Como viver uma
final de CBLOL

Após mais de mil dias, a comunidade de League of Legends volta a se reencontrar na final do CBLOL 2022, no Ginásio do Ibirapuera, levantando sentimentos difíceis de explicar

Bruno "Butcher" | @leeonbutcher Editor de Esports
Foto: Bruno Alvares | Riot Games Brasil
Foto: Bruno Alvares | Riot Games Brasil

Quanta saudade cabe em 1092 dias?

No dia 07 de setembro de 2019, milhares de torcedores saíam da Jeunesse Arena após testemunhar o primeiro título de CBLOL do Flamengo em pleno Rio de Janeiro. A festa das arquibancadas foi um espetáculo à parte. A paixão do futebol misturada com o pesado histórico de uma INTZ que queria pela segunda vez seguida superar o Flamengo de Robo, Shrimp, Goku, brTT e Luci em uma final. O resultado foi um 3-2 para os rubro-negros suado e com emoção até o final.

O que aqueles torcedores, jogadores, casters, imprensa e equipes de bastidores não sabiam era que, pouco tempo depois, a pandemia de COVID-19 atingiria com tudo o mundo e a forma de vivermos.

Até os esportes eletrônicos, vividos em arenas virtuais, sofreram com a falta das disputas presenciais nos estúdios, o cara-a-cara dos jogadores e o contato das torcidas e da comunidade com seus ídolos, algo quase que inimaginável.

Mil e noventa e dois dias após aquela final de CBLOL 2019, o dia 03 de setembro de 2022 abriu as portas do Ginásio do Ibirapuera para cerca de dez mil torcedores viverem a experiência de uma vida.

A final do CBLOL estava de volta.

Quase que pedindo permissão pela falta de costume, a manhã do dia da final começou tranquila e com pouca movimentação.

"Abriremos os portões mais cedo?" - Perguntou Caco Antunes, diretor de esports da Riot Games Brasil

"Acho que não precisamos, a fila está tranquila" - Respondeu Fernando Svevo, gerente sênior de esports da desenvolvedora

Com os portões ainda fechados às 9h da manhã, as ativações e lojas das equipes fora do ginásio estavam nas preparações finais para a entrada do público, que aconteceria a partir das 10h.

Apesar de a fila estar tranquila, a um quarteirão de distância era possível ouvir gritos e batucadas, que começavam a ecoar cada vez mais forte. Com direito a concentração no metrô Brigadeiro e descida à pé para o Ginásio do Ibirapuera, as torcidas organizadas da paiN Gaming, uma das equipes finalistas, somavam quase 300 torcedores exatamente na reta final que as vans e carros que trariam os jogadores passariam antes de entrar no evento.

Liderados pelas Herdeiras da Tradição, Os Tradicionais e Os Crias da P, a concentração havia sido organizada cuidadosamente pelos torcedores para recepcionar e motivar os jogadores que buscavam o tetracampeonato para a paiN Gaming.

A gente fez algo em menor escala e em cima da hora para a final da Primeira Etapa, mas assim que surgiu a possibilidade de fazer isso no Ibirapuera, começamos a nos organizar para criar essa atmosfera para a Segunda Etapa”, comentou Matheus Peixoto, um dos organizadores do evento. “O mundo deu um reset após a pandemia, e ter a oportunidade de mostrar a força da comunidade, o quanto o LoL cresceu e o que significa para nós é incrível. Tomara que num futuro próximo isso traga ainda mais reconhecimento para todos que curtem o jogo e o esport”.

Emocionados com a festa da torcida, os jogadores da paiN Gaming até tentaram descer dos carros, mas a multidão era tamanha que a rua ficou travada e eles tiveram que seguir caminho, com o carinho de sua fanática torcida cravada na mente como um dos melhores momentos de suas carreiras, sem dúvidas.


Foto: Pedro Pavanato | Riot Games
Foto: Pedro Pavanato | Riot Games

Longe dos sinalizadores e batuques da torcida Tradicional, os torcedores da LOUD se concentraram em frente à loja da equipe na parte de fora do ginásio. Cerca de quarenta torcedores se preparavam para a final colocando tatuagens removíveis no corpo e conversando sobre a série que estava por vir.

Entre eles, “Jojo” Pereira, uma das torcedoras mais emblemáticas da LOUD e presente em praticamente todos os dias de CBLOL no estúdio, além de ser uma das organizadoras da concentração da Tropa.

Nenhuma das partidas na arena vai ter o mesmo gosto depois de viver o que está sendo a final no Ibirapuera”, disse Jojo. “Não consigo explicar a emoção, cada vez que penso fico arrepiada. A torcida da LOUD é imensa, mas nem todos estão em São Paulo ou sabiam comprar os ingressos. Tentei ao máximo ser essa ponte, até fiz dívidas que não poderia fazer para tentar trazer a maior quantidade de pessoas que conseguisse”.

E Jojo conseguiu.

Quando Schaeppi, o narrador do CBLOL, convocou o grito da torcida da LOUD após o imenso rugido da torcida da paiN, a Tropa não deveu em nada a sua resposta. Enquanto os Tradicionais dominavam setores inteiros, os Loudetes estavam espalhados por todo o ginásio - contando também com o apoio de torcedores neutros com camisas que iam de Rensga a RED Canids.


"TINOWNS, TINOWNS!" - Gritou um vendedor, segurando águas e refrigerantes na mão.

Diversas pessoas olharam, outras correram para o lado do vendedor, que desatou a rir logo na sequência. O homem, de cerca de cinquenta anos, havia aprendido o nome de um dos jogadores finalistas para atrair os olhares para si e tentar vender seus produtos.

Isso porque ver jogadores, streamers e influenciadores andando nos arredores do evento é uma cena comum nos eventos do CBLOL. Os sorrisos fáceis dos famosos entregam todo o significado de deixar de ver os nicks do seu público em chats de transmissões para ver todos em carne-e-osso. Para a comunidade, é a web cam das personalidade que cria vida e se materializa.

"Já falo com vocês, preciso só de um minuto para ver se consigo pegar alguma coisa para comer" - Disse Thaiga, influenciadora da LOUD, ao The Enemy antes de sair do Blue Carpet da Heineken 0.0 e pisar fora da área VIP, onde foi prontamente cercada por fãs e demorou quase dez minutos para retornar, sem sucesso em sua busca por alimentos.

Foto: César Galeão | Riot Games
Foto: César Galeão | Riot Games

“Não consigo nem começar a explicar o significado de voltar a ver todos e sentir o carinho do público”, comentou Thaiga. “Foi tempo demais longe do contato direto com o nosso público, e por mais que ainda recebamos diversas mensagens online, ver o sorriso na cara das pessoas e sentir o aperto de mão, o abraço… nada troca esse sentimento”.

Diversas filas se formavam ao redor do evento, meet & greet com Thaiga, daniels, tockers, Revolta, Rakin, Nerissa, Henrytado, Professor e Loop no stand da Heineken 0.0. Esse era um dos locais que mais chamava a atenção do público. enquanto os influenciadores eram cercados por seguranças na entrada e saída do local. Algo necessário, já que bastava um segundo de desatenção da equipe para alguém se esgueirar para pedir uma foto ou autógrafo, sempre prontamente atendido pelas personalidades.

Nas lojas das equipes, que vendiam uniformes e outros artigos oficiais, jogadores do CBLOL e do Academy também eram atração. Um dos principais, o da paiN Gaming, quase veio abaixo quando centenas de pessoas gritaram e aplaudiram a entrada de brTT e Kami no stand para tirar fotos com o público, criando uma fila inimaginavelmente grande que não tinha qualquer distinção de equipe. Ídolos de todo o cenário e gerações distintas de torcedores e da comunidade.

Há quem seja de São Paulo, mas também do Acre. Há quem gastou tudo para estar presente no evento, e há quem deu sorte. Tem os que vieram pela final, outros pelo Show de Abertura, e também aqueles que só querem estar perto de pessoas que possuem apenas uma coisa em comum: o amor por League of Legends.


Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Como ficou provado, a beleza de uma final de CBLOL extrapola a competição. Apesar de ser o ápice de um torneio, ela não faz jus apenas aos times, jogadores profissionais e torcedores que apoiam sua equipe favorita. Os eventos oficiais da Riot Games e do League of Legends são raros e extremamente aguardados por toda a comunidade, até quem não necessariamente segue o competitivo de perto ou joga com tanta frequência.

O momento da final é sim a celebração do ano competitivo, mas também é um marco para a comunidade celebrar a paixão que tem pelo League of Legends”, comenta Caco Antunes, diretor de esports da Riot Games Brasil. “Tudo que fazemos na final conta um pouco sobre o significado que o LoL tem para cada um, as partidas sempre trazem momentos marcantes para os fãs, e dividir isso com quase dez mil pessoas sempre foi a história que desejávamos viver. Poder voltar a receber todos depois de três anos que marcaram a vida de todos é especial. Estamos voltando a contar uma história incrível depois de ter sido interrompida”.

A emoção de Schaeppi antes do mundialmente famoso Show de Abertura da final do CBLOL antecipava os arrepios que todos sentiriam sentados nas cadeiras do Ibirapuera ou no conforto do sofá de casa.

Quando Xayah, apareceu flutuando em meio ao palco da grande final, um suspiro apaixonante dominou o ambiente. A dança com Rakan, ao mesmo tempo intimista como a história dos Campeões, foi um aceno à beleza do mundo que cerca o League of Legends longe das batalhas em Summoner’s Rift, que rapidamente se incendiou novamente com as entradas de Rincón Sapiência, BNegão e Katú Mirim, seguidos pelos dez jogadores que disputariam a taça do CBLOL e a vaga no Campeonato Mundial 2022.

TEMOS NOVAMENTE LOUD E PAIN, LADO A LADO, FRENTE A FRENTE. SE PREPAREM, MEUS AMIGOS, PORQUE ESTÁ VALENDO!”, gritou Schaeppi, anunciando o começo da vigésima final de CBLOL da história.

Com uma composição de Campeões totalmente voltada para o começo da partida, a LOUD precisava acelerar o seu jogo no early game, uma das estratégias mais fortes da equipe e que a paiN Gaming havia provado que conseguia lidar no último confronto entre as equipes, na vitória de 3-2 da paiN durante a final da chave superior dos playoffs.

A paiN vinha com uma composição para tentar segurar o jogo e habilitar o Meio dyNquedo, que jogava de Azir. E os Tradicionais até conseguiram se manter bem na disputa até o vigésimo minuto, quando a LOUD venceu uma luta na selva superior e abateu cinco jogadores, conquistando também o Dragão. A balança virou completamente e, a partir daí, a Tropa não teve problemas em dominar o jogo e pressionar a base da paiN, que ruiu após quase meia hora de jogo.

Pelas escolhas de Campeões, a torcida da paiN não fraquejou mesmo com o primeiro resultado negativo, enquanto a da LOUD já ensaiava algumas provocações pontuais. No centro do Ibirapuera, os jogadores da Tropa comemoraram, mas relembrando-se que era apenas um de três passos que precisavam tomar.

O problema foi que, no segundo jogo, a LOUD utilizou praticamente a mesma estratégia, apenas trocando o Olaf por Gnar nas mãos de Robo. A paiN tentou adicionar mais poder de fogo no começo do jogo colocando Draven nas mãos de Trigo, a primeira vez que o Atirador escolheu o Campeão em sua carreira. Não deu muito certo.

A LOUD fez questão de focar justamente a rota inferior dos Tradicionais desde cedo, impedindo as ações de Trigo e punindo os ganks de Cariok. Aos dez minutos de jogo, uma luta na rota superior seguida de Arauto disparou a LOUD na vantagem. A paiN cedeu cada vez mais terreno, tinowns, Croc e Ceos controlaram completamente a selva adversária e possibilitaram ainda mais vantagens para a sua equipe. O final de jogo veio, desta vez, com pouco mais de 30 minutos no relógio.

A tensão tomou conta do ginásio, principalmente dos torcedores da paiN. Em menos de uma hora de jogo o placar já marcava 2-0 LOUD. Para piorar, o adversário só havia mostrado basicamente uma composição, e certamente teria muitas outras estratégias prontas para a sequência da série. A paiN parecia apática, sem resposta… ou pressionada.

Foi o momento perfeito para quebrar a tensão, ao menos nas arquibancadas, com o primeiro halftime show da história do CBLOL, um presente da Heineken 0.0 para a comunidade. A arena se apagou para a chegada da dupla de DJs Cat Dealers, que animaram a torcida com seu setlist e motivaram o ginásio a acender as luzes de seus celulares para criar um momento muito bonito na arena.

Na sequência, Haikaiss, comandado por Pedro Qualy, que já havia tocado na abertura do CBLOL 2020 durante a pandemia, subiu ao palco com rap e speed flow, aumentando o volume do evento - ainda mais quando diversos influenciadores subiram aos palcos emocionados por fazer parte do evento e pisar no palco da grande final.

A paiN estava em xeque.

Mesmo com o apoio incessável da torcida e a festa feita na recepção, os jogadores pareciam não se encontrar em Summoner’s Rift, algo longe do que haviam mostrado no campeonato até então. Do outro lado, comandados por tinowns e Robo inspirados, a LOUD se mostrava uma equipe pronta e confiante para tomar o rumo de seu futuro.

Com composições diferentes dos dois primeiros jogos, as equipes trocaram abates e pressões até os 15 minutos do terceiro jogo, mas a paiN hesitou.

E a LOUD deu o bote.

Os três abates seguidos por Dragão da LOUD foram um balde de água fria nos jogadores e torcedores da paiN, que buscavam se agarrar a qualquer bom momento em jogo para acreditar em uma virada.

Mas o ginásio não ficou quieto.

Espalhados pelo ginásio, mas unidos pela voz, a torcida da LOUD entrou em delírio. Os jogadores logo seguiram, gritando a cada jogada e acuando cada vez mais os adversários. A LOUD foi gigante, e não deu respiro.

A final foi fechada em uma luta incrivelmente longa na base da paiN, no qual muitos diriam que a LOUD poderia ter recuado e aproveitado sua vantagem pouco tempo depois para vencer com mais facilidade, mas a ansiedade por gritar, por extravasar, foi mais do que os jogadores poderiam aguentar, mais do que a torcida poderia esperar.

A equipe “de conteúdo”, os jogadores “de hype”, a “sorte que não era nossa”, na verdade, era sim da LOUD.

O choro de Brance em seu primeiro CBLOL, o português provocante de Croc, o sorriso no rosto do único remanescente da primeira LOUD, Ceos, a mão em riste fazendo LOUD de Robo e o abraço apertado de Thaiga em tinowns.

Tudo se misturou com a emoção da torcida da LOUD que implorava: “vem pra galera!” para os jogadores da equipe, que atenderam o pedido. Um contraste grande com a grande torcida da paiN que, triste, deixava a arena ser tomada pelo verde de camisas, tatuagens de rosto e luzes do palco.

Me pressionei muito na arquibancada, antes do começo das partidas, por achar que eu poderia ter feito mais para atrair mais gente para torcer pela LOUD, principalmente porque os painzetes estava gritando muito”, disse Jojo.

A partir do segundo jogo, quando a torcida da paiN começou a abaixar o tom e eu vi que a nossa torcida estava gritando por cima deles, eu me emocionei muito. Nunca foi quantidade, sempre foi paixão. Quero estar aqui com pessoas que compartilhem da mesma paixão que eu tenho pela LOUD”, conta.

Havia uma grande expectativa para essa final. Querendo ou não foi uma equipe que foi formada no final do ano passado e chegou em duas finais nos dois CBLOL que disputou”, disse Matheus, torcedor da paiN. “No final, acho que faltou um pouco de psicológico, alguém dar um tapa na mesa e dar um gás na galera de puxar o nosso apoio na arquibancada e traduzir isso em força dentro do jogo. Fico triste pelo resultado, mas ainda confio muito no futuro desse elenco e da paiN como um todo, é um sentimento misto”.

Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Quanta saudade cabe em 1092 dias?

O CBLOL evolui, e com ele os diversos sentimentos que passam por viver um dia tão especial quanto uma final.

Para alguns é o descobrimento de uma paixão, para outros, é traduzir em ações e gritos algo que não se consegue explicar. League of Legends é esporte, e como tal nos deixa perdidos entre tantas vivências e sentimentos. Até quem não é do esporte, grita e chora, abraça e é abraçado.

O tempo que passamos distantes não atenuou este sentimento, pelo contrário, potencializou. Felizes somos de fazer parte deste mundo que nós mesmos criamos, seja jogando ou torcendo, do evento ou do sofá de casa.

Estamos de volta, e tomara que não esperemos muito tempo para viver tudo de novo.

Publicado 21 de Setembro de 2022
Texto Bruno "Butcher" | @leeonbutcher
Edição Rodrigo Guerra | @guerra
Arte Capa Jessica Justino | @pipocaartistica
Fotografia Bruno Alvares, César Galeão e Pedro Pavanato