Recentemente, o cenário internacional de CS:GO foi abalado por notícias envolvendo alguns de seus jogadores mais importantes. Membros da Astralis, gla1ve e Xyp9x anunciaram pausas em suas carreiras; olofmeister, uma lenda da modalidade, idem; no Brasil, tiburci0 também precisou suspender sua trajetória como pro-player.

Em um curto espaço de duas semanas, quatro jogadores relevantes anunciaram que tirariam um tempo de descanso. O mais curioso disso é que todos eles apresentavam motivos similares para a pausa, citando saúde mental e motivação para competir como os principais fatores que influenciaram nessa decisão.

Capitão da Astralis, gla1ve foi direto em dizer que estava com sintomas de burnout. Seu colega Xyp9x mencionou estresse e falta de motivação. Olofmeister, que já teve problemas psicológicos no passado, acusou cansaço e problemas motivacionais, e o mesmo vale para tiburci0: “esses últimos meses não foram divertidos”.

Reprodução/CLUTCH

Também conhecido como Síndrome do Esgotamento Profissional, o burnout é uma condição que costuma afetar indivíduos que possuem algum forte laço com seu trabalho: “Atividades que eram, às vezes, prazerosas para a pessoa, como competir e jogar, passam a manifestar em seu organismo essa sensação de saturação, você não consegue mais chegar perto daquilo”, explica o psicólogo e especialista em ansiedade Claudio Godoi.

As razões para chegar à saturação podem ser diversas, mas são ligadas às expectativas do próprio jogador, pela pressão por resultados e até mesmo por sua satisfação - ou não - com os treinos. De uma maneira geral, a extrema cobrança própria por resultados pode ser um dos principais gatilhos para o burnout.

O depoimento de Godoi, que trabalha como psicólogo de equipes internacionais da Team Liquid, casa não apenas com os quatro relatos recentes do CS:GO, mas também com muitos casos do competitivo de Overwatch: o brasileiro Renan “alemao” foi apenas um dos que afirmaram que não gostavam mais de jogar o shooter da Blizzard.

Sinatraa, campeão da Overwatch League que se mudou para o Valorant; honorato, brasileiro que também se aposentou da modalidade; EFFECT, que competia pela Dallas Fuel e encerrou sua carreira. Todos eles apontaram problemas de motivação, cansaço ou de não se divertir mais com o jogo, deixando bem claro que há uma tendência dentro da modalidade.

Sem dúvida que você ficar oito, dez, doze, às vezes catorze horas diante de um computador, tendo que diminuir a sua velocidade de reação a um pixel, muitas vezes de um décimo, e você fica dia após dias, muitas vezes de domingo a domingo, é uma carga de pressão e expectativa extremamente elevada”, afirma João Cozac, psicólogo do esporte com extenso currículo e que atualmente atende a MIBR.

Infelizmente, o burnout não está atrelado apenas aos shooters. No League of Legends, o estadunidense Doublelift teve um intervalo em sua carreira por conta de burnout. Dentro do cenário brasileiro, o multicampeão tockers é exemplo de quem passou pelo problema.

Reprodução/Riot Games

Acho que os primeiros sinais de burnout vieram depois de 2016, que foi um ano bem puxado. Foi o ano que literalmente sacrifiquei tudo pra tentar o meu melhor e foi um ano bem estressante, que demandou muito de mim mentalmente e fisicamente. Apesar disso tudo eu gostava muito de competir, mas meu gosto pelo jogo começou a se perder em 2017 e já não era mais o mesmo em 2018", ele conta ao The Enemy.

Daí pra frente, a bola de neve cresceu extremamente rápido, e tockers se afastou do cenário competitivo em novembro de 2019.

No caso do ex-jogador, inclusive, o problema é agravado pelas particularidades do LoL, como a problemática SoloQ brasileira: “O fato de o meu treino individual ainda ser tão dependente de outras 4 pessoas, que eram irrelevante na estrutura do meu time, e ser obrigado a treinar dessa maneira me deixava bem estressado, porque muitas vezes os jogos eram de qualidade baixa e eu perdia muito tempo”.

A psicologia como solução

É fácil perceber que o problema da saúde mental é extremamente relevante para os esports. Felizmente, uma grande quantidade de equipes já está se preocupando com isso, trazendo profissionais da área psicológica para realizar acompanhamento com seus jogadores.

Nos esports, eu creio que tem um pouco mais de preocupação com o indivíduo. Em ajudar, em contribuir, em fortalecer o emocional e ter algum tipo de contribuição efetiva do campo psicológico no aprimoramento do auto-conhecimento, no desenvolvimento das emoções”, afirma Cozac.

Godoi, por sua vez, explica que o trabalho psicológico é essencial para a saúde do jogador: “Em grande parte, o problema que se tem é muito de como você gere as expectativas, de como você vê o retorno da sua evolução no seu trabalho”.

Você tendo uma reorganização de rotina, você conseguindo aprender a fazer objetivos, acompanhar seus objetivos e pequenas evoluções do dia a dia [...] O trabalho psicológico também entra muito para o jogador aprender a se coordenar nesse sentido, e para que a carreira dele possa ser saudável por um prazo maior”, completa Godoi.

Ele cita como exemplo a busca por um elo mais alto no League of Legends: mesmo que o objetivo mais comum seja em subir de rank, o jogador pode se avaliar por outros aspectos de sua performance, como posicionamento e tomada de decisões, e o psicólogo entra como ferramenta para que o jogador consiga enxergar essas evoluções.

Cozac ainda menciona a pressão externa à competição, gerada por redes sociais e fama, como outro dos ingredientes nessa mistura: “Existe a pressão, a questão da idade é muito importante de ser considerada [...] Quanto mais jovem você é, você vai ter mais dificuldade de lidar com a fama, de lidar com as redes sociais, com a forma pela qual você vai se colocar em debates, ou como você vai se colocar no plano da publicidade, da sua imagem”.

Existe também, normalmente, uma dificuldade maior em você encarar as pressões. Quanto mais experiência você tem, espera-se que mais habilidade você tenha e mais conhecimento sobre as demandas e sobre as variáveis do ambiente, da vida pessoal, da vida profissional, que você vai ter que lidar”, ele completa.

Além do campo das emoções, a psicologia também pode auxiliar com outros instrumentos científicos. Cozac menciona o trabalho com óculos especiais e outros aparelhos tecnológicos, duas opções que podem trabalhar o tempo de reação e concentração dos jogadores, conforme é mostrado no vídeo abaixo:

Os agravantes dos esports

Por mais que a psicologia seja a principal solução para o estresse mental nos esports, o caminho a ser percorrido é bem longo. Com relação ao League of Legends, tockers é bastante pessimista nesse aspecto, principalmente por conta do formato do MOBA.

Como eu vejo hoje o circuito do LoL, eu não consigo achar maneiras de evitar o burnout. O fato do jogo mudar muito o tempo todo faz com que seja muito difícil ter uma certa distância dele. É necessário viver League of Legends 24/7 para conseguir ser competitivo, diferente de outros jogos que mudam menos e o que tu aprende é mais duradouro”, comenta.

“No LoL, de uma semana pra outra o jogo pode mudar completamente e tudo tem que ser aprendido de novo, tornando muito exaustiva a repetição desse processo dezenas e dezenas de vezes”, explica o atual técnico da Havan Liberty.

Godoi enxerga que os esports podem ter um agravante em relação aos esportes condicionais, já que o esgotamento físico não é tão intenso: “No esporte convencional você tem uma limitação física. Tem um momento que você não consegue mais, por exemplo, um jogador de futebol, ele não consegue mais correr. Não adianta ele querer treinar 16 horas por dia”.

Nos esports isso é possível, então não necessariamente você tá conseguindo pensar, mas o seu corpo em si ele conseguiria manter a atividade”, ele afirma, reforçando que ainda não há estudos científicos sobre essa hipótese.

Em um panorama geral, há muitos pontos que convergem para os esports serem, de fato, um pequeno foco em casos de esgotamento mental: a cultura de treinos intensos, a transição para vida adulta de muitos dos jogadores, a toxicidade das redes sociais e até mesmo a natureza dos jogos são elementos que podem compor o burnout dos jogadores.

A psicologia surge como a resposta mais clara para o problema, mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. Ainda assim, os esports são modalidades bastante recentes, e tanto tockers quanto Cozac percebem que, no campo da saúde mental, ainda há muito a ser aprendido pelos jogadores e organizações.