Cyberpunk 2077 completa dois anos como exemplo de revitalização
Mike Pondsmith, criador do universo dos jogos, conversou com o The Enemy
Lançado em 10 de dezembro do não tão distante 2020, Cyberpunk 2077 chegou aos dois anos de idade em 2022.
Com a promessa de oferecer um mundo futurista imersivo no qual existiriam escolhas e consequências ainda mais graves do que as de The Witcher 3: Wild Hunt, também da CD Projekt Red, o game passou por maus momentos, sim, mas deu a volta por cima.
No dia em que este vídeo estava sendo gravado, por exemplo, Cyberpunk 2077 ainda ocupava a sétima posição no ranking dos 10 jogos com mais jogadores simultâneos na história do Steam, tendo alcançado um pico de 830.387 jogadores em dezembro de 2020.
Isso torna Cyberpunk 2077 o segundo jogo single-player com o maior número de jogadores simultâneos na história do Steam, abaixo apenas do fenômeno Elden Ring, da FromSoftware — que até conta com opções online, mas é majoritariamente desenhado para um jogador.
Quando falamos nas vendas em todas as plataformas, Cyberpunk 2077 havia superado 20 milhões de unidades vendidas até setembro de 2022. Ou seja, estamos falando de 10 milhões de cópias vendidas em cada ano posterior ao lançamento.
Os motivos que podem levar os jogadores a Night City variam. Alguns querem apenas curtir uma boa história. Outros querem ver se o mundo aberto é tudo isso mesmo. Há, obviamente, até aqueles que querem jogar só para testar se é tudo tão bugado quanto se dizia.
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Afinal, qual é o legado deixado por Cyberpunk 2077 após dois anos?
Night City, uma distopia fascinante
De acordo com Mike Pondsmith, criador do RPG de mesa Cyberpunk 2020, que originou o universo de Cyberpunk 2077, Cyberpunk é um gênero da ficção ao qual está associada toda uma estética específica.
Evidentemente, um game que carregasse esse gênero no título precisaria ser fiel ao estilo visual consolidado por meio de uma das obras audiovisuais mais importantes do segmento: Blade Runner, filme de 1982 estrelado por Harrison Ford e dirigido por Ridley Scott.
Na boa? Night City fez muito mais do que apenas se encaixar dentro do que pode ser esperado de uma obra classificada como Cyberpunk.
Distopias cibernéticas futuristas não são novidade nos jogos. Entretanto, é fato que nunca antes na história da indústria um jogo havia criado uma realidade em mundo aberto que se aproximasse do que é visto no jogo da CD Projekt Red.
Após muitas correções, Night City finalmente se tornou, nos consoles, aquilo que já aparentava ser nos melhores computadores. Aliás, há uma explicação bem objetiva para o nome da cidade de Cyberpunk:
"Devo admitir que eu gosto do fato de que posso ligar meu computador e minha enorme widescreen para, simplesmente, dirigir ou andar por Night City, porque eu faço isso de qualquer jeito. Gosto de andar pelas cidades, sabe, depois que escurece. Um dos motivos para a cidade se chamar Night City, inclusive, é o fato de que eu costumava andar por São Francisco à noite. E sempre parecia que era nesse período que a cidade ganhava vida. Eu via, sabe, as pessoas fazendo coisas. Via placas de neon. Via becos silenciosos expirando. E eu pensava: 'Nada disso seria visível para mim a não ser à noite.' Então, a cidade se torna viva à noite. Night City", disse Mike Pondmisth em entrevista ao The Enemy.
Marcada pelo contraste entre o ápice do desenvolvimento tecnológico e a baixíssima qualidade de vida da população, a cidade de Cyberpunk 2077 representa, visualmente, um dos pilares fundamentais do gênero.
Quando os jogadores olham para cima, existem prédios maravilhosos, carros voadores, anúncios brilhantes em grandes telas. Existe riqueza longe do chão. Ao olhar para a frente, entretanto, há o contrário.
Da metade para cima, é como se o mapa fosse completamente tomado por empresas, hologramas que se estendem aos céus e todo tipo de poluição visual impactante viabilizada pela tecnologia.
Aquele é o mundo de quem mora nos apartamentos e raramente pisa na calçada. Em carros voadores, os poucos abastados de Night City se deslocam pelos céus e vivem acima dos demais, literalmente.
Seguros dentro de fortalezas, esses coadjuvantes até devem ouvir falar da violência extrema que tomou conta de Night City, mas somente por meio da imprensa — que já abraçou o crime como entretenimento.
Obviamente, esse contexto passa longe de ser algo sem conexão alguma com o mundo real. E é justamente por esse motivo que obras cyberpunk são tão sedutoras. Night City nada mais é do que uma versão relativamente exagerada e muito estilizada de qualquer grande metrópole. O que vemos nas grandes cidades não passa tão longe do que é demonstrado no jogo.
Não se deixe enganar pelo espetáculo de luzes e pela integração entre humano e máquina. Como reforçou o próprio Mike Pondsmith em entrevista ao The Enemy, Night City não foi criada como uma utopia a ser almejada, mas, sim, uma distopia a ser evitada.
"Eu continuo falando para as pessoas que isso não é algo a ser buscado. Night City é um aviso. Você não quer morar lá", cravou. Aliás, Mike tem até conselhos para evitar essa realidade trágica.
"A primeira coisa que precisamos fazer é: as pessoas precisam ter instrução midiática e social. Elas precisarão, basicamente, se tornar conscientes a respeito do próprio ambiente. Saber o que está acontecendo. Você não pode, simplesmente, pensar: 'Bom, acho que vou votar uma vez por ano.' Você precisa acompanhar esse tipo de coisa se quer saber o que aqueles caras vão fazer. E você também precisa entender a mídia, porque meio que partimos do princípio de que a mídia não será julgadora, não será parcial ou seja lá o que for. Você precisa ler essas coisas", avaliou.
"Cedo ou tarde, teremos corporações capazes de fazer qualquer coisa. Eu quero isso? Eu quero que uma empresa possa decidir que vai me envenenar sem que alguém possa os impedir? Que eles decidam comprar a terra sobre a qual eu vivo?", refletiu.
Se você é do grupo que reclama de jogos que abordam questões políticas, talvez todo o gênero Cyberpunk não seja para você. Na real, talvez nada seja.
As discussões sociais se fazem presentes em Night City pela maneira como a cidade é retratada e pelos problemas enfrentados por personagens, mas a experiência, obviamente, não se resume a isso. A jornada de V é extremamente pessoal.
Ele ou ela, dependendo do que você escolher, não existe para salvar o mundo. Os jogos do universo de Cyberpunk não são sobre isso. É tudo pessoal.
O concreto e o abstrato
Pense nos dois produtos recentes (em relação a dezembro de 2022) de maior sucesso relacionados à franquia Cyberpunk.
Em Cyberpunk 2077, V quer se tornar uma lenda do submundo de Night City. Já em Cyberpunk: Mercenários, David Martinez só cedeu às implementações cibernéticas porque queria se vingar de quem ofendeu a memória da mãe dele, o que o levou aos mercenários que dão nome ao anime.
Nos dois casos, os objetivos são pessoais. Não há uma missão heróica em nome do bem maior. Não. Tudo se desenvolve de acordo com o que é importante para os personagens principais, que, às vezes, acabam tendo de enfrentar o sistema para alcançar os próprios objetivos ou fazer justiça.
Como o foco aqui é o jogo Cyberpunk 2077, pense nas escolhas feitas ao longo da campanha. O destino de muitos NPCs importantes depende do que fazemos ou deixamos de fazer.
Não nos preocupamos com eles porque Night City será salva ou cairá em desgraça. Simplesmente gostamos de Judy, Evelyn, Jackie, River, Panam ou até Johnny e outros personagens icônicos desse universo.
Aos poucos, jogadores constroem relações afetivas com personagens fictícios cujos problemas mundanos, ainda que em uma realidade bem absurda, geram algum tipo de empatia.
Essa preocupação em sempre mesclar o problema maior, da estrutura social, com questões individuais é o segredo, segundo Mike Pondsmith.
"Uma das minhas primeiras conversas importantes com o pessoal da CD Projekt. Eles colocaram todos nós em uma grande sala. Naquele momento, tínhamos 200 pessoas, talvez 300. E eles disseram: 'Então, Mike, conte para todas as pessoas aqui que não conhecem Cyberpunk.' Um dos meus primeiros apontamentos foi que Cyberpunk não é sobre salvar o mundo. Cyberpunk é sobre salvar você mesmo e as pessoas e coisas com que você se preocupa. É pessoal. E sempre é pessoal. Johnny Silverhand decide acabar com a Arasaka pela primeira vez porque eles sequestraram a namorada dele. Ele não estava pensando: 'Eles são maus. Preciso dar um jeito neles.' Então, a princípio, Johnny decide ir atrás da Arasaka porque eles continuam cruzando o caminho dele", explicou.
Fundamentalmente, nem é algo tão diferente do que acontece em The Witcher, por exemplo, outro grande jogo da CDPR. Como você pode ou não se lembrar, Geralt de Rívia não decide salvar os Reinos do Norte da invasão de Nilfgaard ou ajudar Emhyr a conquistar o Continente.
Do início ao fim, as preocupações de Geralt são: encontrar e proteger Ciri, Yennefer e tantos outros conhecidos importantes. A guerra geral não é o foco. As relações são o que há de especial.
Nesse sentido, a CD Projekt conseguiu evoluir ainda mais aquilo com que já havia trabalhado. Embora um jogo se encaixe no que chamamos de fantasia medieval e o outro se encaixe no gênero Cyberpunk, os dois são sobre relações. Com a diferença de que o contexto de Cyberpunk envolve menos magos e mais problemas sociais reais.
"Temos níveis impressionantes de tecnologia em computadores. E isso poderia ter acabado, como quando eu era muito, muito, muuito mais novo, somente nas mãos de grandes empresas, universidades e assim por diante. Mas ter aquela mesma tecnologia de computadores permite que você e eu façamos, essencialmente, um programa de TV agora. Sim. E isso pode funcionar para mim e você, mas também pode funcionar para um partido fascista que quer derrubar o governo. Então, tecnologia é uma espada de dois lados. Assim como uma faca, que pode cortar você ou alguma outra coisa. E uma das perguntas que Cyberpunk faz é: como você usa essas coisas legais? Sabe, o que isso vai gerar? Como isso pode melhorar a sua vida? Ou destruir? Quem deveria possuir? E quando você decide quem vai decidir quem pode ter esse tipo de coisa? Há muitas grandes perguntas para seguir adiante", disse.
O Brasil é Cyberpunk?
No final dos anos 1990, muitos antes do lançamento de Cyberpunk 2077, Mike Pondsmith veio ao Brasil. Ele passou pelas duas maiores cidades do país: São Paulo e Rio de Janeiro.
Alguns fãs podem se lembrar de uma publicação de Pondsmith em uma página do Reddit, lá em 2018, na qual ele citava o Rio de Janeiro e dizia “não há como ficar mais Cyberpunk do que isso.”
Por incrível que pareça, a relação de Mike Pondsmith com o Brasil é mais profunda do que parece. Afinal, ele cresceu em um lar no qual o samba e a bossa nova faziam bastante sucesso. Principalmente, porque o pai de Mike era um fã “fanático” da bossa nova.
"Na primeira vez em que fui ao Brasil, basicamente, fui com uma das pessoas que estavam me guiando até um bar em Ipanema. Enquanto eu estava sentado, eu pensei: 'Eu finalmente estou fazendo o que meu pai quis fazer a vida inteira e nunca conseguiu'", relembrou.
Durante a passagem por São Paulo, que ele chamou de SP, Mike Pondsmith se surpreendeu com a maneira como a cidade refletia, de certa forma, alguns conceitos básicos do gênero cyberpunk, em que há um contraste visível entre desenvolvimento tecnológico e qualidade de vida.
"A coisa que eu amei a respeito de São Paulo foi que a cidade reunia todos os aspectos cyberpunk de ser lotada, com diferentes bairros e tão grande que você não consegue ver tudo. E, sabe, me lembro de que fui com um amigo meu, que estava me mostrando o lugar, um americano que costumava morar lá e casou com um brasileira. Ele me levou até o topo de um dos maiores arranha-céus de São Paulo. Estávamos olhando ao redor do lugar que existia no topo do prédio e vi Manhattan em 360. Ao redor desse prédio, tão longe quanto os olhos podiam ver, até o horizonte, existiam somente arranha-céus. E eu pensei: 'Uau, isso realmente existe. Você está vendo.' Depois, quando eu desci, chegamos até a base do prédio e passamos pelo átrio principal. E as pessoas tinham levantado pequenas vendas por lá. Então, havia uma mulher vendendo frango no meio desse enorme prédio, sabe, e pessoas vendendo artesanato e coisas do tipo. E eu percebi que, beleza, você tem essa sobreposição de, você sabe, um incrível prédio enorme de corporação, algo impressionante, mas, quando você olha para o solo, é o mercado da vizinhança. Na minha cabeça, isso foi quando os mercados noturnos foram inventados. E, sabe, eu saía daquele prédio, andava pela vizinhança e via esses cartazes que ficavam a duas lojas de altura. E essa foi a primeira vez em que vi cartazes digitais. São Paulo tinha muitos deles. Você saía e via um cartaz que estava, sabe, a duas lojas de altura. E eles ficavam mudando de cor e luzes", descreveu.
"São Paulo é impressionante. Quando eu digo que é a cidade mais cyberpunk que eu conheço não é por causa da criminalidade. É porque a cidade tem aquele visual cheio de camadas e populoso constantemente. Sabe? Eu saía com um pessoal lá, às duas da manhã, e nós estávamos lá bebendo, andando pelas ruas comendo coisas em espetos. Não pergunte o que estava no espeto. E, você sabe... Eu estava pensando: 'Isso é ótimo. É a cidade perfeita para dar um rolê'", prosseguiu.
Parece que, sim, São Paulo deixou uma marca na memória do criador de Cyberpunk 2077. Assim como o Rio de Janeiro, já que ele mal pôde acreditar quando ouviu que um grupo estaria enfrentando helicópteros da polícia com disparadores de mísseis.
Infelizmente, vir ao Brasil não parece estar nos planos do criador dos jogos Cyberpunk no momento. Mesmo assim, talvez seja apenas questão de tempoo.
"Bom, eu amo o Brasil. Eu adoraria voltar em algum momento. Gosto de dizer que, quando eu chegar do outro lado, cedo ou tarde, poderei dizer para o meu pai: "Ei, pai, eu estava em um bar onde eles estavam tocando Garota de Ipanema." E ele dirá: 'É, eu devia ter ficado por perto mais tempo'", disse.
Após anos, Cyberpunk 2077 ainda merece uma chance?
Durante a conversa do Enemy com Mike Pondsmith, ficou evidente que ele respeita o trabalho da CD Projekt Red, apesar de reconhecer que talvez o jogo tenha chegado às lojas mais cedo do que deveria.
A trajetória não foi das mais suaves. Alguns problemas precisam de correção até hoje. Muitos aspectos do jogo podem, simplesmente, não corresponder ao hype construído durante anos, mesmo após todos os patches lançados. Ainda assim, pessoalmente, só tenho como dizer que recomendo fortemente uma passagem por Night City.
Já perdi a conta de quanto tempo passei jogando o game. Quantas missões secundárias fiz, quantos desfechos existem para cada uma.
O gameplay, realmente, poderia ser muito melhor. Isso eu jamais vou negar. Agora, quando falamos em história e escolhas, ouso dizer que algumas das missões de Cyberpunk 2077 superam, e muito, as do próprio The Witcher, que é um dos meus jogos favoritos.
Dois anos depois do lançamento, é bem provável que Cyberpunk 2077 tenha chegado em um ponto no qual, se você não gosta agora, nunca vai gostar. Então, se você está no grupo que testou recentemente e não curtiu, não há muito o que fazer.
Agora, se você assistiu a alguns vídeos e sente que chegou a hora de dar uma chance, apoio essa decisão fortemente. V é como um veículo que carrega os jogadores por uma realidade fascinante na qual histórias inesquecíveis podem ser conhecidas. E, por trás de tudo isso, existe um contexto social digno de nota.
Cyberpunk 2077 está disponível para PS5, Xbox Series, PS4, Xbox One e PC.
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