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Review: Cuphead

Eu morri faltando um hit pra matar o boss e quase quebrei meu controle

Por Guilherme Jacobs 04.10.2017 18H28

Jogos frustrantes são complicados. Em um tempo no qual experiências casuais tomam cada vez mais espaço no mercado, sempre que algo difícil como Dark Souls, The Witness ou o último mundo de Mario + Rabbids: Kingdom Battle aparece, há sempre o risco de os desenvolvedores apostarem as fichas de forma errada na dificuldade e criarem algo injusto. Em 2017, ninguém correu tanto esse risco como o Studio MDHR, criador do cruel Cuphead.

A ideia é simples: há 28 chefões e algumas fases de plataforma. Você é o Cuphead, um menino com cabeça de xícara capaz de atirar projéteis de seu dedo. Vá lá e derrote todos os inimigos deste belíssimo universo trazido à vida com uma arte feita à mão que reproduz o estilo de desenhos dos anos 1930, como as grandes obras de Max Fleischer. Você pode sofrer dano duas vezes durante uma luta, mas o terceiro golpe é fatal (a não ser, é claro, que você tenha adquirido pontos de HP adicionais).

Você vai morrer. Vai morrer sempre, morrer inúmeras vezes, morrer até cansar

Então vamos tirar isso do caminho: você vai morrer. Vai morrer sempre, morrer inúmeras vezes, morrer até cansar. E então, como diversos jogos difíceis, vai aprender que a morte faz parte do ciclo de aprendizado e parar de vê-la como uma falha, e sim apenas outro degrau. Ao colocar batalhas difíceis logo nos primeiros minutos do jogo, o Studio MDHR deixa claro suas intenções de fazer você passar pelo matadouro. Mas ser difícil não é nem uma qualidade nem um defeito. Como você usa a dificuldade é o que faz a diferença.

Cuphead vai te render aproximadamente 8 horas de gameplay até você completá-lo, mas apenas 40 minutos desse tempo serão necessários para derrotar os chefões à sua frente. Cada batalha no jogo dura aproximadamente 1 minuto (e alguns segundos), então suas tentativas de sucesso, juntas, devem somar para algo perto de meia hora de jogatina (já as falhas vão rapidamente se transformar em horas). E são os minutos mais angustiantes e tensos que eu tive esse ano - com exceção do inferno que é Hellblade. São minutos, apenas. Bolsões de intensidade dentro dessa longa e árdua jornada.

Não escute as comparações com Dark Souls. Lá, a dificuldade é como uma dança complexa que muda de ritmo constantemente, aumentando e diminuindo com o tempo. Aqui, ela é puro caos controlado, ganhando intensidade constantemente até o clímax. Quando as lutas contra chefões começam, seus reflexos passam a ser testados repetidamente até que você derrote o inimigo. E como os confrontos são curtos (assim como sua vida), morrer vai ser uma boa ferramenta de aprendizado. As mecânicas aqui são simples. Você pode atirar, trocar o tipo de tiro, usar especiais, deslizar e pular - um "pulo duplo" acontece quando você dá parry em um elemento do cenário que sempre é apresentado na cor rosa.

Aqui, a dificuldade é puro caos controlado, ganhando intensidade constantemente até o clímax

A chave para o sucesso de Cuphead está na forma como os desenvolvedores misturam essas mecânicas. O Studio MDHR tomou uma decisão difícil e corajosa. Realmente, dominar uma fase e conhecer um chefão de Cuphead será pouco útil quando você entrar na fase seguinte. Sim, você terá dominado mais os controles e seus reflexos podem estar mais afiados, mas o desafio a seguir provavelmente vai te forçar a usar todas as suas habilidades com uma combinação, sequência e forma diferentes.

Essa foi a maneira com a qual o estúdio conseguiu construir uma experiência que pega uma jogabilidade simples e a desenvolve ao máximo num ambiente de alta dificuldade, e eles acertam em cheio. A forma como cada chefão acomoda as mecânicas é sempre diferente, então nunca há um sentimento de repetição ou tédio. A cada inimigo (ou fase de plataforma), Cuphead se reinventa quase que por completo. Admito que preferiria algo que me ensinasse e me tornasse um jogador melhor com o tempo. Em Cuphead, eu sempre sentia que estava começando a escalar uma montanha do zero, especialmente nas últimas batalhas, no qual a curva de dificuldade sobe mais rápido do que a temperatura no Rio de Janeiro nos primeiros meses do ano. Mas é difícil crucificar o Studio MDHR por essa decisão, já que ela torna o jogo surpreendentemente acessível.

Existe, entretanto, um problema claro na dificuldade. No primeiro momento, Cuphead pode ser jogado no Simples ou Regular (entenda-os como médio e difícil), mas em um determinado momento há uma mensagem de que se você não terminar as fases no Regular, não poderá prosseguir até o final. Eu entendo que o Studio MDHR quer apresentar um desafio para os jogadores e forçá-los a encarar os chefões com toda sua força, mas a partir do momento em que o Simples é uma opção, os desenvolvedores estão dizendo que aquela é uma forma válida de jogar. Punir quem escolhe esse caminho com uma parede e forçá-los a jogar inúmeras batalhas novamente é, ao meu ver, o maior erro do jogo.

As fases de plataformas seguem o mesmo princípio que os chefões. Elas não tem um design muito inspirado, especialmente no começo, mas encontram um ritmo interessante e apresentam o mesmo tipo de desafio. Você pode conhecer as mecânicas, mas será necessário mais do que só experiência para terminá-las. Reflexos, improviso e especialmente a capacidade de se adaptar serão seus maiores aliados contra os inimigos deste jogo. Estes níveis, junto com os Mausoléus - áreas que te ajudam a dominar o parry - servem pra quebrar o ritmo dos encontros com chefes e oferecerem algo diferente e muitas vezes renovador.

As mecânicas de Cuphead são como ovos. Você rapidamente se familiariza com elas, e fazer o básico é tranquilo. Um ovo frito dificilmente é um desafio. Mas conforme os omeletes, bolos e ovos cozidos vão surgindo, você precisará usar o seu conhecimento em receitas diferentes. Felizmente, isso significa que sempre haverá um gosto diferente para provar. E ao contrário das minhas aventuras na cozinha, o resultado final é sempre gostoso. Derrotar um chefão ou chegar ao fim de uma fase são exatamente o tipo de experiência catártica que você torce pra ter.

E se o gameplay ajuda Cuphead a se manter novo, a inacreditável apresentação vai sempre toná-lo atraente. Eu digo "apresentação" porque limitar o elogio aos gráficos do jogo é quase uma ofensa. Eles são lindos à primeira vista e ainda mais impressionantes em movimentação, mas o Studio MDHR vai além. Os inimigos e heróis, seja na animação usada para seus movimentos, seja no design de seu visual, são sempre únicos e detalhados. O cenário, especialmente quando populado por personagens, são vivos e muitas vezes caóticos.

É ridículo o quão parecido com um desenho animado esse jogo é, mas o que permite essa impressão também está na forma como os diálogos são escritos, na própria premissa da história - o quão apropriada e clássica é uma trama de luta contra o diabo? - e especialmente no design de som. A trilha sonora carrega as lutas contra chefões com músicas que, eu tenho certeza, você ouviria no rádio se viajasse no tempo para o Kentucky em 1932. E o que falar então dos efeitos sonoros, seja dos ataques, dos golpes levados ou das falas de alguns personagens? Cuphead captura uma época como pouquíssimos games conseguiram.

O único momento onde isso trai o jogo é no cooperativo. O que deveria ser uma arma para encarar as fases mais difícil acaba virando mais um obstáculo. O estilo de arte, outrora a maior qualidade de Cuphead, fica caótico demais quando dois jogadores estão se movendo na tela. E como os chefões não perdoam nenhum erro, isso pode resultar em derrotas frustrantes.

Mas quando tudo funciona em Cuphead, esse é um espetáculo digno de ser testemunhado e jogado. Com uma dificuldade que reflete perfeitamente a violência única dos desenhos que dão vida aos visuais e sons da experiência, o longo e aguardado jogo do Studio MDHR se posiciona como uma das jornadas mais estressantes e únicas disponíveis no mercado. Mesmo que você quebre um ou outro controle, vale adicioná-lo ao seu currículo.

Cuphead está disponível no Xbox One e PC. O jogo foi testado num notebook Avell com processador Intel i5, por meio do Xbox Play Anywhere. Clique no nome das plataformas para conferir o preço na versão digital.

Nota do crítico