O mito do Super-Homem, indiscutivelmente, está entre os mais relevantes, bem trabalhados e conhecidos do século 20. A história do último sobrevivente do planeta Krypton, adotado por Jonathan e Martha Kent, que desenvolveu poderes fantásticos e assumiu a proteção do planeta, adotando Metrópolis como base de operações, já foi narrada em inúmeras mídias. Surgiu com força avassaladora nas histórias em quadrinhos, passando para o rádio, o cinema, a literatura, as tiras de jornal e a televisão. Personagens como Lois Lane, seu eterno amor, e Lex Luthor, seu arquiinimigo, também figuram no imaginário coletivo. Com a mesma história tendo sido contada, na maioria das vezes com muita competência, fica difícil acrescentar algo. Ainda assim, foi o que fez o romancista Tom de Haven, no livro de capa dura Its Superman - A Novel, lançado em 2005, nos Estados Unidos. O resultado é um romance contundente, apesar de alguns problemas inevitáveis, que merece ser conferido pelos fãs do personagem e de histórias extraordinárias com apelo humano.

De Haven é um apreciador confesso das histórias em quadrinhos, fato comprovado em seus trabalhos anteriores. Em Funny Papers - A Novel, ele explorou o surgimento das tiras de jornal no século 19, e novamente tratou da evolução da arte seqüencial na trilogia Derby Dugan. O primeiro aspecto a ser destacado sobre Its Superman é o fato de a história estar situada na década de 1930, período real da criação do personagem, além da Grande Depressão econômica que abalou o mundo. Outro ponto importante é a opção pelo realismo extremo, tanto nas situações quanto no idealismo e nas caracterizações dos personagens. O conjunto de fatores gera um resultado interessante, mas não explora plenamente seu potencial. A ambientação histórica foi uma grande sacada e funciona muito bem. O autor fez um trabalho de pesquisa cuidadoso, e consegue transmitir as aspirações, inseguranças e o sentimento geral da década abordada. Além disso, é fato que foi justamente o momento de crise que resultou na aceitação de um salvador capaz de atender às nossas súplicas. Tal elemento, contudo, aparece de minimizado, pois o caráter messiânico do Último Filho de Krypton parece deixado de lado. Porém, seu trabalho com os personagens centrais merece destaque.

A trajetória do jovem Clark Kent em Smallville, descobrindo seus poderes, vem sendo trabalhada no seriado televisivo que leva o nome da cidade, esteve presente no filme Superman (1978) estelado por Christopher Reeve e dirigido por Richard Donner, na série animada de 1990, e mesmo na literatura, foi muito bem apresentada nos livros de Elliot S! Maggin. Nos quadrinhos, John Byrne, Jeph Loeb, Joe Kelly e Mark Waid já contaram suas versões em tempos recentes. A proposta de De Haven foi não se prender a nenhuma versão anterior, mas contar sua própria história. Sem dúvida, a decisão mais acertada. Logo de início, nota-se a ausência de qualquer menção ao planeta Krypton e sua herança galáctica, bem como dos personagens consagrados Lana Lang e Peter Ross, com nomes desconhecidos em seus lugares. O ponto de partida da trama é um encontro romântico na juventude de Clark, no qual ele é baleado por um criminoso e, obviamente, as balas ricocheteiam. A confusão do herói é bem trabalhada, o fato de sentir-se diferente e sozinho no mundo, essencial à sua mitologia, está presente. Detalhes como sua dedicação ao jornalismo e à leitura, com atenção à gramática e estrutura textual, e apreço por ficção científica envolvendo extraterrestres e robótica são um deleite à parte. A participação de seus pais também é marcante, especialmente por tratar de crenças espirituais.

Lois Lane e Lex Luthor são apresentados logo nos capítulos iniciais, e suas encarnações aproveitam um pouco de cada versão mais conhecida. Cabe aqui expor mais uma modificação na lenda: a cidade de Metrópolis é substituída por Nova York, embora seja mantido o jornal Planeta Diário. Lois é a jornalista dedicada e competente que todos nós admiramos, tendo avançado quatro anos do colégio para concluir a faculdade ainda adolescente. No caso de Luthor, a opção pelo realismo acaba tirando um pouco do apelo do personagem, já que a genialidade científica sempre foi um ponto forte. Foi criado para o livro um novo personagem que cobre o aspecto das ameaças tecnológicas; no caso, robôs. Luthor é um político influente que conta com a confiança da população. Na verdade, um líder do crime organizado eliminando facções rivais, com múltiplas identidades e operações em andamento simultaneamente. Willian Berg é o personagem novo de grande importância, um fotógrafo que descobre a verdade sobre Luthor, é incriminado pelo vilão e acaba tendo participação decisiva na vida de Clark Kent. Torna-se pertinente, pois, avaliar em que momentos a mistura de gêneros funciona bem, e onde deixa a desejar.

Após a apresentação dos protagonistas e do conflito inicial, fica claro que a narrativa perde o fôlego. Isso ocorre justamente nas subtramas envolvendo Lex Luthor, seu envolvimento com a política e o crime. Contribui para isso a miríade de personagens secundários que começam a pipocar, tomando bastante espaço que poderia ser aproveitado com o desenvolvimento de Clark e Lois. O problema não está na intenção, mas na total falta de carisma dos coadjuvantes. Deixa-se de se importar com eles, ao ponto de se desejar pular páginas até que apareça algo mais atraente. Boa parte do livro carece de tensão dramática, de senso de urgência e reviravoltas que realmente impressionem, apresentando-se prosaico e cansativo. Porém, quando o autor volta o foco para a evolução de Clark Kent e seus superpoderes, e a relação com Will Berg e Lois, o texto retoma sua força. Além de mostrar com desenvoltura o advento do Super-Homem, temos uma história sobre amizade, relacionamentos adultos e amadurecimento. Como boa interpretação da origem do personagem, um homem confuso e inseguro em relação a suas próprias capacidades buscando seu papel no plano maior da vida. Quando surge o conflito final e o suspense atinge o ápice, a leitura satisfaz.

Inúmeras são as liberdades tomadas por De Haven em relação às versões conhecidas da história do Super-Homem, envolvendo, por exemplo, a origem do uniforme e seus relacionamentos amorosos. Se fosse revelado como roteiro de um novo filme, é certo que já teríamos fãs protestando e ameaçando boicotar a produção. Mas a reação seria exagerada. Sem dúvida, não temos uma adaptação literária das versões conhecidas, mas uma história inédita inspirada na mitologia do herói. Um dos méritos da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster é justamente permitir adaptações diversas. E em Its Superman, a essência está mantida, ao lado de grandes sacadas como a relação final com Lex luthor. Esta pode não vir a figurar entre suas versões preferidas, mas certamente tem mérito próprio e a capacidade de atrair novos fãs. A diversidade deve ser explorada. E em qualquer mídia, uma história que nos faça refletir sobre os ideais do Super-Homem é sempre bem-vinda.