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Review: Saints Row descarta maluquices da franquia, e nada resta

Bugs, missões genéricas e um mundo aberto sem graça marcam reboot que deu errado

Por Pedro Henrique Lutti Lippe 25.08.2022 14H31

O novo Saints Row não tem surras de dildo, nem gângsteres com asas de anjo invadindo o inferno. Através de um reboot, a série se despiu de todo o deboche e exagero que caracterizava os títulos anteriores, e assim, perdeu também quase toda a graça.

Sem distrações como as constantes referências sexuais de Saints Row: The Third ou a absurdez da história de Saints Row IV, o jogo de mundo aberto da Volition se revela pobre, ultrapassado e repetitivo – praticamente uma viagem no tempo para a época em que apenas ter um mundo aberto era o suficiente para conquistar o público.

Não é impossível se divertir com Saints Row, que às vezes arranca uma risada por uma piada boba ou uma explosão engraçada. Mas, acima de tudo, ele é um jogo que prova que nem toda franquia precisa de um reboot.

Divulgação/Deep Silver

Longe de Johnny Gat e companhia, a reinvenção de Saints Row conta a história do surgimento de uma nova versão da gangue dos Saints. Insatisfeitos com a cultura e as taxas de pagamento das gangues existentes na cidade de Santo Ileso, quatro jovens resolvem fundar a própria organização criminosa e tomar controle das ruas para si.

Assim, o protagonista e seus roomates atravessam a campanha participando de missões que inevitavelmente resultam em tiroteios contra as facções rivais.

A mecânica e rainha da direção Neenah, o DJ alérgico a camisetas Kevin e o estrategista viciado em coaches Eli têm uma boa química, mas tornam-se cansados com o passar do jogo por conta do roteiro, que se recusa a desenvolvê-los além de suas descrições mais básicas. A parceria entre o protagonista e seus três companheiros é boa, e abre várias oportunidades para twists dramáticos e outras situações envolventes, mas nenhuma delas é aproveitada.

Ao fim da campanha, que termina de maneira dolorosamente anticlimática, a sensação que fica é a de que os desenvolvedores planejaram a história como um prólogo de algo maior por vir – uma escolha particularmente ousada para um jogo tão pouco inspirado.

Divulgação/Deep Silver

Fosse Saints Row um jogo incontestável em outros aspectos, seria fácil relevar os problemas do roteiro. Mas não é o caso: estamos falando de um mundo aberto nada convidativo à exploração, repleto de missões que seriam consideradas genéricas até mesmo em comparação com os GTAs de PlayStation 2. Os controles de tiroteio são esquisitos, com armas que disparam balas de maneira errática e difícil de prever. Controlar carros é mais fácil – a menos que você resvale em uma pedra ou um hidrante, que são capazes de lançar você a dez metros de altura do chão sem qualquer motivo aparente.

Praticamente todos os objetivos do jogo resultam em tiroteios contra ondas de inimigos, ou então em cenas de perseguição com carros. Isso acontece até mesmo com missões que começam de maneira promissora: logo no início do jogo, você recebe a tarefa de verificar um comboio da gangue Los Panteros, que são basicamente halterofilistas viciados em carros. A missão o leva ao deserto, e logo uma tempestade de areia cobre toda a tela. É impossível não pensar em Mad Max: Fury Road e imaginar que as coisas vão ficar insanas. Mas elas não ficam: você pula de capô em capô e acaba com a maior parte dos inimigos usando uma torre metralhadora genérica.

A simplicidade do design das missões da campanha é tamanha que chega a ser impressionante. Com o tempo, a repetição até se torna reconfortante, e você passa a encontrar paz no efeito anestésico de um jogo que você sabe ser incapaz de te surpreender. É possível também que isso seja algo parecido com um sintoma da síndrome de Estocolmo.

Há catarse a ser encontrada na fantasia de poder de um chefe de gangue capaz de enfrentar exércitos inteiros de gângsteres rivais, mas falta um tempero que eleve essa experiência além de sua forma mais básica e descartável.

Divulgação/Deep Silver

A cidade de Santo Ileso é dividida em nove distritos que incluem uma avenida repleta de cassinos, uma área suburbana e enormes trechos de deserto. Em retrospecto, a inspiração em Las Vegas casa bem com outros aspectos do jogo, transparecendo uma falta ímpar de criatividade. Enfim: explorar o mapa libera instalações que podem ser usadas como bases para atividades criminosas lucrativas, além de oportunidades de bicos, que são as missões opcionais do jogo.

É nos bicos que reside o pouco de variedade de objetivos que Saints Row tem. Em alguns deles, você precisa utilizar um traje planador para sabotar antenas e outros objetivos nos telhados de Santo Ileso, voando de um lado para o outro com agilidade. Em outros, você usa um helicóptero equipado com um enorme ímã para transportar objetos de valor sem danificá-los.

Essas missões costumam ser bem rápidas, mas servem para quebrar o ritmo tedioso da ação da campanha e rendem itens cosméticos como recompensa. A possibilidade de utilizar tais itens para experimentar com visuais malucos para o protagonista, inclusive, é um dos poucos trunfos do novo Saints Row.

Divulgação/Deep Silver

Os visuais de Saints Row não estão em dia com os padrões atuais do gênero, e lembram títulos do começo da geração do PlayStation 4 – o que é compreensível para um jogo dessa escala vindo das mãos de uma produtora de porte bem menor que uma Rockstar ou Ubisoft.

A quantidade de bugs, porém, é mais difícil de engolir. Os problemas mais comuns com o jogo envolvem aspectos visuais, com inimigos morrendo em posições impossíveis ou veículos trafegando pelas ruas de ponta-cabeça, e até servem como alívio cômico. Mas meu tempo com o jogo também foi impactado pelo menos uma dúzia de vezes por bugs que limitavam a movimentação do protagonista, travando-o em um loop de comandos repetidos, ou então deixando-o preso em parte do cenário.

A tradução para o português do Brasil é outro aspecto de execução do jogo que demonstra desleixo: seguindo o exemplo de inúmeros outros títulos recentes, Saints Row parece ter sido traduzido por pessoas que não tinham o contexto apropriado para o trabalho que estavam fazendo. Erros bobos como o jogo pedindo para que você “aposte corrida” até um certo ponto do mapa, quando na verdade ele só quer que você “corra” até lá poderiam ter sido corrigidos por uma singela revisão do texto já aplicado na versão final do jogo.

Divulgação/Deep Silver

Ao terminar Saints Row, é difícil não pensar que uma sequência direta que seguisse os passos de seus predecessores, potencializando a maluquice com a ajuda do hardware de nova geração, garantiria um novo sucesso para a franquia.

Mas a Volition calculou mal. Por algum motivo, eles interpretaram que livrar Saints Row dos exageros dos jogos anteriores e deixar apenas a essência da série era o caminho certo para um recomeço triunfal. Mas, em um mundo pós-GTA V, Red Dead Redemption 2 e tantos outros, eles descobriram que a essência de Saints Row, sem exageros, já não é mais o suficiente.

Nota do crítico