O piso rouxinol

Lian Hearn
A relva por travesseiro

Lian Hearn

Belo, embora banhado em sangue.

A descrição acima resume bem A saga Otori, romance em três volumes, que merece ser lido de ponta a ponta.

A história começa com Takeo falando de sua existência calma nas montanhas, longe das disputas de clãs de seu país, pouco antes delas alcançarem-no e mudarem sua vida. Como todo herói, ele deixa tudo para trás a fim de viver como filho do Sr. Otori e enfrentar a missão de sua vida. Descobre também ser possuidor de poderes quase sobrenaturais, tais como tornar-se invisível, ou caminhar sem ruído sobre o piso-rouxinol do primeiro volume.

A trilogia enfoca também outra personagem, Kaede, mantida refém para garantir a fidelidade de seu pai ao clã Tohan, inimigo dos Otori. Um peão político que se apaixona por Takeo, marcada pela morte de dois homens que se interessaram por ela. O Japão mítico criado pela autora, no entanto, não é lugar para um conto de fadas, e o romance entre Takeo e Kaede está longe de encontrar espaço entre as famílias que se enfrentam num jogo de alianças forçadas e ameaças que pendem sobre a cabeça de cada um.

Ainda que sem a inclinação necessária à função de assassino, Takeo pode contar com seus poderes para atingir seus objetivos. Enquanto isso, Kaede tem apenas a independência construída à força durante seus anos de cativeiro para guiá-la no cuidadoso teatro que monta para manter suas terras e reivindicar a herança.

É um mundo de constante queda-de-braço em busca do poder, onde cada ato gera conseqüências e pode ser o último. O clima de mistério envolve o leitor, que aguarda os enigmas do terceiro volume, que só chega no segundo semestre.

O maior mistério de A saga Otori, no entanto, é sua autora, que escreve sob pseudônimo. Os jornais australianos declaram em alto e bom tom que por trás de Lian está Gillian Rubinstein, autora de mais de trinta livros infantis. As pistas de sua identidade, usadas pela imprensa local são confirmadas numa das poucas entrevistas que ela concedeu, obviamente por e-mail. Lian é um apelido de infância (bastante adequado a alguém chamada Gillian), e serve como novo começo à escritora, separando Otori de suas obras anteriores (o que prova que ela já tem livros publicados em outro gênero). Além disso, Lian e Gillian compartilham o mesmo agente literário. Para completar, o site da Asialink Foundation informa que Gillian Rubinstein retornou ao Japão em 1999 para trabalhar num românce do gênero fantasia histórica baseada na cultura e história japonesa. Não é preciso sequer somar dois e dois.

Ainda assim, a autora permanece oculta nessa era de coletivas e tardes de autógrafos. Tudo isso pode mudar caso a Universal coloque em movimento o projeto de adaptar Otori ao cinema. Se bem produzido, o pode criar para a tela uma história visualmente rica e poderosa do ponto de vista emocional. Infelizmente, para o projeto, todos as personagens são japonesas, sem nenhum ocidental como O último samurai para adoçar as bilheterias. Seria bom poder acreditar que o estúdio tenha coragem para tanto.

O Piso-Rouxinol e A relva por travesseiro, respectivamente a primeira e segunda parte da trilogia A saga Otori, são publicações da Martins Fontes.