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Review: Immortals Fenyx Rising

Novo jogo da Ubisoft Quebec abraça galhofa e traz aventura carismática de mundo aberto pela mitologia grega

Por Rafael Romer 30.11.2020 14H00

Não é nenhum segredo que a Ubisoft viveu um 2020 turbulento. Em crises gestadas há anos, a empresa colecionou polêmicas, incluindo denúncias de assédio e abuso contra múltiplos nomes de sua liderança, acusações de ingerência de executivos sobre decisões criativas de desevolvedores, e até uma péssima ideia de usar um símbolo de resistência para retratar os vilões de Elite Squad.

No fronte dos jogos, os problemas começaram a se manifestar ainda no ano passado, em especial após o lançamento Ghost Recon: Breakpoint. Pouco original e sem grandes mudanças em relação ao seu antecessor, o título teve uma recepção morna e expôs a falta de criatividade que muitos dos games de mundo aberto da Ubisoft têm demonstrado nos últimos anos. Por conta de seus problemas, Breakpoint acabou sendo pivô de uma reformulação completa do grupo editorial da empresa.

No meio deste tumulto estava Gods & Monsters, uma nova IP de aventura em mundo aberto da Ubisoft Quebec que foi apresentada na E3 2019 – e que, aliás, tivemos a oportunidade de ver a portas fechadas. O jogo era originalmente previsto para fevereiro mas, em meio aos imbróglios da publisher, acabou adiado e sumiu dos holofotes.

Fazendo jus ao seu novo nome, o título renasceu das cinzas em setembro, rebatizado de Immortals Fenyx Rising – uma escolha de gosto questionável, é verdade –, e ganhou a responsabilidade de fechar o calendário de lançamentos da Ubisoft para 2020 depois dos pesos pesados Assassin’s Creed Valhalla Watch Dogs: Legion.

Mas apesar de chegar na ressaca dos dois maiores jogos do ano da publisher – ou, talvez, justamente por causa disso –, Immortals Fenyx Rising surge como uma das surpresas mais bem-vindas do catálogo da Ubisoft deste ano.

Com seu visual cartunesco e inclinação à galhofa, o jogo vai na direção oposta dos títulos de mundo aberto sisudos e militaristas que a empresa tem investido, e oferece uma aventura cativante e divertida – ainda que longe de revolucionária em termos de narrativa ou jogabilidade.

Divulgação/Ubisoft

Produzido pela mesma equipe que foi responsável por Assassin's Creed OdysseyImmortals Fenyx Rising surgiu do desejo do estúdio de levar todo o conhecimento acumulado sobre a Grécia Antiga para uma nova direção – e uma que apelasse para um público ainda maior que a série de RPGs de ação realistas da empresa.

O resultado é um jogo que deixa de lado toda a ambição histórica de Assassin 's Creed para trazer uma narrativa mitológica focada no conflito entre os deuses do Olimpo e Tifão, titã que se liberta do Tártaro e deseja destruir os olimpianos e o mundo como o conhecemos para reconstruí-lo à sua imagem.

A missão de derrotar Tifão recai sobre as costas de Fenyx, protagonista customizável que descobre ser a última esperança para libertar os deuses que já foram derrotados pelo titã após naufragar em uma ilha misteriosa tomada por monstros.

Enquanto a personagem explora a ilha para libertar os olimpianos, conquistar bênçãos e novos equipamentos para se preparar para o duelo contra Tifão, sua aventura é narrada em tempo real por Zeus e Prometeu, que fizeram uma aposta se ela seria bem sucedida ou não na missão.

Após introduzir os elementos básicos de gameplay em uma área de tutorial, Immortals Fenyx Rising libera o jogador para explorar livremente seu mundo aberto, dividido em seis áreas temáticas. É aqui que as primeiras semelhanças entre o novo jogo da Ubisoft e The Legend of Zelda: Breath of the Wild começam a ficar claras.

Assim como Link na aventura da Nintendo, Fenyx tem à disposição habilidades de escalada, um planador – as asas de Dédalo –, e um par de braceletes mágicos que permite interagir e deslocar elementos do cenário, como pedras espalhadas pelo mapa. Isso oferece ao jogador uma liberdade de navegação muito maior do que em jogos de mundo aberto tradicionais, e recria aquele prazer da descoberta que o título mais recente de The Legend of Zelda trouxe há três anos.

Divulgação/Ubisoft

Também espalhados pelo mapa estão as chamadas Câmaras do Submundo, cenários que trazem desafios de plataforma e quebra-cabeças que brincam com a física de objetos, e que têm recompensas para que a estamina de Fenyx seja melhorada. Se você acha que isso soa bem parecido aos Shrines de Breath of the Wild, você não está errado.

Nada disso, no entanto, é um demérito para Immortals Fenyx Rising.

É inegável que o jogo da Nintendo redefiniu as convenções sobre o que games de mundo aberto podem ser, influenciou toda uma geração de títulos lançados depois de 2017.

Também é positivo que a Ubisoft tenha feito um esforço para trazer novos elementos para sua fórmula de sandbox – em especial após o processo de “pasteurização” pelo qual muitos de seus projetos parecem ter passado nos últimos anos. E o fato é que todos estes elementos funcionam em Immortals Fenyx Rising.

Com seus cenários exuberantes, o título é rápido em prender a atenção do jogador, e competente em instigar sua curiosidade.

Nas mais de 25 horas que passei em seu mundo para completar a campanha, foram inúmeras as vezes em que desviei de meu objetivo primário só para conferir de perto uma ruína misteriosa que avistei à distância, ou para explorar o fundo de um cânion que apareceu no caminho. E foram nesses momentos que eu mais me diverti com o jogo.

Divulgação/Ubisoft

Immortals Fenyx Rising também faz um bom trabalho em recompensar cada um desses desvios. Além das Câmaras do Submundo, o jogo conta com inúmeros baús com novas armaduras, itens cosméticos e equipamentos escondidos pelo mundo. Há também diversos “mini games” para o jogador, como um desafio que exige que uma flecha em chamas seja disparada e atravesse múltiplos aros em sequência.

Nenhum dos desafios ou quebra-cabeças são particularmente difíceis, mas exigem uma boa dose de atenção aos detalhes para serem resolvidos e funcionam como uma pausa bem-vinda aos trechos de combate.

Além de equipamentos especiais, essas atividades também são importantes para encontrar itens utilizados no sistema de progressão de Fenyx, que precisa recursos específicos para melhorar seus equipamentos e habilidades, incluindo sua barra de vida, poderes divinos, dano de suas armas, resistência de suas armaduras e utilidade de suas poções mágicas.

É aqui, aliás, que o jogo se distancia um pouco das referências minimalistas do combate e progressão de Breath of the Wild e se aproxima mais de outros jogos da Ubisoft. Em Immortals, são vários os sistemas upgrade e múltiplas habilidades de combate disponíveis, o que faz o jogo pecar pelo excesso de botões e atalhos em alguns momentos, tornando a ação mais confusa do que precisava ser.

Ainda assim, Immortals oferece um combate ágil e divertido. Sua principal mecânica de ação é um sistema de atordoamento, que permite tirar alguns adversários do caminho temporariamente para que outros sejam priorizados. E isso é bem importante: com hordas de criaturas mitológicas como górgonas, hecatônquiros, ciclopes e minotauros à solta, é preciso saber se posicionar bem e gerenciar os grupos de adversários para não ser atropelados por vários inimigos de uma só vez.

Há também um sistema amplo de customização, que envolve diferentes esquemas de cores e visuais para as armaduras, armas e equipamentos de Fenyx. Alguns destes itens são disponibilizados através de microtransações, mas sempre limitados elementos cosméticos.

Divulgação/Ubisoft

Além dos aspectos de gameplay, a narrativa é outro aspecto em que Immortals Fenyx Rising se aproxima de Breath of the Wild em alguns momentos, mas se mostra bem diferente em outros.

Assim como Calamity Ganon em Breath of the Wild, Tifão também faz sua morada no centro do mapa de Immortals, e é uma presença ameaçadora constante ao longo da história. Enquanto o jogador é livre para explorar o mapa como quiser, frequentemente terá que enfrentar espectros vingativos invocados por Tifão em tempestades que escurecem o mapa e lembram o jogador de sua missão principal.

Assim como com os campeões de Hyrule, Immortals também tem quatro “side quests” principais, em que o jogador deve resgatar a essência de deuses derrotados para conquistar habilidades e bênçãos contra Tifão.

Há, no entanto, uma diferença fundamental na forma como tudo é apresentado: Immortals Fenyx Rising não se leva a sério – e isso é ótimo. Apesar de toda a ambientação sombria, que coloca Fenyx como a última esperança do mundo e do Olimpo, tudo é apresentado de forma carismática e carregada de humor. As conversas entre Zeus e Prometeu, pro exemplo, são repletas de picuinhas e comentários que quebram a quarta barreira, e dão mais vida ao mundo de Immortals Fenyx Rising.

O mesmo vale para os outros olimpianos que são encontrados pelo jogador ao longo da jornada, que foram separados de suas essências por Tifão e transformados em caricaturas do que representam na mitologia grega. Ares, por exemplo, é transformado em um frango sem um pingo de coragem, enquanto Atena, deusa da sabedoria, vira uma criança que duvida de suas próprias decisões o tempo todo. Tudo isso faz dos personagens adições bem humoradas ao roteiro.

Vale destacar também o bom trabalho que a Ubisoft fez na localização do jogo, que, assim como outros títulos da companhia, chega com texto e dublagem  completos para o português brasileiro – em personagens como a voz feminina de Fenyx, Zeus e Prometeu, o trabalho de voz em português, inclusive, soa melhor que os originais.

Divulgação/Ubisoft

Por fim, há também opções robustas de customização para que o jogador adapte a experiência de jogabilidade para suas preferências, seja através das configurações de acessibilidade, ou diminuindo a quantidade de elementos na interface de jogador para uma experiência mais contemplativa dos belos cenários do jogo.

Há pouco mais de um ano, quando vi um build de desenvolvimento de Immortals Fenyx Rising pela primeira vez durante a E3, saí da sessão incerto de qual exatamente seria a proposta de sua versão finalizada do jogo. É notável, no entanto, o avanço que a Ubisoft Quebec fez desde então com sua nova IP.

Immortals Fenyx Rising é um jogo que sabe exatamente a que se propõe, integrando bem referências que trouxe de Breath of the Wild em um mundo carismático e envolvente, que estimula a exploração e encanta com seus cenários bem desenhados e bom humor.

É verdade que, em termos de jogabilidade ou roteiro, o jogo não faz nada que já não tenhamos visto antes. Ainda assim, é um esforço positivo para uma publisher que se vê em um momento em que é urgente reformar suas estruturas corporativas e editoriais, e um bom sinal para aqueles que clamam por novidades para os games de mundos abertos da produtora.

Nota do crítico