Sonhos, hype e muito flow: Como os esports e o trap formaram a dupla perfeita
Estilo musical aparece em várias modalidades dos esportes eletrônicos, e deixa sua influência cada vez mais clara
Basta navegar um pouco pelas transmissões ao vivo da Twitch para perceber que o trap está totalmente inserido na cultura dos esports. O estilo musical norte-americano conquistou um espaço grande entre os influenciadores e jogadores dos esportes eletrônicos, aparecendo tanto em torneios daqui do Brasil quanto em ambiciosos eventos de Fortnite.
No League of Legends, astros como brTT, micaO, DudsTheBoy e o influenciador yeTz já declararam seu gosto pelo gênero. No Free Fire, a batida conquistou até mesmo músicas oficiais do game. No CS:GO, um dos maiores campeonatos do Brasil é embalado por uma trilha sonora autoral de trap.
Estendendo a conversa para os games de console, o próprio Spotify já mostrou que o trap tem tudo a ver com jogos: XXXTENTACIÓN, Lil Uzi Vert e Juice WRLD estão entre os artistas mais ouvidos por gamers em 2020.
Em um olhar mais raso, um dos grandes elos nessa relação é a musicalidade “pra cima” do trap. A batida consegue provocar muito bem um momento de motivação para os jogadores: “Assim como no Funk, o Trap tem uma batida muito divertida e animada. E, para mim, isso importa muito em um estilo de música - deixa o clima legal e me deixa hypado” explica DudsTheBoy.
Por ser um estilo em alta, o trap também traz uma grande oferta de músicas e diferentes artistas a serem escolhidos: “O que mais me chamou atenção no Trap foram os beats e variações de flows que as musicas tem. Cada artista é único e cada um tem sua estética, curto muito”, diz brTT.
Exemplos dessa relação não faltam. A música I’m On Fire, produzida pela própria Garena; o grupo True Damage, da Riot Games, e as inúmeras aparições do trap em livestreams relacionadas a esses games.
No CS:GO, a BBL foi ainda mais longe e fez parceria com a UZZN, produtora especializada nesse estilo, para produzir a trilha sonora do CLUTCH, o Brasileirão de Counter-Strike.
“O CLUTCH tem em sua essência a cultura urbana, os cenários são inspirados na street art, o torneio aproxima o público do movimento e se torna o novo lifestyle dos apaixonados pelo universo, além de apresentar essa cultura urbana geek a uma nova geração”, diz a BBL sobre a parceria.
A FURIA, organização de destaque no cenário brasileiro, chegou a contratar o seu próprio trapper. Kant, que ganhou destaque com suas performances na Batalha da Aldeia, faz parte da empresa que detém times de CS:GO, League of Legends e outras modalidades. O artista funciona como uma espécie de influenciador para a FURIA, produzindo conteúdos que trazem a marca dos panteras.
O grande auge dessa relação, entretanto, aconteceu em um game que não figura entre os esports mais tradicionais, por assim dizer. O show de Travis Scott em Fortnite uniu fãs de inúmeros games em uma apresentação que passou dos 12 milhões de espectadores.
O show teve cobertura de yeTz, que descobriu uma de suas faixas preferidas durante o evento: The Scotts, parceria de Travis com Kid Cudi, foi revelada durante a apresentação digital. "São as músicas que me colocam no hype. Fico empolgado de ouvir o ritmo e as batidas, e isso faz com que meu mood [humor] seja sempre mais animado", ele conta.
Misturando uma experiência em video game com apresentação musical, esse formato já havia sido utilizado antes no jogo da Epic Games. O Battle Royale é praticamente especializado em eventos ao vivo, e os shows de Marshmello e Travis Scott dentro de seu ambiente são apenas uma comprovação disso.
Sonhos e ostentação
Ainda assim, há muito mais por trás dessa relação do que a hype e a tendência atual. Para entender um pouco mais sobre a ligação entre trap e esports, é necessário se aprofundar na origem desse estilo, que bebe muito do movimento Hip Hop nos anos 70, mas não deixa de criar sua identidade própria com batidas que flertam com o eletrônico.
Apesar de ser bastante similar, tanto em sonoridade quanto na sua ortografia, o termo trap não tem nada a ver com rap. O nome foi concebido em 2003 com um álbum de T.I., Trap Muzik; trap (armadilha, em inglês), é uma gíria de Atlanta, cidade nos Estados Unidos, para o local que se compra drogas ilegalmente.
O gênero, portanto, já denota sua origem marginalizada, e suas letras corroboram com essa narrativa: o trap fala sobre ganhar dinheiro, ostentação de bens, carros luxuosos e a vida nas ruas - nesse sentido, olha só, o estilo não difere tanto do funk ostentação brasileiro.
Essa série de nuances encontra uma grande correspondência com a comunidade de Free Fire. Há algum tempo, o game tomou o posto de “esport acessível para todos” dentro do Brasil, espalhando-se para os locais mais pobres do país e conquistando um público imenso no processo.
“O fato de o Free Fire ser gratuito e compatível com quase todos celulares faz com que o jogo atinja uma grande quantidade de pessoas. Parte desse público possui uma conexão forte com Trap, que fala muito da sua realidade, desejos e sonhos”, explica a Garena, empresa responsável pelo game.
A desenvolvedora ainda diz que investe na produção de conteúdos ligados ao gênero devido à boa resposta da comunidade, que tem o trap como um dos seus estilos musicais preferidos.
Os cosméticos de Free Fire também não ficam de fora: a cultura do streetwear anda de mãos dadas com o gênero musical, e a Garena tenta transparecer um pouco disso em suas skins e itens do jogo.
Fora do Battle Royale, as aparências também importam: indo desde as skins True Damage no League of Legends à Rexpeita, marca de roupas de brTT, a ostentação vai além do que é dito pelas letras das músicas.
Seja nos Booyahs, headshots ou penta kills, a batida do trap é praticamente uma trilha sonora oficial dos eSports, e esse relacionamento ainda deve trazer muitos frutos para a comunidade.