta à sala dos treinadores, ficando em pé na apertada sala dos jogadores, que já contava com as psicólogas Nati Zakalski e Júlia Grannier sentadas no chão.

Segui Kalec sozinho para seu assento em sua sala, cercado por Maicon e Marina, que nada falaram. Silencioso, o treinador assistiu tinowns coletar abates cedo na partida.

1/0...

2/0...

Dragão infernal para a paiN Gaming.

3/0...

4/0...

5/0...

"Esse boneco…", resignou Kalec.

Dragão da montanha para a paiN.

6/0…

Dragão das nuvens para a paiN.

7/0…

Barão para a paiN.

8/0…

E, assim, a paiN Gaming fechava a sua terceira vitória e era campeã da Primeira Etapa do CBLoL 2021.

Tinowns havia destruído a partida, coletando abates em todas as lutas do mapa, da selva do topo a dives no bot, de lutas no Dragão a pickoffs no rio. Ao zonear a Vorax, tinowns impediu qualquer ação ofensiva da equipe, cercando Yampi e deixando Krastyel muito atrás. Com suporte de sua equipe, o mid laner avançou cada vez mais no campo e tomou o jogo para si, acabando com as chances da Vorax de voltar para a partida, e sacramentando o vice-campeonato da equipe em sua primeira final de CBLoL.

Silencioso como quando assistiu a partida, Kalec entrou na sala apertando delicadamente o ombro de cada um de seus jogadores, finalizando com um olhar cabisbaixo para Alocs, seu braço direito há dez anos.

O técnico se sentou e virou sua cadeira para a equipe, mas com cada jogador sofrendo silenciosamente, abaixou a cabeça e se permitiu um minuto de silêncio.

Não é sempre que, ao tentar mudar, realmente mudamos o nosso modo de pensar, falar, ou agir. Para a Vorax, uma mudança que começou no ano passado trouxe mais de vinte pessoas, de jogadores a técnicos, de manager a diretora, de mídias sociais a equipes de conteúdo, a uma final de CBLoL. A primeira da história da organização.

A Vorax tinha um plano. Este plano foi aceito pela Riot, e assim sua história no sistema de franquias no CBLoL começou. Uma história que queria escrever novas páginas, de vitórias, de alegrias e de um jeito de jogar League of Legends. Assim foi sua forma de pensar.

Através de uma filosofia clara de trabalho, a equipe mostrou um jogo consistente durante o CBLoL, chegando à sua primeira final contra a equipe mais tradicional do League of Legends brasileiro como favorita dos analistas e da imprensa. “A Vorax é a equipe para se estar se você quer vencer no Brasil em 2021”, disse Kalec ao The Enemy em entrevista. Esta foi a sua forma de falar.

Para chegar a uma final, a Vorax passou por oito equipes e mais de quarenta jogadores que queriam tanto quanto eles estar a um passo de um título e uma vaga no MSI. No entanto, perder uma final não é uma conquista, e por isso dói tanto. Entre todo o caminho que poderia dar errado, a mudança na forma de agir aconteceu… até a final.

Por isso, Wos enterrava sua cabeça em suas mãos com a tela final do quarto jogo ainda em seu monitor. Matsukaze apoiava seu queixo nas mãos cerradas. Krastyel enxugava as lágrimas que teimavam em cair. Yampi tentava em vão encontrar algum vídeo no YouTube que imediatamente apagasse a memória de cinco minutos atrás, quando ainda poderia vencer o seu primeiro título. E fNb...

FNb encarava Kalec, esperando as palavras realistas que vieram na sequência.

O topo reserva da ProGaming de 2018 permitia-se um último momento de força antes de, sozinho em sua cadeira, sofrer a derrota à sua maneira.

Diferente de ProGaming, Prodigy e Falkol, a história da Vorax não termina aqui, ela começa. Não podemos normalizar a derrota de uma equipe que, tão consistente, deixou sua maior marca de lado quando mais importava.

Precisavam de experiência? Agora a têm.

Precisavam de mais motivação? Agora a têm.

A derrota é o maior motivador que existe. Maior que o medo de perder é o medo de sentir-se derrotado novamente. É gás, é luz que brilha num futuro que é difícil de enxergar quando estamos nos nossos piores momentos.

É difícil esquecer, mas é preciso mover em frente, distrair a cabeça e fazer outras coisas.

Sentado sozinho na sala da gerência, perdido em meus pensamentos, levanto sozinho e, em um ato simbólico que todos da Vorax só vão compreender ao ler este texto, entro na sala vazia dos jogadores, pego o controle de temperatura de Matsukaze e aperto o botão de cima, deixando a sala mais quente antes de fechar a porta, e a tempo de ouvir Krastyel virar-se para fNb na porta do gaming office:

"Vamos sair pra jantar?"

Publicado 22 de Abril de 2021
Edição Rodrigo Guerra
Fotografia Bianca Ferreira
Tecnologia Igor Esteves, Eliabe Castro e Thays Santos