No Brasil, CEO da Immortals quer trabalhar com marca "100% nacional"

Noah Whinston não comenta especulações sobre transferência da line-up da SK e detalha planos de criar times focados no torcedor brasileiro

Por Bruno Silva 28.03.2018 09H00

"A base de fãs do Brasil é uma das mais apaixonadas que eu já vi. Metade das minhas mensagens diretas no Twitter me pede uma vaga de emprego e a outra metade diz que vai me matar se me vir na rua", brinca Noah Whinston, o CEO da Immortals, uma das principais organizações de eSports do mundo.

O clima ao redor parecia justificar cada uma das palavras do americano. Em visita ao Brasil, o executivo recebeu o The Enemy para uma entrevista na última terça-feira (27), em São Paulo, na hora do amistoso entre Brasil e Alemanha - o primeiro confronto entre as duas seleções desde o fatídico 7 x 1 da Copa do Mundo de 2014. "Mesmo com o jogo você ainda veio fazer entrevista?", brinca novamente o executivo.

Em meio a especulações sobre uma possível contratação por parte da Immortals da line-up brasileira mais famosa do cenário internacional - a equipe de CS:GO da SK Gaming, com Gabriel "FalleN" Toledo e cia. -, Whinston se desviou de perguntas sobre essa possível negociação, ou de conversas para adquirir a marca mibr.

Entretanto, o executivo cravou que sua visita ao país, em busca de parceiros locais, é para plantar as sementes de uma estrutura que, segundo ele, vai engajar com o torcedor do país como nenhuma outra. "Se vou trabalhar no Brasil, quero que seja com uma marca 100% brasileira", declara. Leia a entrevista abaixo:

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Vamos começar pelo que as pessoas querem saber: a Immortals está negociando para contratar a atual line-up de CS:GO da SK Gaming?

Sem comentários.

A Immortals está negociando para adquirir a marca MiBR?

Sem comentários.

Qual é o propósito de sua visita ao Brasil? O que você vê no cenário de eSports brasileiro que o fez viajar até aqui?

Whinston se desvia de perguntas sobre a SK, mas diz que "contratar bons jogadores do Brasil" é de interesse para fortalecer a Immortals no país

Quando trabalhamos com jogadores e fãs brasileiros na nossa antiga line-up de CS:GO, descobri que os brasileiros são muito patriotas no âmbito esportivo. Isso não é único do Counter-Strike, e nem é algo único nos eSports, sei que os brasileiros tem essa paixão em vários esportes.

Mas o motivo pelo qual essa paixão me interessou tanto veio do nosso investimento na Overwatch League, com a criação do Los Angeles Valiant e o nosso trabalho para angariar uma torcida local, de uma maneira que não havia sido feita nos eSports americanos até então.

Uma das coisas que mais me interessou no Brasil foi como o brasileiro tem uma ligação forte com os times nacionais. Eu viajei até aqui por alguns motivos. O primeiro, foi para entender essa ligação melhor. Em segundo lugar, quero começar a pensar em outras maneiras nas quais podemos participar do ecossistema brasileiro, adicionar à experiência do fã e interagir com ele, de forma a criar a infraestrutura necessária para interagir e monetizar uma organização com esse tipo de suporte local.

Se conseguirmos criar esse tipo de organização com essa identificação no Brasil, onde há essa conexão dos fãs com seus times, acho que poderemos pegar esses mesmos conceitos e aplicá-los por exemplo em Los Angeles, onde está nossa franquia da Liga Overwatch.

"Vi neles uma garra enorme e determinação de vencer", diz Whinston sobre a antiga line-up da Immortals no CS:GO

A ideia então é replicar o modelo da Liga Overwatch, criando várias equipes com marcas e nomes diferentes sob a tutela da Immortals?

Sim. Tudo o que fazemos é sob a tutela da Immortals, mas com esse nome ou não, nós estamos no comando da operação. Sem entrar muito em detalhes sobre quais marcas vamos trabalhar aqui, vamos começar um processo de integração com o ecossistema brasileiro, não apenas com conteúdo digital nem mídias sociais, mas com ativações locais, merchandising local, dando oportunidades para que fãs interajam de forma física, além do digital.

Por que você acha que estes fãs vão se interessar nessas marcas da Immortals? Como você planeja tornar esta marca atraente para o torcedor?

Bem, imagino que o jeito mais fácil seja contratando bons jogadores brasileiros... (risos)

De fato. Então, vocês também estão de olho em recrutar jogadores brasileiros, independente do cenário?

Bem, nós sempre estamos de olho nos jogos e nos cenários competitivos, acho que só sair contratando brasileiros aleatoriamente não é um experimento que vai dar muito certo. É claro que nós nos preocupamos com os jogos que são mais fortes aqui, quais estúdios dão mais apoio aos seus jogos aqui, e quais jogos nos dão mais liberdade e flexibilidade para inovar e construir algo em vez de apenas participar.

Whinston elogia a iniciativa da Liga Overwatch: "Estamos construindo o futuro dos eSports"

Acho que alguns jogos no Brasil estão nas condições ideais para nossa participação. Vocês terão de ficar ligados para saber quais eles são.

Você falou sobre sua experiência com jogadores brasileiros. Que lições você aprendeu ao lidar com a mais recente line-up de CS da Immortals, com kNg, LUCAS1, HEN1, boltz e steel?

Acho que há duas maneiras de responder essa pergunta. Em um nível, não gosto da ideia de que a cultura de uma pessoa a define completamente. Eu já tive um time brasileiro (jogando para a minha organização), mas aqueles jogadores ainda são únicos como pessoas. O fato de eles serem brasileiros não significa que todos pensam da mesma maneira, que eles se comunicam da mesma maneira, ou que eles se importam com as mesmas coisas.

Por outro lado, é importante entender o contexto cultural de onde os jogadores vêm. Quando pensamos no contexto cultural brasileiro, da minha experiência, como alguém que não é do Brasil, e não entende o país completamente, o que eu vi é um nível enorme de talento, garra, determinação de vencer.

Não gosto da ideia de que a cultura de uma pessoa a define completamente

Isso pode ser muito positivo, porque quando essas características são colocadas a favor de um objetivo em comum, é muito mais fácil conquistá-lo. Mas também notei que, às vezes, há consequências ruins em se pautar demais por resultados.

Então, quando eu penso como comando uma organização de eSports ou como gerencio times, gosto de otimizar as coisas que podemos controlar: o quão duro nós treinamos, o quanto respeitamos nossos colegas, como nos comunicamos, como provamos nosso nível de profissionalismo. Tudo isso nós podemos controlar. Um jogador pode controlar todos estes aspectos em si mesmo.

Mas não podemos controlar a vitória. Podemos fazer o nosso melhor para vencer, podemos fazer o máximo para aumentar nossas chances de vencer, mas não há nada que eu possa fazer hoje que vai me garantir uma vitória certeira amanhã. Por causa disso, pode ser bem perigoso o pensamento orientado em resultados, onde você define o sucesso ou o fracasso de um time com base em seu número de vitórias, porque mesmo quando um time faz tudo certo, eles ainda podem perder. E mesmo quando um time faz tudo errado, ele ainda pode vencer.

Para ser justo (com o Brasil), eu trabalhei com uma porção limitada de jogadores brasileiros, em apenas uma modalidade, e todos eram bem jovens... será que isso fazia eles serem mais orientados pelos resultados? Talvez eles se pautavam um pouco mais pelos resultados do que os atletas americanos ou europeus com quem trabalhei.

Isso é algo que ficou na minha cabeça. Foi algo que tentamos trabalhar na line-up antiga e certamente é algo que teremos em mente em um futuro no qual talvez trabalharemos com jogadores brasileiros.

Este ano, o cenário brasileiro tem visto a chegada de muitas organizações estrangeiras, em um modelo no qual elas contratam line-ups que já se destacam aqui. Aconteceu no Rainbow Six, com a chegada da FaZe e da Liquid. Agora, temos a sua proposta, de ter várias marcas diferentes ligadas à Immortals. Por que você acha que o seu modelo pode ser mais efetivo do que simplesmente trazer o nome da Immortals para uma equipe que já está aqui?

Acho que um dos motivos que faz ter cautela com essa estratégia é a diluição do valor da marca. Talvez não estivessemos fazendo direito quando tínhamos um time de CS:GO porque, na época, também tinhamos um time de League of Legends, um time de DotA... e em cada um desses jogos a nossa marca era diferente. A marca Immortals, e o jeito que nós trabalhávmos em Counter-Strike não era o mesmo jeito que nós trabalhávamos em LoL.

Então, eu me preocupo com essas organizações grandes e globais, que combinam tantos times em uma bandeira só, porque para acomodar todas estas culturas, jogos e fãs, eles diluem as marcas a ponto de elas não dizerem muita coisa.

Se eu vou trabalhar no Brasil, se eu vou contratar times brasileiros, e se vou trabalhar com fãs brasileiros, quero criar uma marca - ou trabalhar com uma marca - que seja unicamente brasileira. Que represente o país 100%. Não vou fugir disso. Mas, se eu pegar uma marca brasileira e tentar trabalhar com ela em Los Angeles, também não funcionaria.

Essa é uma das razões pela qual nós fomos uma das poucas organizações a não se preocupar com o que a Blizzard planejava para a Liga Overwatch a respeito de criar uma marca nova. Nós sabíamos que seria melhor, mesmo que fosse algo difícil para nós a curto prazo. Nós sabíamos que, pensando no futuro, criar a Los Angeles Valiant nos permitiria uma aproximação maior dos torcedores de LA.

A mesma lógica funciona no Brasil. Se eu vou trabalhar no Brasil, quero que seja com uma marca que é brasileira. Não uma marca que estamos forçando no mercado brasileiro.

Se vou trabalhar com fãs brasileiros, quero criar uma marca - ou trabalhar com uma marca - que seja unicamente brasileira

Por falar no Los Angeles Valiant, como têm sido a experiência específica desse time dentro da Liga Overwatch? Especialmente se levarmos em conta que todos os rumores apontaram para um investimento alto para entrar na competição...

É incrível. Todo dia em que trabalhamos com a Liga Overwatch, sinto que estamos pavimentando o caminho para o futuro dos eSports. Acho que ainda temos muito a fazer, mas estamos vendo o começo, estamos vendo as raízes da comunidade local se formando, e o quão importante isso é.

Da minha perspectiva, ter um milhão, cinco milhões ou dez milhões de seguidores no Twitter não causa muito impacto em como posso tocar meu negócio. Talvez eu consiga mais dinheiro de patrocinadores, mas... só seguir alguém numa rede social não é se expressar como torcedor.

Por outro lado, ter dez mil torcedores em Los Angeles, que amam o time, compram os produtos da marca e vão aos meus eventos, é muito mais valioso para o que move a organização adiante, e o que a permite se manter sem precisar de novos investidores e dinheiro de fora.

Temos muito a fazer antes de o cenário ser sustentável e perfeito na Liga Overwatch. Também não sei se vamos chegar lá. É uma nova competição, e os riscos são inerentes. Mas eu não acredito no modelo de negócio dos eSports como ele existe hoje. Não há escala. Não há sustentabilidade. E não acho que times que se mantiverem nesse modelo poderão chegar nessa escala, nem terão a fidelidade da torcida, em comparação com times que tentam inovar e procuram abordagens diferentes.

E como você encara o desafio de precisar ter todos os times na mesma cidade para uma competição local? Embora a Liga Overwatch tenha equipes para várias cidades de todo o mundo, mas os times são obrigados a ficar em Los Angeles porque o estúdio da liga é lá, as partidas são lá.

Isso também acontece no Brasil: no League of Legends, por exemplo, todos os times precisam ficar em São Paulo, até mesmo os de clubes como o Flamengo, que é uma organização sediada no Rio de Janeiro. Como esse desafio pode ser encarado?

Dentro da Liga Overwatch, essa situação é de curto prazo. A Liga têm sido vocal em seus planos de ter os times nas suas respectivas cidades e jogar como o Flamengo joga no futebol, onde há jogos em casa e fora. Acho que isso será um desenvolvimento importante para como os eSports funcionam.