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Retrospectiva: Com The Outer Worlds, Obsidian encontra lugar ao sol em 2019

Aquisição pela Microsoft e sucesso do RPG espacial ditam futuro promissor para estúdio

Por Victor Ferreira 30.12.2019 14H00

Apesar de suas muitas, muitas falhas, a Obsidian Entertainment talvez seja um dos meus estúdios de games favoritos na atualidade.

Desde 2003, quando foi criado por veteranos do lendário Black Isle Studios (de Fallout 2 e Planescape: Torment), a Obsidian trabalhou em um catálogo extenso de jogos, em sua maioria RPGs, cujo taxa de sucesso entre público e crítica é um tanto mista, mas que em diversos casos geraram sua própria base de fãs por oferecer conceitos ou narrativas diferentes ou nem tão convencionais.

Um dos grandes exemplos disso é justamente o primeiro jogo do estúdio, Star Wars: Knights of the Old Republic II - The Sith Lords, cuja narrativa procura explorar e desconstruir diferentes aspectos deste universo, da Força até o conflito entre Jedi e Sith, e é até hoje considerada uma das melhores histórias do então Universo Expandido da franquia.

... Infelizmente, o game acabou sendo lançado antes que os desenvolvedores pudessem implementar várias ideias, fases e elementos da história propriamente, o que acabou levando a uma obra essencialmente incompleta, e cujos projetos de restauração por fãs levaram anos para serem completos.

Obsidian Entertainment/Divulgação

E, por muito tempo, isso parecia um resumo da Obsidian: ideias ambiciosas que, por uma razão ou outra, não alcançavam todo o seu potencial, além de sofrer diversas falhas técnicas.

É só ver Neverwinter Nights 2, cuja narrativa e temas só ganharam mais peso e envolvimento após o lançamento da expansão Mask of the Betrayer; e Alpha Protocol, um RPG de espionagem em que as escolhas e manipulação do jogador podem levar a diversas conclusões e reputações diferentes com personagens,  e um sistema de diálogo que foi essencialmente copiado pela Telltale Games para The Walking Dead e seus jogos seguintes , mas cujo combate em si não é particularmente engajante.

Até mesmo Fallout: New Vegas, provavelmente seu jogo de maior sucesso desta época, foi julgado inicialmente por não trazer muito mais à fórmula de Fallout 3. Com o passar dos anos, porém, muitos notaram o quanto sua narrativa e design de quests eram ao mesmo tempo mais complexas e modulares dependendo das escolhas e build específico de seu personagem.

(Este legado positivo, inclusive, influenciou diretamente no jogo de sucesso do estúdio em 2019)

Obsidian Entertainment/Divulgação

Um dos grandes pontos de virada para a Obsidian foi a popularização do financiamento coletivo via Kickstarter, que gerou histórias de sucesso como o RPG retrô Pillars of Eternity e sua sequência. South Park: The Stick of Truth, após um limbo entre o fechamento da THQ e a chefia do projeto pela Ubisoft.

O segundo, e que deve dar o tom ao estúdio daqui para frente, foi a aquisição do estúdio pela Microsoft, oficializado no final de 2018.

Nem tudo foi positivo ou bem visto durante este caminho: em 2015, um dos cofundadores e principais mentes criativas do estúdio, Chris Avellone, deixou a Obsidian. Em 2018, em uma entrevista com o site RPG Codex, o desenvolvedor disse que foi essencialmente forçado para fora sem qualquer bônus ou compensação extra por seus serviços (e tendo até seu seguro-saúde cancelado poucos dias depois), mesmo ajudando a formar o estúdio e trabalhando nele por mais de uma década.

Avellone acabou conseguindo se reerguer trabalhando como roteirista em diversos jogos nos últimos anos, incluindo Prey e Star Wars: Jedi Fallen Order, e é o designer narrativo de um dos títulos mais curiosos de 2020, Dying Light 2, mas ainda é extremamente crítico à gerência da Obsidian.

"Eu trabalharia com outros desenvolvedores de novo, mas não com a chefia", disse ao VG247 este ano. "Não lhes desejo mal, é só que não acho que seu estilo de gerência seja saudável. Porém, ainda trabalho com desenvolvedores que deixaram a Obsidian, e trabalharia com que ainda está por lá, pois é um pessoal que trabalha duro."

As declarações de Avellone e o drama ao redor de sua saída impactaram a perspectiva de fãs e entusiastas de RPGs quanto à Obsidian em si - eu certamente não vejo a empresa com os mesmos olhos de alguns anos atrás.

Mas é inegável que 2019 mostrou a força do estúdio com o sucesso de The Outer Worlds.

Anunciado no fim do ano passado, e com direção de duas das principais mentes por trás do Fallout original, Tim Cain e Leonard Boyarsky, The Outer Worlds chegou justamente para suprir as vontades de muitos jogadores insatisfeitos com a franquia pós-apocalíptica.

Após a reação um tanto tépida quanto a Fallout 4, e o desastre contínuo que é Fallout 76, a confiança do público na Bethesda em fazer um novo jogo da série tem caído significativamente.

The Outer Worlds, em resposta, se vendeu como uma espécie de "Fallout: New Vegas no espaço", e guardadas as devidas proporções, ele cumpriu este potencial, trazendo um universo novo com personagens e facções engajantes e oportunidades para interagir com ambos de formas positivas e negativas.

Por meio de figuras como a potencial companheira Parvati, os vários líderes de grupos que habitam os planetas da colônia de Halcyon, e a própria exploração do jogador, é possível aprender mais sobre estes mundos, suas políticas, e os conflitos gerados pelo sistema de exploração colonial das megacorporações que controlam estas pessoas.

Ah, e o jogo também traz a clássica tradição de Fallout que torna possível matar qualquer pessoa, independente de sua importância narrativa, algo que a Bethesda sempre se mostrou receosa em implementar.

Obsidian Entertainment/Divulgação

O game também é uma experiência significativamente mais tecnicamente polida do que New Vegas, provavelmente em um esforço deliberado dos desenvolvedores de acabar com a noção de que jogos da Obsidian sejam bugados.

Não só isso: apesar de não ser um jogo exclusivo da Microsoft, por estar em desenvolvimento antes da aquisição da Obsidian, The Outer Worlds foi um dos maiores beneficiários do Xbox Game Pass, dando oportunidade a jogadores de Xbox One e PC de jogar o game completo sem qualquer custo adicional.

O jogo, assim, acabou sendo um dos maiores sucessos do ano, chegando até a concorrer o título de Jogo do Ano pelo The Game Awards.

O maior revés da Obsidian deste ano, improvavelmente, foi um pequeno jogo de um estúdio estoniano roubar o coração muitos (incluindo o meu) com Disco Elysium, que acabou roubando um pouco os holofotes de The Outer Worlds nestes últimos meses.

Ainda assim, o sucesso do novo game abre grandes possibilidades para a Obsidian, que agora conta com a real força da Microsoft a seu dispor. O estúdio já tem um título previsto para 2020, Grounded, um jogo de sobrevivência que lembra um pouco o estilo de Querida, Encolhi as Crianças.

O que me interessa a este ponto, porém, é que outros possíveis grandes RPGs a Obsidian pode criar agora que tem uma segurança financeira muito maior do que nos tempos em que dependia de publishers ou do público para arrecadar dinheiro para seus projetos.