A caixa vermelha, de Rex Stout (Companhia das Letras)
A verdade sobre os bebês, de Ian Sansom (Editora Barracuda)
Todas as festas felizes demais, de Fabio Danesi Rossi
(Editora Barracuda)

Insônia? Dá uma lidinha em um livro que você pega no sono em dois segundos! Não é raro ouvir esse conselho. Também não são raras as vezes em que ele realmente dá resultado. Mas por que ler dá sono em tanta gente? Não sei. Há de se perguntar a psicólogos e estudiosos no assunto. O que conheço são alguns elementos que funcionam como verdadeiros gatilhos do sono.

Um deles é extensão exagerada, seja do que for. Frases, parágrafos e capítulos longos demais cansam. Outro problema é chatice/mesmice do tema tratado. Há um outro agravante: linhas com pouco espaçamento que acabam se embaralhando com o lento piscar dos olhos. Capas insossas também provocam desânimo e preguiça. Então, para impedir que os leitores mais sonolentos babem em suas páginas, aí vão dicas de livros-despertadores.

Um detetive-de-poltrona

E, para abrir o apetite, nada melhor que uma boa história de detetive. Importante notar que essa é a primeira vez que digo/escrevo essa frase. Tramas detetivescas nunca me seduziram. Até Nero Wolfe entrar em minha vida... Ele e seu fiel investigador-secretário Archie Goodwin. Os dois lendários personagens foram criados pelo escritor americano Rex Stout (1886-1975) e protagonizaram mais de 70 romances.

Amante das orquídeas e de uma boa cerveja, Wolfe é um detetive gourmet que se recusa a mudar seus hábitos e horários, mesmo diante de um crime a ser resolvido. E mais, abomina sair de casa. Ele estava convencido de que respirar ao ar livre podia obstruir os pulmões, [...] que ser submetido a sacudidelas e solavancos provocava curto-circuito em seu sistema nervoso, explica Archie, side-kick de Wolfe que tem como uma das funções sair a campo para recolher provas. Observe o meu volume corporal. Não sou incapaz de me mover, mas a minha carne tem uma aversão inerente ao deslocamente repentino, violente ou continuado, diz o próprio Wolfe recusando um convite para sair de casa e investigar um assassinato.

Mas é justamente em A caixa vermelha (Companhia das Letras), terceiro livro da dupla de detetives criada por Stout, que o milagre acontece. Wolfe sai de casa pela primeira vez e, sem parar de reclamar, começa a reunir pistas para desvendar o envenenamento de uma bela modelo. Metódico e excêntrico, ele irrita todos os envolvidos - do chefe da polícia ao seu próprio cliente. A trama envolve duas caixas, uma contendo um chocolate mortal e outra, vermelha, cujo conteúdo é desconhecido mas, certamente, irá ajudar a decifrar os crimes em questão.

A genialidade de Wolfe e sua incrível capacidade de dedução e lógica são, teoricamente, as estrelas do livro. Mas o que o torna realmente estimulante são as observações sarcásticas de Archie e personagens tão singulares quanto o detetive-de-poltrona. Quando entrou, percebi que eu não perdera muita coisa. Era do tipo idiota de vitrine. [...] A única coisa que dava para ver em seus olhos era que a sua auto-estima quase lhe doía, pensa Archie ao encontrar um promotor assistente pela primeira vez. E são justamente suas brilhantes primeiras impressões sobre as pessoas que fazem dele muito mais que o narrador da história.

Um dos personagens secundários que merece destaque é Fritz Brenner, o chef particular de Wolfe. Quando anunciava o almoço, tudo deveria ser deixado de lado. Archie, por diversas vezes, ficava inconformado com as longas horas que aquele gordo safado gastava com o cozinheiro discutindo a qualidade dos ingredientes de um goulash ao invés de analisar os elementos de uma investigação. E resmungava Por conta da sólida crença [de Nero Wolfe] de que somente os pratos preparados por Fritz Brenner são dignos de serem comidos, morreria de fome se algo acontecesse ao seu chef.

O livro de Rex Stout afugenta qualquer sono. Seu único percalço é ter de desviar de algumas palavras que parecem ter sido tiradas de um dicionário obscuro, tais como fricandó (um assado recheado) ou chicana (tramóia), mas nada que abale o enredo envolvente de A Caixa Vermelha.

Parece mas nem de longe é

Escorregões na tradução passam longe do segundo livro-despertador aqui sugerido: A verdade sobre os bebês - de A a Z (Editora Barracuda), do autor e jornalista Ian Sansom. Aliás, ser britânico e escrever para o The Guardian já me faz dar a Sansom uma vantagem na largada. Mas vou (tentar) deixar preferências pessoais de lado para falar de seu primeiro romance...

A obra já deixa qualquer um aceso(a) logo na capa. Toda colorida, mostra uma mãozinha fofa de um bebê segurando em um brinquedo de madeira. Mas ignore essa sensação de que vai começar a ler um manual para grávidas e ouse abrir na primeira página. Você não vai se arrepender. E não vai dormir também. Não até chegar à página 316, que abriga Zero, o último verbete do livro.

São 234 ao todo. Os temas variam de acordo com a idade do bebê, a hora da noite (ou da madrugada), a paciência do pai/escritor, o grau de obsessão ou estranhamento ou reflexão que ele sente em relação ao filho recém-nascido. Assim, há verbetes engraçados (Queixo), realistas (Descanso), um pouco tristes (Supermercados), reveladores (Ironia)... Juntos, eles te aprisionam até a última virada de página. Te fazem rir, erguer a sobrancelha de espanto, pensar e conseguem até fazer brotar aquela famosa lagrimazinha no canto do olho. Mesmo que você não tenha ou nem esteja interessado em ter filhos.

Uma das melhores descobertas ao folhear A verdade sobre os bebês é perceber que agora é patente: o crescimento dos filhos não é mais responsabilidade exclusiva das mães. E a enxurrada de emoções que isso provoca no autor é, no mínimo, reveladora: Aos nove meses você começa a se arrastar pelo chão, deslizando de barriga como uma cobra. Usando fralda, com o rosto sujo e dando risada, é satânico ou As escolhas se multiplicam: quando vesti-lo, quando trocá-lo, quando lhe dar papinha [...]. É possível que em breve pais poassam escolhar o sexo, a cor do cabelo e outras características do filho ainda não nascido. A gente achou difícil escolher um carrinho.

E mais descobertas paternas: Nós compramos Tupperware. Diariamente, agradeço a Deus por Earl Silas Tupper e suas embalagens de plástico leves e flexíveis, que às vezes desembocam em prazeres inesperados: Você tem seis meses. Vamos ao cinema. Esqueci o que estava perdendo. Não os filmes. Filmes a gente pode ver em vídeo. O que eu sentia falta era dos tiros de armas automáticas em volume alto e surround-sound. Sangue, suor, pipoca, lágrimas. Halitose. Mãos dadas.

Grande parte dos verbetes são permeados por citações de grandes pensadores, cientistas, cineastas... De Freud a Hemingway, passando por Woody Allen e Edgar Allan Poe. Muitas delas são verdadeiras surpresas, como Darwin discorrendo sobre o choro infantil. Mas se elas - as citações - poderiam tornar a leitura pesada ou até intelectualóide, o autor soube como usá-las a seu favor. Quase tudo o que li sobre pais é falso: é tudo falso. Quando leio algo verdadeiro sobre pais eu anoto. E certamente colocou suas melhores anotações no livro, não só as sobre pais, mas também sobre crianças.

Depois de virar a última página, sobra uma dúvida: quero ter um bebê ou escrever um livro como esse? A certeza é que A verdade sobre os bebês é como um recém-nascido chorando, que não te deixa dormir (mas você o adora).

Peixe novo na Rede

Livros de consumo rápido, dinâmico e que podem ser abertos ao léu (pois não há uma sequência obrigatória na leitura) são características da Editora Barracuda, que, criada este ano, já publicou seis livros, incluindo A verdade sobre os bebês e um outro achado literário: Todas as festas felizes demais, de Fabio Danesi Rossi.

Em ambas as obras, vale a brincadeira de abri-las ao acaso e ver o que acontece. A boa e divertida leitura é garantida. Esse é aliás um ótimo jeito de avaliar quão bom é o livro. O primeiro teste com Todas as festas é puro deleite: (página 38) Outro dia passei no Planetário. Porta fechada. Material de construção à vista. Uma placa. Universo fechado para reforma. Nada mais precisaria ser escrito aqui, né?

Fabio é, na superfície, quase um Seinfield. Escreve sobre o nada. Rotinas, algumas memórias, pessoas anônimas, crianças indo para a escola, um par de tênis. Mas cavando um pouco mais, percebe-se que ele vai além. Suas histórias são enxuta, vão de 10 palavras a no máximo seis páginas. Ao cortar palavras, parece colocar mais significado por trás delas.

Simples memórias sobre uma mulher que não poderia ter sido perdida se transformam em arrependimento e depois caem de novo na realidade. Ê pai. Você é foda. Crianças reclamando a caminho da aula, seguidas de uma triste revelação. Uma idéia de visitar ao Simba Safári cancelada. Ter filho é levar essa história de tamagochi longe demais. E mais um choque no final do capítulo.

Pouco menos de 100 páginas cheias de crônicas e contos um pouco amargos, irônicos, muito debochados e estranhamente ternos, sempre imbuídos em uma sinceridade gritante. Por isso, se tiver de acordar cedo amanhã, passe longe de Todas as festas.

Mais Bookends* - Clique aqui

* Bookends = objeto usado, geralmente em pares, para manter uma fila de livros em pé, tudo organizadinho na estante :o)