Produzido por cerca de cinco anos, Grand Theft Auto V é o produto definitivo da Rockstar. Responsável por alguns dos maiores títulos da história dos videogames, a empresa reúne toda a expertise adquirida nos últimos anos em um jogo que equilibra as características primordiais da franquia, sem esquecer a acessibilidade para novas audiências. GTA V é o cerne da série evoluído a partir de seu estado mais puro, uma amostra da convergência entre narrativa e interatividade, descompromisso e profundidade - o game perfeito para encerrar a geração mais lucrativa da indústria.

Não é preciso explorar as inúmeras horas de aventura para notar o retorno às raízes. O trabalho realizado nos controles de armas e veículos dá preferência às missões e como elas são realizadas - mesmo com o mapa todo liberado desde o início, a sensação de exploração é contínua e, vez ou outra, se tem a impressão que algum lugar ainda não foi visitado.

Apesar da ótima história dos protagonistas, GTA V é mais sobre o mundo aberto e as possibilidades que Los Santos oferece. O maior trunfo da Rockstar está em conseguir equilibrar a narrativa de Franklin, Michael e Trevor com as missões aleatórias, sem diferenciar um elemento do outro. Essa confluência dá urgência aos problemas de cada personagem e uma vida pulsante à cidade. De uma maneira peculiar, todo o ambiente lembra Los Angeles, mas adiciona um toque surreal e particular ao local, que além de tudo invoca nostalgia pelas semelhanças com GTA: San Andreas.

Los Santos, o mundo em uma cidade

Assim como fez em GTA IV, a Rockstar transpõe uma cidade real para o mundo virtual. Los Santos é uma realidade saturada de Los Angeles, cheia de pontos turísticos semelhantes, bairros idênticos e até ruas com as mesmas curvas. No entanto, diferente da fidelidade de Liberty City, aqui há uma mistura entre a verdade e a caricatura - algo inerente a boa parte do catálogo da desenvolvedora. Mais do que representar L.A., o mapa agrupa as diferenças étnicas, climáticas e econômicas de uma cidade que, para muitos, significa o espírito de Hollywood e a força do entretenimento americano.

Há mais gente nas ruas, especialmente nas praias e no centro. Pelos demais bairros, a Rockstar se aproveita de uma característica comum de LA: poucos passeiam a pé - carros são regra. Não por acaso este é um ambiente perfeito para GTA. Ainda que não existam muitos NPCs (personagens não-controláveis) no deserto, estradas, florestas ou montanhas, é nestes lugares que é possível notar o exímio trabalho gráfico do jogo.

Com uma renderização de cenários de ponta (é raro notar algo surgir no vazio), todas as texturas e detalhes das regiões são únicos. Andar pelas areias da praia ou do deserto denota movimentos e aderências diferentes; escalar uma montanha ou pilotar uma moto na floresta também traz desafios particulares. GTA V não soa, no entanto, à frente de seu tempo. Os gráficos exploram o máximo dos consoles atuais e o fazem em uma escala nunca vista - nada será tão bonito em proporções tão gigantescas no PlayStation 3 ou Xbox 360.

Três vidas na palma da mão

Franklin, Michael e Trevor são o passo à frente da Rockstar em GTA V. A maneira como a união de três histórias em uma jornada foi realizada é sem precedentes. O sistema de troca funciona de maneira simples a ponto do jogador renegar a complexidade da função. Além dos aspectos técnicos e do cuidado gráfico (a visão aérea muda de acordo com o clima), a mudança entre os protagonistas transfere elementos de narrativa e jogabilidade em questão de segundos.

Nas mãos de apenas um controlador estão três vidas distintas, que são transferidas de imediato ao jogador - os poucos segundos após a mudança são essenciais para o cérebro processar a troca. De forma implícita, a Rockstar faz isso ser uma composição imprescindível para a construção dos personagens. Franklin tem problemas com os amigos de infância, Trevor, com a mãe e companheiros e Michael, com a família; aspectos como estes são aprofundados a partir das trocas, um exemplo perfeito da interação entre controle e história.

De um jeito próprio, cada protagonista toma um lugar especial no cânone de GTA. O roteiro principal, que aos poucos envolve os três em uma história de roubo, conspiração e amizade, não tem a profundidade ou o peso de Red Dead Redemption, por exemplo; mas nem por isso deixa de ser envolvente. Como instrumento de imersão a Rockstar usa Franklin, o mais jovem do trio. Ele representa os olhos e as mãos do jogador frente à experiência de Michael e à honestidade surtada de Trevor.

À sua maneira, a Rockstar impõe uma trama politicamente incorreta cheia de lições de moral. Um conto de anti-heróis amargurados pelas dificuldades da vida, muitas vezes impostas por seus amigos mais próximos. Os coadjuvantes despertam dilemas em todos eles, mas cada um de um jeito diferente. Do início ao fim, Michael é um homem que preza os filhos, por pior que esteja a relação entre eles, enquanto Trevor busca a redenção de uma vida desregrada. O diferente é Franklin, que aprende sobre a vida e se descobre ao longo da jornada.

Assaltos, bancos e tiroteios

O avanço na parte narrativa não supera a preferência de GTA V pela ação. Os dois elementos andam juntos, mas o segundo é o cerne do game - tudo tem profundidade e estratégia aos olhos do mais leigo jogador. A essência da aventura é roubar, matar e pilotar. Esse conceito é elevado aos assaltos a bancos e agências de inteligência, com recrutamento de equipe e reconhecimento do local. O jogador deve não só conseguir o veículo de fuga, mas construir a rota e planejar o tipo de abordagem. Nada poderia ser mais Grand Theft Auto.

Todos os roubos não seriam grandiosos se não fosse pelos sistemas de tiro e direção. Inspirado por Max Payne 3, o tiroteio em GTA V é frenético e simplório ao mesmo tempo. Em questão de minutos há como se acostumar com a roda de armas e a cobertura; o mesmo acontece com a pilotagem. Cada carro tem uma aderência, peso e velocidade diferente, apesar do controle básico ser o mesmo. Em ambos, a tal 'realidade saturada' da Rockstar dita a regra; nada segue a simulação, mas se prende à verdade para tornar a experiência agradável o suficiente para se superar o próximo desafio.

Dentro disso, também existem as habilidades especiais e os atributos de Michael, Franklin e Trevor. Estabelecidos desde o início, os especiais ajudam nas missões, além de contribuir nos acontecimentos aleatórios. O mesmo serve para as características evolutivas, que melhoram de acordo com as atividades realizadas - a melhora é significativa e ao esgotar um quesito, o personagem tem um avanço notável. Nada chega perto do RPG que foi San Andreas, mas há um sistema bom o suficiente para explorar a vitalidade de cada um - dentro de um mundo tão vasto, não permitir mais quesitos dispõe a atenção do jogador a objetivos mais importantes. Dessa forma, os assaltos da história se tornam o foco.

Um game e só

Existem erros, sim, em GTA V. Há bugs de colisão, sumiço de carros e defeitos no sistema de cobertura. Porém, em nenhum momento esses problemas atrapalham a experiência ou dificultam a imersão do jogador na história. A vastidão de Los Santos, a personalidade dos coadjuvantes e, no caso do Brasil, as ótimas legendas ajudam a tornar falhas como essas irrelevantes. As missões menos ativas irritarão os impacientes e os controles aéreos frustrarão outros, ainda assim, nada está fora de contexto ou sem um propósito.

A tarefa mais difícil de todo o game é superar as próprias expectativas; criadas a partir de um histórico exemplar. Desafio este cumprido com louvor. GTA V avança na combinação entre controle e narrativa, mas marcará a geração pelo arrebatamento gráfico e a exploração de um mapa tão real quanto qualquer cidade verídica. Sem se apoiar em mecânicas de outras mídias, mas com inspiração em histórias do cinema e da própria franquia, a Rockstar criou um produto definitivo. GTA V é o sinônimo da liberdade e interatividade que os games podem oferecer.

Nota do crítico