"Flamengo eSports", "Team oNe e-Sports", "Uppercut Esports": quem olha a tabela do CBLoL, campeonato que reúne os principais times do League of Legends brasileiro, logo percebe que não existe consenso sobre como nomear a categoria da qual fazem parte.

As diferentes grafias não chegam a ser um problema. Afinal, todas elas deixam claro que estamos falando de equipes que disputam em torneios de esportes eletrônicos.

Ainda assim, a grafia correta da palavra é uma discussão antiga entre fãs, profissionais do cenário, empresas e até entre veículos de imprensa que cobrem o ecossistema – com debates acalorados entre defensores das diferentes formas de se referir à modalidade de jogos competitivos.

Nos últimos anos, no entanto, um esforço para padronizar o termo surgiu entre diferentes organizações que lidam com os esports – ou e-sports, ou eSports –, notoriamente dentro da Associated Press, agência de notícias estabelecida em 1846 que serve como referência de estilo para muitos veículos de lingua inglesa.

Em 2017, a agência determinou, através de seu guia de estilo, que “esports” – sem o S maiúsculo – seria a forma aceitável de se referir aos esportes eletrônicos. No início de frases, é claro, o "E" deve ser usado em caixa alta.

À época, Oskar Garcia, um dos editores que compôs o comitê de estilo que determinou a decisão, afirmou à ESPN que a discussão foi acalorada entre os membros do grupo, principalmente em relação ao hífen – ele deveria ficar, como em "e-commerce", ou cair, como em "email"?

No final, “esports” perseverou. “eSports” e “e-sports” só seriam aceitos se fossem parte do nome próprio de alguma organização – ou seja, o Flamengo eSports e Team oNe e-Sports estão a salvo aos olhos da AP.

Resolvido, certo?

Bem, não exatamente. A decisão da Associated Press serviu como norte para muitos, mas as diversas grafias de esports continuaram sendo amplamente utilizadas, tanto por fãs como por parte da mídia especializada.

Em outubro do ano passado, a Wikipédia, enciclopédia online editada por voluntários ao redor de todo o mundo, também tomou uma decisão para padronizar o termo dentro de seus inúmeros verbetes.

Assim como a AP, editores da Wikipédia deveriam utilizar a forma "esports". Diferente da AP, no entanto, a forma "e-sports" continuaria sendo aceita, ainda que não fosse a forma preferencial. Por ser um ponto de contado com um público bastante amplo, a escolha da Wikipédia de permitir duas grafias diferentes deu sequência ao debate estilístico.

Novamente, no entanto, o formato “eSports” foi preterido – o que surgiu como uma forma facilitar a diferenciação entre as palavras “sports” (grafia de “esporte” em inglês) e “esports”, estava perdendo espaço. Ao menos lá fora.

Divulgação/Rainbow Six Esports Brasil

Fora da angloesfera, o Brasil também está no campo de batalha estilístico dos esports  com defensores das diferentes vertentes de como deveríamos encaixar a palavra importada no contexto da língua portuguesa.

O tema voltou a ser foco de debate entre usuários brasileiros do Twitter no final de maio, nas semanas que antecederam o retorno do CBLoL para seu segundo Split. Enquanto alguns defenderam aposentadoria da forma “eSports”, outros pregavam pelo seu uso – que supostamente ajudaria a diferenciar visualmente uma referência aos esportes eletrônicos de uma referência aos esportes tradicionais.

No meio do debate, Philipe "PH" Suman, Gerente de League Operations da Riot Games no Brasil, afirmou: para a produtora do jogo, o correto é "esports" ou "Esports".

"O escritório Central da Riot fez uma análise linguística disso. Resumindo, palavras concatenadas sofrem adaptações ao longo do tempo. Começam com hífen, depois sem (com a segunda maiúscula), até que viram uma palavra só", escreveu. "Então a Riot usa Esport ou esport".

De novo, não houve consenso.

No dia seguinte, Lucas Almeida, CEO da INTZ, defendeu o uso dos "eSports". "Mas escrever eSports pro mainstream no Brasil, principalmente Linkedin, é uma maneira fácil de diferenciação". escreveu no Twitter, afirmando ainda que o "S" maiúsculo teria o objetivo de “chamar atenção na leitura que não é 'esportes' escrito errado”.

Se a comunidade não se resolve, a gramática portuguesa vem ao resgate: segundo Ieda Maria Alves, professora titular do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o português brasileiro não tem uma regra específica para a grafia de palavras estrangeiras, mas é usual que as palavras eventualmente se adaptem ao idioma nacional.

"É uma tendência, nós não temos uma regra”, afirmou em entrevista ao The Enemy. "A tendência é ser uma adaptação às regras da língua portuguesa. Os próprios falantes fazem isso porque fica mais fácil”.

Um dos exemplos disso seria a palavra "e-mail", importada do inglês. No vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras, referência para o português brasileiro, o termo é escrito com hífen. Ainda assim, é comum a escrita de "email" entre brasileiros, já que a forma é mais usual.

"Quando a gente usa um prefixo, como 'anti-', 'super-' ou 'co-', nós usamos sem hífen, a não ser quando a letra final do prefixo corresponde à letra inicial da palavra", explica Ieda. Exemplos disso seriam as palavras "coautor" e "co-organizador".

E no caso de "esports", assim como no "email", a tendência é que o hífen acabe não sendo utilizado.

"Eu acho que já seria uma aproximação à nossa língua", continua. "Porque o 'e', que vem de 'eletronic', é uma abreviatura, mas ele funciona como se fosse um prefixo no português. Não que ele seja prefixo, mas vai funcionar como – um elemento que se coloca na frente de uma palavra e que modifica essa palavra. A mesma coisa que aconteceu com 'ciber', como cibercafé, cibercultura, sem hífen".

E os “eSports”? Na língua portuguesa, não há previsão para o uso da letra maiúscula “S” no meio de um substantivo comum. O termo até poderia ser aceito se a palavra fosse um substantivo próprio – como é o caso do “P” de iPhone –, mas, no caso dos “esports”, gramaticalmente não há razão para seu uso.

O The Enemy buscou o posicionamento da Academia Brasileira de Letras sobre o tema através do serviço ABL Responde, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.