Max Payne 3

De Emicida a Tropa de Elite:
10 anos de brasilidade

Diego Lima Editor de Games
Rockstar Games

Galatians FC. O nome lhe parece familiar? Trata-se de um time de futebol cujo estádio fica em São Paulo (SP). Um templo sagrado para fãs do esporte que moram na cidade brasileira. Ao menos no mundo de Max Payne 3, jogo da Rockstar lançado em 15 de maio de 2012.

Já se passaram 10 anos. Né? Nem parece que foi há tanto tempo. Vivíamos em um mundo no qual GTA 5 ainda estava a um ano de ser lançado. Para toda uma geração de jogadores, isso pode parecer impensável. Uma realidade em que GTA 5 não existia? Como assim?!

Foi justo nesse período que a Rockstar nos deu aquela que pode muito bem ser a melhor representação de São Paulo nos jogos até hoje. É infinitamente superior ao que vimos em Assassin's Creed 3, por exemplo... Nossa, que dor.

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São Paulo como nunca vimos

Max Payne 3, último jogo da série, coloca o protagonista que dá nome à franquia em um trabalho perigoso na capital paulista. Ele precisa proteger uma família rica formada por pessoas insuportáveis em um lugar marcado pela desigualdade extrema.

Em mais de um momento, o próprio Max cogita calar para sempre aqueles que foi contratado para proteger. Não é difícil entender o porquê, como você descobrirá enquanto joga.

Paulistano que sou (né, meu), me vi imediatamente cativado e perplexo quando ouvi falar de Max Payne 3 pela primeira vez.

O que poderia ter levado a Rockstar por esse caminho? Por que o Brasil? E por que São Paulo, já que todos estrangeiros parecem conhecer apenas o Rio de Janeiro? Na época, o The Enemy não existia. Então, não tínhamos como perguntar diretamente. Mas a resposta existe.

"São Paulo pareceu a escolha perfeita por várias razões. É uma cidade fascinante e bonita, é a maior cidade do hemisfério sul. É uma verdadeira metrópole, repleta de arquitetura incrível, culturalmente diversa e com um submundo de crime tão obscuro e perigoso quanto o que Max havia enfrentado em Nova York, senão mais", disse Rob Nelson, então líder de desenvolvimento em Max Payne 3, à revista Rolling Stone Brasil (2012).

Depois dos acontecimentos de Max Payne 2, de fato, era esperado que Max deixasse a polícia. Nelson, que havia conversado com a Rolling Stone Brasil, estendeu a explicação sobre a escolha de São Paulo como a cidade de Max Payne 3 em entrevista ao UOL publicada também em 2012.

"Assim como Nova York, São Paulo é a capital cultural de seu país, com uma vida noturna badalada, arte de rua, arquitetura clássica e moderna e densos ambientes urbanos. E também, com a disparidade entre ricos e pobres, corrupção política e um poderoso submundo do crime, muitos dos problemas de São Paulo refletem os problemas da Nova York que Max conhecia. Foi surpreendentemente fácil transferir a atmosfera sombria de Nova York para a escura e chuvosa 'Cidade da Garoa'", contou Nelson.

Assim como Nova York, São Paulo é a capital cultural de seu país
Rob Nelson - Diretor de Max Payne 3
Rob Nelson, líder de desenvolvimento de Max Payne 3

Não sei se você mora em São Paulo ou visitou a cidade alguma vez, mas é fato que houve muitos acertos na recriação da tal "atmosfera" paulistana. Olhando de cima, a cidade do jogo muitas vezes parece uma espécie de Gotham City, com prédios enormes colocados uns ao lado dos outros por quilômetros.

Talvez tudo pareça plano demais (quando, na realidade, São Paulo é cheia de subidas e descidas), mas funciona. A vista no nível da rua, como na fase de abertura do jogo, também é incrivelmente familiar. Você não precisa observar por mais do que dois segundos para perceber que aquele prédio do começo fica na Faria Lima. Mesmo que não seja dito explicitamente. Tudo bem, talvez fique na Oscar Freire, mas deu para entender.

Lá em 2012, a própria Rockstar divulgou, por meio do site oficial, algumas informações sobre a pesquisa realizada para construir São Paulo em Max Payne 3.

"Reunindo recursos para ajudar a informar com precisão e criar ambientes fiéis em São Paulo, os desenvolvedores e designers de jogo da Rockstar fizeram várias viagens à área para documentar extensivamente tudo, desde o glamour e a exclusividade de locais elegantes como a Avenida Morumbi, Avenida Paulista e o bairro dos Jardins, até locais de alta criminalidade como a Favela Japiaçu (Favela do Nove) e o infame Edifício São Vito (também conhecido como Treme Treme ou Favela Vertical)."

A empresa continua com a descrição dizendo que "Milhares de fotos foram tiradas para o clima e a textura, modas e trajes locais foram escaneados para referência, e uma gama diversificada de paulistanos de todas as esferas da vida — de cantores de bossa nova a campeões de jiu-jitsu e membros de gangues de favela — foram consultados e entrevistados para fornecer informações completas sobre o mundo deslumbrante e perigoso em que o jogo se passa", informou a Rockstar em publicação de 2012.

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Liberdade poética

Tão importante e fascinante quanto o aparente empenho da Rockstar em estudar a cidade de São Paulo para recriá-la decentemente em Max Payne 3 é o fato de que foram tomadas algumas liberdades no desenvolvimento do jogo.

Nosso tão sofrido Rio Tietê, por exemplo, se transformou em uma espécie de lago quilométrico distante do asfalto movimentado da Marginal. Com direito a tiroteios em barcos e todo tipo de construção tipicamente pesqueira que você imaginar. Obviamente, nada disso existe no mundo real, mas é interessante como moldar a realidade pode ajudar a contar uma história, mesmo que usemos nomes de áreas que existem.

Nova York, por exemplo, está longe de ser o que vemos em filmes de super-heróis. O mesmo vale para Los Angeles, Londres e todas as outras cidades que você imaginar. Mudar o mundo real é um direito da ficção, e esse trecho do Rio Tietê, especificamente, é algo que todo paulistano, ou mesmo todo brasileiro, precisa vivenciar. Já imaginou ter coragem de entrar naquela água hoje em dia?!

A ambientação do jogo, para além de pontos turísticos e locais extremamente conhecidos, também se destaca pela localização da comunicação visual em português brasileiro.

Placas indicando a saída, marcas de bebida fictícias; quase tudo aparece no nosso idioma, exceto por algumas propagandas e revistas que, quando vistas de perto, trazem palavras em inglês.

Pequenos detalhes, por mais irrelevantes que pareçam, nos lembram de que aquela não é uma cidade completamente genérica que mistura elementos do Brasil inteiro sem coerência alguma. Do uniforme da polícia até o estilo visual do estádio do Galatians FC (que lembra o Morumbi), são nítidas as referências ao que vemos, de fato, em São Paulo.

Emicida já estava ligado nos jogos

Felizmente, aliás, paulistanos contribuíram não somente como objetos de estudo, mas também na criação direta de conteúdo para o jogo. No caso, o Emicida compôs uma música para Max Payne 3, especificamente: "9 círculos".

Em publicação no site oficial da Rockstar, Emicida disse: "antes de mais nada, sou fã de video games, como disse nas primeiras reuniões sobre o jogo, temos aqui na Laboratório Fantasma uma admiração muito grande pela Rockstar pois todos, sem exceção somos fãs de GTA, entre outros títulos lançados por eles".

"Ter a oportunidade de fazer parte do Jogo Max Payne 3 foi muito especial, compor para o jogo então, foi como um sonho, trabalhar com uma história tão densa, obscura onde temos uma trama que se passa na cidade de São Paulo, minha amada São Paulo, é nisso que eu quis me apegar, no inferno astral do personagem somado a paisagem caótica da maior cidade da américa latina, com seus contrastes e cenários, tensão, violência, corrupção, principalmente em um momento tão delicado da história de São Paulo, onde presenciamos uma onda de ataques politicos contra a população de menor renda... estou ansioso para o lançamento e vai ser foda!!"

“O caos da maior cidade da América Latina, a insegurança, o medo envolto nessa atmosfera de corrupção, crime, pobreza, luta por justiça e todos os elementos que compõem este ambiente... A composição é dividida em duas partes. A primeira é algo como um conflito interno, e a segunda é uma visão mais política, com um olhar sobre fatos recentes, uma vez que o jogo é lançado neste momento que estamos vivendo agora. Acho que a música faz jus à São Paulo que vemos hoje... Ter uma canção cantada em português num lançamento mundial é muito especial para a música brasileira. ‘9 Círculos’ passeia por uma brasilidade bem interessante, flerta com maracatu e samba. É um texto bem cru sobre a realidade das ruas, estou feliz com isso", contou o rapper.

9 Círculos’ passeia por uma brasilidade bem interessante, flerta com maracatu e samba. É um texto bem cru sobre a realidade das ruas, estou feliz com isso
Emicida quote
Emicida, sobre sua música em Max Payne 3

Na trilha sonora oficial de Max Payne 3, a faixa de Emicida entrou como um bônus. As demais músicas do game foram majoritariamente compostas pela banda HEALTH, algo até aquele momento inédito na franquia.

Ivan Pavlovich, então vice-presidente de música da Rockstar Games, disse à Vice que “Max é um personagem muito problemático, ele luta muito com a bebida, seu passado, então a trilha teve que capturar o aspecto emocional, psicológico e a ação do personagem de Max. A música para Max tinha que ser sombria, crua e muito identificável.”

"HEALTH é uma banda que tem uma noção incrível de quem eles são… Sua música é muito intensa, mas também tem muitas melodias e era muito mal-humorada. Quando vimos o HEALTH se apresentar ao vivo, ficou muito claro que eles seriam capazes de capturar isso."

De fato, algumas faixas de Max Payne 3 estão entre as melhores da trilogia. Ainda assim, a do Emicida tende a ser favorita entre os brasileiros. Foi o meu caso, pelo menos.

Ouça "9 Círculos" de Emicida

Mais do que jogável: Max Payne 3 envelheceu bem

Todo esse pacote de referências a São Paulo, obviamente, não seria o bastante para que Max Payne 3 fosse considerado um bom jogo.

Elementos fundamentais dos títulos anteriores, como a câmera lenta e o gunplay, precisavam de reajustes e ainda mais sofisticação nessa nova era.

Mesmo hoje em dia, por incrível que pareça, a mecânica de tiros em Max Payne 3 pode ser surpreendentemente divertida. Parece um protótipo extremamente competente do que viria a ser a mecânica de tiro presente em Red Dead Redemption 2.

Na época, a própria equipe parecia bastante orgulhosa da jogabilidade oferecida. O já citado Rob Nelson disse, por exemplo, em entrevista ao The Independent, que "é uma combinação de tiro e movimento projetada para invocar a sensação dos filmes de ação de Hong Kong, nos quais tiroteios se transformam em balés da morte em câmera lenta que seriam inúteis se você estivesse simplesmente olhando para o cano de uma arma. Dito isso, um dos objetivos era tornar o tiro tão fluido e preciso quanto em um jogo de tiro em primeira pessoa. Seu personagem nunca deve atrapalhar onde você quer mirar e se move de forma realista o tempo todo."

10 anos depois, posso garantir que, embora existam exemplos melhores para mecânicas de tiro dentro do próprio catálogo da Rockstar, Max Payne 3 continua mais do que jogável: é realmente divertido pular em câmera lenta para atirar nos inimigos, sentir o impacto do gatilho ao ouvir o barulho do tiro, acertar um headshot bem dado ou simplesmente realizar a última execução necessária em um segmento qualquer para, em seguida, largar bala nos inimigos à vontade, com direito a câmera lenta e múltiplos buracos sendo abertos no corpo do alvo. Aquele tipo de satisfação brutal que só os jogos proporcionam.

Quando a Rockstar recomendou Tropa de Elite

Decidi fechar nosso especial sobre os 10 anos de Max Payne 3 com uma curiosidade um tanto inesperada.

Lá em 2012, como você deve se lembrar, faziam apenas dois anos que o filme Tropa de Elite 2 havia sido lançado. E, por incrível que pareça, a Rockstar recomendou o primeiro filme da franquia brasileira em uma matéria especial preparando os leitores para o novo Max Payne. Sim. A própria Rockstar recomendou Tropa de Elite para os fãs.

"Enquanto nos preparamos para nosso primeiro jogo ambientado na fascinante, bela e muitas vezes volátil terra do Brasil, apresentamos o primeiro filme de uma nova série de filmes recomendados pela Rockstar para ajudar a prepará-lo para a atmosfera e o cenário em que Max Payne se encontrar nesta primavera" consta na publicação da Rockstar, de 2012.

"'Elite Squad' (título original brasileiro 'Tropa de Elite') é um filme muito conhecido como um grande sucesso em seu país natal há vários anos, mas um pouco menos conhecido em outras terras — algo que pode mudar com o lançamento de sua sequência blockbuster (o filme de maior bilheteria da história do Brasil) recebendo um lançamento adequado nos EUA neste próximo fim de semana. Baseado em um livro lançado no ano anterior e adaptado para as telas pelo roteirista/diretor/produtor José Padilha."

Não há como prever se um dia a Rockstar fará novos jogos ambientados no Brasil. Aliás, com o crescimento da indústria nacional no segmento, pode ser que um dia tenhamos representações brilhantes de São Paulo e de outras cidades feitas pelos próprios brasileiros.

De qualquer forma, Max Payne 3 trouxe, provavelmente, a melhor representação do Brasil em um jogo AAA de dimensão mundial. E revisitar São Paulo por meio do game foi ainda mais divertido do que a primeira vez. Se você não joga faz tempo, considere rejogar. Vai valer a pena.

Publicado 15 de Maio de 2022
Autor Diego Lima
Editor Rodrigo Guerra
Arte Juliana Toledo