Princesas do mar, de Fábio Yabu (Panda Books)
Paralelos - 17 contos da nova literatura brasileira (Editora Agir)
Antes que anoiteça, de Reinaldo Arenas (Editora Record)

Coluna atrasada dá nisso. Vários livros injustiçados. Livros que de tão bons deveriam ter sido resenhados meses atrás, assim que chegaram às prateleiras... Ok, chega de blábláblá, tentarei me redimir.

Mulheres e crianças primeiro, certo? No caso, um livrinho infantil que é um encanto. Princesas do Mar, de Fábio Yabu (o pai dos Combo Rangers) não precisa de nenhum embrulho. É o presente ideal para suas sobrinhas, priminhas e afins. Pode escrever: são as nossas Meninas Superpoderosas. Isso porque, como as Power Puff, elas agradam às menininhas e também àquelas que não têm mais idade de ter um chaveiro com motivos infantis, mas têm. As Princesas protagonistas também são três, Polvina, Tubarina e Estér. As comparações, entretanto, acabam por aí.

Um bom livro infantil entretém as crianças, que são muito mais difíceis de entreter do que um adulto. Um ótimo livro infantil diverte a criançada e ensina lições, mas, claro, sem que elas percebam. E é esse justamente o grande trunfo de Princesas do Mar. Noções de ecologia, preservação ambiental (no caso, dos oceanos) e valores como a amizade são estrategicamente costurados à história, mas de forma tão leve que não correm o risco de serem confundidos com sermões.

Tudo gira em torno das três princesinhas (cada uma representando seu reino por suas coroas) que, logo no primeiro dia de aula, ficam sabendo de um segredo que vai atiçar a curiosidade delas: existe um lugar chamado Terra Firme. Éster, louca para ver qual é a desse novo mundo, resolve tirar a cabeça dágua e dar uma bisbilhotada. E é então que a aventura - e os problemas - começam de verdade. Mesmo as crianças acima de 20 anos vão deixar escapar um sorrisinho ao se imaginar jogando futebolha ou mergulhando em uma piscina de bolinhas feita de pérolas.

A união faz o livro

A segunda injustiça da coluna não é tão injustiçada assim, já que o livro ainda figura na frente das prateleiras de lançamentos das livrarias. O subtítulo de Paralelos - 17 Contos da Nova Literatura Brasileira já anunciava o que estava por vir: um livro maníaco-depressivo. Isso mesmo, coletânea de novos autores é sempre assim, cheia de altos e baixos. Restava saber se predominariam os altos ou os baixos...

O primeiro conto, Peixe Homem - Motor de pernas secas, de Antonia Pellegrino, foi no mínimo animador. Sua história bizarra fala sobre um homem que ganhou fôlego extra e agora permanecia mergulhado por 115 voltas em seu apartamento que virou mar. Dá gás para continuar a leitura.

E a próxima parada é Goteira, por Francisco Slade, cuja tese é a de que a adaptação é a maior dádiva que o ser humano possui. Narra a vida de um homem na qual os dias iam se depositando um sobre os outros. Ele mora em um pequeno apartamento com seu irmão há mais de duas décadas. Ah, não é fácil mas já há muitos anos que não há incômodo. Sua fórmula é precisa: basta que o cotidiano de um no atrapalhe o do outro. O dia-a-dia vai se repetindo sem desviar um milímetro ou um segundo de sua rota. Até que a impiedosa rotina é quebrada. O irmão deixa de pagar a conta de luz - sua responsabilidade. Em pouco mais de meia página, um desfecho daqueles que grudam em sua mente por dias a fio. E, de tempos em tempos, voltam a visitá-la.

Só vou dar mais uma balinha, para não tirar a graça do pacote todo, que logicamente com 17. Ela leva o nome de O Homem dentro da Caixa de Sapatos e foi escrito por Mariel Reis. Adoro a estratégia de escrever sem usar uma única vez a palavra que é o assunto ou o personagem do texto. Nesse conto, temas como rejeição e ciúme não aparecem explicitamente em nenhum dos quinze parágrafos. Não precisa, estão em todos eles. O mesmo acontece com o protagonista. Mas passagens inteligentes como: Dobrado como uma camisa recém-saída de uma loja, percebo o quanto é estreita e escura a caixa de sapatos onde estou guardado e O ar parecia me faltar e me senti esvaziado naquele momento não deixam muitas dúvidas.

Tão perto, tão longe

E pra terminar, uma promessa (ai, ai, ai!). Cometemos uma enorme injustiça com nossos vizinhos escritores. Sim, eles mesmos, os latinos. Ah, mas eu já li vários García Márquez!. Ok, o que mais? Viu? Por isso, toda coluna vou falar de um argentino, um colombiano, um chileno... Assim, a gente pode conhecer melhor nossos hermanos.

Pra começar, falarei do cubano Reinaldo Arenas. Quem não o conhece como autor, certamente o reconhece na pele do ator Javier Bardem em Antes que anoiteça. O filme leva às telas (e às massas) a autobiografia de Arenas. Um homem que ao chegar no final de sua vida conseguiu a extraordinária proeza de perdoar seus amigos. Amigos que o entregaram à polícia de Fidel, que queimaram seus manuscritos logo após prometerem que o guardariam em um lugar seguro, que o ignoraram, o traíram, que viraram as costas (e a casaca) quando a situação apertou. Não fiquei muito surpreso com o fato de Hiram Prado ter sido um delator; depois de viver tantos anos sob aquele regime, eu aprendera a entender como a condição humana vai se desaparecendo aos poucos entre os homens e o próprio ser humano acaba se deteriorando para sobreviver; a delação é algo que a imensa maioria dos cubanos pratica diariamente.

E um perdão como esse fica ainda mais sublime se pensarmos na vida de Arenas. Sem nunca ter conhecido o pai, cresceu com a mãe, avós e tias em uma casa destrambelhada no campo. Passava o dia pendurado em árvores, correndo pelos barrancos, se aventurando até a margem do rio. Fazia tudo isso, na maioria das vezes sozinho. Assim, para não se entediar, criava uma série infinita de canções que [...] eu encenava pelos campos. A estranha cantoria teatral (sobre a qual afirma que só não as escrevia porque ainda não era alfabetizado) lhe proporcionava uma estranha sensação de paz. Outro de seus passatempos favoritos era dar vazão à sua voracidade sexual. Éguas, galinhas, porcas, cães, árvores, seu tio Rigoberto... eram todos objetos de sua pansexualidade mesmo antes dos 10 anos de idade. Na adolescência, tinha várias namoradas, mas aos 13 gostava mesmo era de ir ao cinema com Carlos.

Aos 14, em 1958, ele não mais suportava a vida no vilarejo para o qual sua família havia mudado. Resolveu então juntar-se aos rebeldes de Fidel Castro, mas nunca chegou a ir a Sierra Maestra, já que sem uma arma não teria serventia para os revolucinários. Depois, ganhou uma bolsa para estudar economia agrícola e acabou indo para Havana. Na capital, ele venceu um concurso literário e como prêmio ganhou um emprego na Biblioteca Nacional, onde foi extremamente bem acolhido e se transformou no protégé de dois dos maiores escritores cubanos de todos os tempos, José Lezama Lima e Virgilio Piñera. Publicou diversos livros, principalmente na França e em outros países latinos. (Em Cuba, apenas um, até hoje.)

A partir daí, o proeminente escritor gay que havia conseguido contrabandear seus manuscritos e publicá-los fora da Ilha começou a ser perseguido sem trégua. Sem dinheiro, nem chances de trabalhar, sofreu privações de todos os graus. Foi proibido, por exemplo, de entrar no mar(!): Por ordem do governo, só podiam ir à praia os trabalhadores sindicalizados com a mensalidade em dia. Como eu não possuía emprego, nem podia aproximar-me de nenhuma das praias, só me restava sentar no dique em frente ao mar. Seu fundo do poço, entretanto, levava o nome de El Morro, a mais cruel prisão do país. Enfrentou um escabroso caminho até chegar em solo americano. E o que foi feito de mim? Depois de ter vivido 37 anos em Cuba, estou agora no exílio, padecendo de todas as desgraças dessa situação e esperando uma morte iminente. Por que tanta fúria contra todos nós que um dia quisemos romper com a tradição trivial e com a monotonia cotidina que têm caracterizado nossa Ilha?

Mas seu vigor, sua perspicácia e suas crenças não se esmoreceram totalmente. Logo que chegou a Miami, declarou que a diferença entre o sistema comunista e o capitalista é que, embora os dois nos dêem um chute na bunda, no sistema comunista a gente leva o chute e tem que bater palmas; no capitalista, a gente também leva, mas pode gritar. E vim aqui para gritar.

Ok, antes que eu continue a me estender mais do que deveria, um alerta. Pense duas vezes antes de começar a ler a biografia de Reinaldo Arenas. Primeiro porque suas convicções e elogios (se você os tiver) ao regime de Fidel vão, certamente, ser abalados e, possivelmente, cair por terra. O outro motivo pelo qual deve-se refletir bem ao abrir Antes que Anoiteça é o fato de a leitura ser extremamente compulsiva.

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* Bookends = objeto usado, geralmente em pares, para manter uma fila de livros em pé, tudo organizadinho na estante :o)