Quando Leonardo “BRlk” Kuhn abriu sua stream na noite do dia 15 de julho de 2020, sua vida estava prestes a mudar. Os olhos lentamente se arregalando, o meio-sorriso de canto de boca e a cifra que aparecia em sua stream não mentiram: BRlk recebia naquele momento um donate de R$ 900 mil reais.

Os poucos segundos de silêncio e a música pausada serviram para completar uma expressão que dizia que o cérebro não conseguia acompanhar os batimentos cada vez mais fortes do coração, bombando adrenalina e tirando os filtros do streamer, que com um singelo “O que foi isso?”, chorou.

Um leão por dia

Leonardo tem 18 anos e mora em Cunha Porã, Santa Catarina. Aos dois meses de idade, “BRlk” perdeu seu pai, mas apenas descobriu que ele havia falecido aos cinco anos de idade. “Até então eu achava que ele estava viajando”, contou BRlk ao The Enemy. “Foi a forma que minha mãe, Luciana, entendeu que era melhor para me proteger”.

Após entender a verdade, aos cinco anos de idade Leonardo entrou em depressão clinicamente diagnosticada, e passou a conviver com a rotina de tomar remédios. A situação se acentuou ainda mais quando, aos 13 anos, o catarinense viu a felicidade de ganhar um irmão mais novo se transformar em preocupação: a criança nasceu com sérios problemas nas válvulas do coração, além de esquizofrenia.

Por necessidade da família e vontade de ajudar, BRlk trocou sua infância e seus brinquedos por três empregos e colégio logo aos 15 anos de idade. “Trabalhava em dois restaurantes e uma pizzaria, e era comum dormir quatro ou menos horas por dia. Sempre tive amigos no colégio, mas nunca abri minha história para as pessoas, não queria que elas sentissem pena”, diz. Adolescente, Leonardo contemplou diversas vezes o suicídio pela pressão que sentia de todos os lados de sua vida, mas o pensamento de deixar a família sozinha o impediu.

Foto: Reprodução Twitch

Streams e a corrida do donate

Com poucos recursos em casa, coube a avó, Lucia Schlemmer, investir no sonho de um garoto que dedicava a sua curta vida a ajudar todos os outros da casa. De peça em peça, ela montou um computador para o garoto tentar dedicar um tempo às streams. Foi inspirado por Roberto “Sparda” Nascimento, streamer que iniciou sua caminhada para juntar fundos para tratamento de saúde de sua irmã (síndrome de Guillain Barré e mielite aguda) e sua mãe (tumores cerebrais), além de Gaules, que batalhou contra a depressão e suicídio através de suas lives, que BRlk começou a investir seu tempo em fazer o mesmo para pagar os remédios e cirurgias de seu irmão.

A meta de R$ 30 mil foi batida em um ano de streams. “No começo acontecia de fazerem doações fakes, doavam e depois estornavam, mas eu nunca desisti”, comenta BRlk. Mas o esforço se pagou. De fevereiro a maio de 2020 as coisas começaram a finalmente darem certo, e a meta foi batida numa live de 50h de duração. 

“Eu quis fazer uma stream ‘final’ pra bater a meta, e muitas pessoas do cenário me ajudaram com ganks e donates. Gaules, Rakin, PSK e HSnamuringa, muitas figuras de vários cenários como Rainbow Six, League of Legends e Counter-Strike me apoiaram”, comenta BRlk. “A cada gank eu sentia a oportunidade de continuar fazendo a live para não perder os números, e isso se estendeu até pouco mais de 50h de stream, sem dormir, sem descansar, comendo na frente do computador enquanto jogava e conversava com a galera”.

Imagem: Reprodução BRlk

O esforço foi grande, e o preço também.

Após dois dias descansando da extensa live, Leonardo começou a ficar sem ar. Cauteloso, mas sem tanta preocupação, continuou a fazer streams com uma média de 500 espectadores, até que duas semanas após a live, tudo ficou preto.

“Me lembro de um deserto, e uma pessoa falando comigo, mas não entendia muito bem o que ela estava falando. Quando acordei, estava no hospital. ‘Você sofreu um infarto’, disse o médico quando eu acordei”. O (grande) coração do garoto de então 17 anos havia parado por cerca de uma hora até o rápido atendimento recuperar os batimentos.

BRlk ficou uma semana afastado de qualquer atividade, e teve que recomeçar o seu caminho e reconquistar os seus espectadores aos poucos. Nestes últimos tempos, chega a bater mil viewers em bons dias, mas presta atenção aos sinais de cansaço de seu corpo, evidenciando o esforço e a carga emocional de estar sempre no fio da navalha.

Sou vitorioso - Virando milionário

Leonardo está em um lugar melhor. Hoje, não toma mais remédios e não se encontra em quadro depressivo. Presta atenção à sua saúde e tem o apoio de sua mãe para se dedicar às streams enquanto termina o ensino médio. Após arrecadar a meta para o seu irmão, BRlk sonha em ser um streamer de sucesso. Apesar de torcedor assíduo do Rainbow Six e torcedor da Team Liquid, BRlk também é torcedor da Evil Geniuses e do MIBR no CS, jogo que quer arriscar uma chance em ser pro player.

As streams, investimento maior de seu tempo, continuam arrecadando fundos para o tratamento contínuo de remédios para o seu irmão, além de condições melhores para a família e para pessoas que necessitam. “Uma parte guardo, outra ajudo a minha família e outra tento ajudar quem precisa”, diz BRlk. O streamer, inclusive, doou para quem o inspirou a começar sua caminhada, o streamer Sparda.

O donate de RS 900 mil reais foi feito de forma anônima na última stream. O doador já entrou em contato (ainda anonimamente) para reiterar que não é fake e não estornará o dinheiro. Emocionado, acordou a mãe, que também não acreditou na história quando foi contada, mas se emocionou de igual ao correr para o computador do filho, com os olhos marejados.

“Por incrível que pareça, qualquer coisa que viesse depois da arrecadação inicial para o meu irmão seria algo a mais. Vai mudar a nossa vida e nos dar mais conforto. Pretendo investir uma parte, guardar outra para os tratamentos do meu irmão e usar uma outra para ajudar outras pessoas que necessitam”, completa.

Na noite de quarta-feira, 15 de julho de 2020, BRlk continuava a sua vida com mais um leão pela frente. Na noite deste quinta-feira, 16 de julho, o panorama não mudou. Dinheiro não importa para o hoje milionário catarinense, e não por conta das cifras. Sua história fala por si só, assim como o choro de um garoto que aos 18 anos, talvez pela primeira vez, pode erguer os dedos para o céu, fechar os olhos que insistiam em derrubar lágrimas e cantar com o refrão de sua música.

“Sou vitorioso”.