Trajes Fatais | Sambista e cangaceiro são personagens em game de luta brasileiro

O primeiro jogo de luta brasileiro focado no cenário competitivo, mas sem esquecer os jogadores casuais

Por Jefferson Kayo 04.03.2016 18H33

Um capoeirista com asas de anjo, uma garota meio demônio e um cangaceiro dos infernos. Esses foram os três personagens apresentados em Trajes Fatais, um projeto ambicioso da galera do Onanim, estúdio independente formado por um time de desenvolvedores cearenses.

O jogo de luta nasceu da paixão de Onofre Paiva e Emir Lima, game designer e programador, respectivamente. Fãs dos clássicos dos fliperamas dos anos 90, TRAF é uma mistura de estilos que funcionou muito bem. Sprites trabalhados à mão, animações fluidas, algumas referências nas mecânicas de jogo e ainda sim, a cara de um jogo como nenhum outro dentro do gênero.

A ambição dos desevolvedores não tem limites. Seguindo o discurso da vez, que prega agradar tanto o jogador casual quanto o mais hardcore, TRAF parece ter ido além, desenvolvendo um novo layout de botões para o game. Olhando os vídeos de demonstração fica difícil acreditar que aquela quantidade absurda de combos e golpes canceláveis são realizados com o auxílio do direcional e de apenas um botão. Um botão!

É possível emendar todos os ataques do personagem em um único combo. Para evitar possíveis loops infinitos, não se cancela um ataque nele mesmo, e quando uma das esferas que representa sua vida é destruída, o adversário sofre um "hard knockdown" (é arremessado ao chão e permanece ali por algum tempo).

A ativação dos golpes especiais é feita por comandos simples, sem meias luas ou nada do tipo. Assistindo a alguns vídeos do jogo, ele parece fluir de forma completamente normal, como se fosse mais um jogo com seis botões de ataque e comandos secretos cheios de voltas no direcional.

Não à toa, Trajes Fatais conseguiu passar pelo Greenlight do Steam, está com uma fase beta (offline) prestes a começar e uma nova personagem feminina será lançada em breve. É um jogo para ficar de olho e quem sabe inspirar mais desenvolvedores locais, já que jogos de luta estão começando a engatinhar novamente.

Conversamos com o Animador, Game Designer, Compositor Musical e Diretor Geral do game, Onofre Paiva, sobre suas influências e ambições para Trajes Fatais. Enquanto a versão beta não chega, que suas ideias aumentem a ansiedade de todos para o game.

O estúdio Onanim é composto por quantas pessoas?

Somos quatro integrantes mais fixos (com trabalho constante), mas são vários parceiros com participação mais eventual que fica até difícil fazer um levantamento. As ajudas que temos vão tornar os créditos enormes.

Da onde veio a inspiração para a criação de um jogo de luta, um gênero tido como o mais difícil no mundo do game dev?

A paixão por jogos de luta foi o que me motivou a querer desenvolver jogos, então estamos tentando nos aprofundar no gênero. Depois encontrei Emir Lima, o programador que compartilhava a mesma paixão e já vinha pesquisando sobre. Os demais membros possuem interesses diversos, mas estão embarcando conosco. Estamos conscientes que é um gênero bem difícil, e certamente é esse o principal motivo da demora inicial do projeto que tanto foi utilizada em pesquisa. A quantidade de nuances é inimaginável para quem apenas assiste. Não funcionaria se o objetivo da programação fosse apenas fazer o boneco se mexer.

Quais as suas principais referências pra a criação de Trajes Fatais?

Para gráficos, pego o sombreado dos pixels da antiga SNK ou de toda aquela época em que o 2D era menos "flat". Os movimentos dos personagens vão um pouco para a linha da Capcom (época da CPS2) e Arc System Works (Guilty Gear). Mas tudo que consumimos influenciou de alguma forma. Até porque há referências sonoras, visuais, de gameplay, de roteiro etc.

Toda a campanha e lançamento de Yatagarasu ajudou vocês de alguma forma com o lançamento? Ambos os jogos compartilham o fato de serem inspirados em uma outra era de jogos de luta, por isso estou perguntando.

Como referência indie acabamos nos inspirando mais em Skullg irls. Isso porque acompanhava o projeto no estado bem inicial, da época em que levavam uma versão bem crua para eventos, com cenários rascunhados a lápis. Inclusive o Traf que estamos levando aos eventos não está com a identidade visual pretendida para a versão final. Trajes Fatais, apesar da influência dos anos 90, tem uma resolução de personagens maior que Yatagarasu e menor que Skull Girls (que não é em pixel art). O Yatagarasu realmente segue o padrão da época, mas nós trabalhamos numa resolução própria. Os sprites de Traf não seriam, por exemplo, suportados por um NeoGeo.

Assistir ao gameplay do Cangaceiro me fez parecer dentro de um jogo muito mais voltado a combos tipo os da Arc System Works. Muitos cancelamentos, parry (acho que vi um parry ali), movimentação aérea, etc. Em que vocês pensaram na hora de criar a mecânica de jogo de vocês?

Lembro-me de uma frase que desconheço a autoria, mais ou menos assim: “Não imite os mestres. Busque o que eles buscavam”. Assim a mecânica de Traf não foi definida na base de juntar mecânicas que a gente gosta, mas sim de tentar traduzir algumas sensações agradáveis de se jogar.

O interessante é que visualmente a partida as vezes se assemelha com um Air dash. E a maneira como se completa os combos depois de um Dragon Punch faz parecer um Marvel, mesmo que não seja combo aéreo após um launcher. Do mesmo jeito, aquilo que visualmente se assemelha ao Parry também tem mecânica bem diferente. Existe choque de ataques, dragon punch cancelado antes de sair no chão (que chamamos finta), cancelamento de especial em normal com gasto de barra... várias coisinhas para que esses poucos elementos rendam muitas possibilidades.

Vocês foram os primeiros brasileiros a se dedicarem a um jogo de luta indie? É muito difícil trabalhar em todas as variantes de combos e balanceamento ao mesmo tempo?

Não creio que sejamos os primeiros. Talvez os que estejam levando mais a sério a missão da participação competitiva e focados em criar uma base sólida. Fazer um jogo com sistema livre de cancelamentos é sempre um desafio pela possibilidade de surgirem combos infinitos ou, pelo menos, bem injustos. Mesmo com um número reduzido de movimentos em relação a outros jogos, Traf tem nos mostrado a dificuldade de balancear personagens com características diferentes. Mas até que ficamos felizes quando durante as partidas descobrimos coisas que não prevíamos, pois a surpresa é um fator interessante.

Quais ferramentas vocês usaram para construir o sistema de combate em Trajes Fatais?

Engine própria desenvolvida por Emir com C# e XNA, que conta com alguns editores visuais para facilitar e agilizar estes ajustes mais finos.

Vi que o foco de vocês é o competitivo, mas sem abandonar os novos jogadores. Para isso chegaram a um formato de controle pouco convecional. Como está a receptividade dele?

Nos eventos em que participamos, a recepção tem sido muito boa. Várias pessoas simplesmente viciando e nos surpreendendo, desenvolvendo estilos próprios em pouco tempo, experimentando combos. Há um ano, o sistema ainda estava meio estranho de se pegar, mas colhendo feedbacks, fomos aprimorando. No começo, a proposta era excessivamente diferente do convencional, mas depois decidimos que manteríamos os inputs mais tradicionais da maioria dos jogos como o clássico defender colocando pra trás. A intenção é não gerar estranheza na primeira vez que o jogador pegue o controle. Que ele comece a jogar sem muitas explicações e vá testando possibilidades. Ao mesmo tempo, guardamos segredinhos que podem ser melhor explorados pelos hardcores.

Todos os personagens terão suas próprias vozes? Estão pensando em escalar personalidades da dublagem para viver seus personagens?

Sim, a intenção é que cada personagem tenha um dublador próprio. Inicialmente convidei amigos que faziam parte do mesmo coral que eu, e tinham experiência cênica. Entretanto, de uns tempos pra cá estamos recebendo várias propostas de pessoas se oferecendo, inclusive propostas internacionais (e realmente pretendemos ter dublagem em outro idioma como opcional, mas é plano futuro). Procuramos até o Guilherme Briggs numa vez que estávamos no mesmo evento, mas estávamos tão ocupados no próprio estande que nem deu para trocar ideia com ele.

Essa inspiração brasileira parece funcionar somente quando feita no Brasil, por brasileiros. O que vocês acharam da repercussão da roupa extra da personagem Laura, de SFV? E como vocês pensam em trabalhar suas personagens para que não passem pelo mesmo tipo de problema da Laura?

Sinto que coloquei a brasilidade no jogo de modo bem diluído, mas pra nós isso pode ficar mais evidente. A Lucy samba, mas não diria que ela é uma representação de “típica sambista”. E a capoeira de Cristiano é apenas referenciada, não o ponto principal de sua identidade. Por ser uma festa à fantasia, certamente haverá personagens cuja temática nada tenha de Brasil.

Quanto à Laura, é uma questão mais antiga. Repercutiu mais por aqui por ela ser brasileira, mas a hyper sexualidade da figura feminina em jogos é constantemente debatida e criticada. Laura só fez colocar nos holofotes, já que pra muita gente questionar isso é novidade. Street Fighter V já vinha ressaltando muito a sensualidade de todas as personagens femininas. Diria que Karin é a exceção e o apelo das outras é regra. Temos que admitir que historicamente os personagens masculinos podem ser tudo: gordos, baixos, velhos, excessivamente musculosos, excessivamente magros, deformados, bonitões, etc... Mas a representação feminina no geral é feita pra agradar o olhar masculino, alegando ser esse o público majoritário. Então não sabemos se mulher não joga porque não se pensa nelas ou se a indústria não pensa nelas por que elas não jogam. Mais ainda, provavelmente elas jogam e mesmo assim não se pensa nelas.

Lucy já recebeu comentários do tipo, mas definitivamente ela não irá mudar, pois esse assunto faz parte da história dela e nesse jogo o simbolismo dos trajes é muito importante, é um tema abordado. Meu cuidado é que esse tipo de representação não vire regra. Já distorceram o que falei em entrevistas, alegando que o jogo não tinha apelo sexual de acordo com minhas palavras.Óbvio que tem (tanto masculino quanto feminino) e eu não negaria isso. Só falei que esse não é o foco principal, pois todas as perguntas do entrevistador faziam parecer que estávamos fazendo um jogo hentai.

Alguma dica de quem será o próximo personagem a ser anunciado por vocês?

Será mulher. XD