Desde 2018, a comunidade de Esports vem criando diversas maneiras de inserir figuras femininas em seu cenário. Diversos projetos e organizações, como a Sakuras Esports, Projeto Valkirias, o Valorosas e a You Go Girls foram criados com a intenção de trazer visibilidade e incentivo para mulheres que buscam trilhar sua carreira dentro desse meio.

Essas organizações foram criadas por mulheres, na intenção de utilizar o seu próprio trabalho para gerar espaços confortáveis para uma minoria que sempre foi excluída e assediada dentro dos jogos online.

Em todos esses anos em que os Esports existem e excluem mulheres por natureza, não parecia haver muito interesse por parte dos homens em mudar essa situação. Muito pelo contrário: o público masculino é não só o que mais assedia dentro dos jogos, como o que mais banaliza esse tipo de assédio, fazendo com que o acesso feminino ao meio seja dificultado, e muitas vezes até impedido, por conta de tais práticas.

Como o machismo afeta os projetos para mulheres

shurkin_son/Freepik

Com a percepção do efeito que esses movimentos causam tanto na comunidade quanto no meio competitivo, novos projetos para "ajudar mulheres" foram criados. O que por si só seria ótimo... se eles não fossem criados apenas por homens, onde todos os membros da organização são do gênero masculino, e que dizem "trabalhar pelas mulheres dos Esports".

A premissa soa muito positiva, na verdade: "queremos ajudar mulheres a alcançar locais onde elas nunca conseguiram chegar antes", e isso é ótimo. O problema está na forma de execução: muitos desses homens não enxergam a si mesmos como parte do problema. Acreditam que são "diferentes dos outros homens", incapazes de cometer machismos ou fazer algo de ruim para uma mulher - e que, por conta disso, sabem o que é melhor sem mesmo conversar com a comunidade antes.

O que todos nós precisamos entender é que ser machista e reproduzir amplamente esse comportamento muitas vezes não é uma escolha da pessoa. Todos nós, inclusive as mulheres, fomos criados numa sociedade cuja linha de pensamento ensinada, desde criança, é de que mulheres não são dignas de respeito, não possuem capacidade de escolha própria, não deveriam expressar suas opiniões e não passam de objetos.

Ninguém chega a um local com uma plaquinha escrito 'sou machista' na testa: todos nós somos. Alguns têm noção disso, sabem que é um comportamento nocivo e trabalham pela mudança; outros sequer acreditam que reproduzem tais comportamentos.

Baseando-se na ideia de que todos são machistas, a chance de um homem criar uma iniciativa em prol das mulheres e acabar reproduzindo o machismo que ele mesmo tenta combater é altíssima. Assim, uma ideia que poderia ser altamente positiva para a comunidade feminina se torna um local no qual elas mesmas tendem a se afastar e ter medo de frequentar, pois a forma como ele foi criado não passa segurança.

Ao se trabalhar com minorias, é muito necessário ter empatia e, principalmente, altruísmo para compreender que a sua ideia pode ser muito importante e positiva para uma comunidade, mas nem sempre ela pode ser executada apenas por você. Afinal, quando se trabalha pelo outro, é importante pensar o tempo todo em como ele se sentiria diante das atitudes tomadas pela sua pessoa.

Mas, às vezes, essa ação é impossibilitada devido ao tamanho das diferenças entre a sua vivência e a vivência de outra pessoa.

Casos recentes

Tomando um exemplo de pouco tempo atrás: Uma organização conhecida por promover HUBS (salas particulares para jogar) criou um ambiente especial para as mulheres poderem jogar. Mas ao fazer isso, as mulheres que acabaram sofrendo machismo dentro das partidas não tiveram suas reclamações atendidas  os responsáveis foram penalizados de forma ineficiente , foram punidas  por terem sofrido e denunciado machismo, o que não faz sentido algum  e também impedidas de jogarem na HUB para jogadores profissionais. Todas essas atitudes negativas e degradantes para as mulheres poderiam ser facilmente evitadas se, ao criar a HUB, a empresa tivesse dado ao trabalho de procurar uma mulher para cuidar das mulheres.

Trazendo uma ação positiva, pouco depois desse caso acontecer, foi criado o Inhouse Artemis, também de VALORANT, e também idealizado por um homem. Dessa vez, porém, as coisas tomaram um rumo totalmente diferente, que está sendo muito benéfico para o cenário feminino: desde o momento de sua concepção, o criador do Inhouse entendeu que não possuía local de fala para lutar, sozinho, pelas mulheres. Sendo assim, antes mesmo de trazer essa ideia ao público, ele fez diversas reuniões, e procurou moderadoras para cuidar daquele ambiente e torná-lo confortável para quem jogasse lá. E, até agora, a iniciativa tem dado muito certo.

Por isso, de forma alguma a minha intenção com esse texto é dizer "PARE IMEDIATAMENTE DE TER IDEIAS PARA AJUDAR MULHERES, HOMEM", e sim para que você guie as suas ideias de forma empática e altruísta, sempre pensando no bem estar de por quem você está trabalhando. Procure mulheres que já trabalham com isso, peça conselho, ajuda, apresente a sua ideia,busque mulheres para trabalhar junto com você.

E principalmente: Entenda que, mesmo que de forma não proposital, em algum momento você fez parte do problema.

Se inserir mulheres no cenário fosse simples como juntar um monte de mina pra jogar, o cenário de LoL não teria demorado 10 anos para fazer uma delas subir no palco. Pense nisso!

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