Você está caminhando sozinho num corredor escuro. Seu coração bate forte, a lanterna está falhando e a respiração está ofegante. Tem alguma coisa vindo, algo escondido nas trevas à sua frente (ou será que está atrás de você?). Sem saída, você corre para um armário e se tranca ali, torcendo pro zumbi, alien, demônio ou monstro que anda do outro lado da porta passar sem te perceber. Há um frio ao redor da sua cabeça, seus olhos estão arregalados. Você sente medo, mas mais importante: você se sente vivo.

O cenário descrito acima pode ser aplicado a uma série de jogos de terror como OutlastAmnesia: The Dark Descent Resident Evil. Nos últimos anos, o gênero tem visto uma renascença. A combinação do crescimento da cena indie com vídeos de sustos engraçados no YouTube injetou nova vida ao mundo dos games assustadores. É através de linhas de programação e motores gráficos que estão surgindo os grandes mestres do medo modernos. 

"Eu acho que estar assustado te faz se sentir vivo," disse Phillippe Morin, co-fundador da Red Barrels, desenvolvedora da franquia Outlast, em entrevista exclusiva ao Omelete. "Apesar de você não estar jogando algo real, a emoção é real. É o mesmo conceito de montanhas russas. Você sabe que você não vai morrer, mas o sentimento de cair é real. Você recebe um pico de adrenalina e para algumas pessoas isso é muito viciante." 

O que Morin está falando se encaixa numa teoria muitas vezes ligada ao terror. A Excitation Transfer Theory argumenta que receber um estímulo forte vai aumentar ainda mais a resposta do indivíduo ao estímulo seguinte. Quanto mais você odiar o vilão de uma história, maior será sua satisfação ao vê-lo derrotado. Quanto maior for sua expectativa para algo, mais dura será sua decepção caso o produto final seja ruim. E, claro, quanto mais assustado você estiver, mais delicioso será o prazer de chegar numa zona segura em um game. 

None

Isso é visto com clareza no design dos jogos de terror. A alegria de encontrar uma bateria para sua câmera em Outlast ou quando uma caixa de munição aparece na hora certa e no lugar certo em Resident Evil são exemplos perfeitos deste princípio. O medo primal, instintivo e visceral, junto com o alívio que o segue, funcionam quase como drogas em nossas mentes, como nos explicou Masachika Kawata, produtor de Resident Evil 7: biohazard na Capcom

"Seja em filmes ou música, eu acho que muito entretenimento vem de experimentar algo emocionante e diferente do cotidiano. O gênero de terror deixa as pessoas enfrentarem a morte de perto, então eu acho que ele desperta algo profundo dentro da consciência de uma pessoa,” disse Kawata. Thomas Grip, diretor criativo na Frictional Games, criadora de Amnesia: The Dark Descent, também acredita que os jogos de terror tocam no interior das pessoas.

"Eu acho que terror é muito parecido com comédia. Ele nos dá um espaço seguro para tocar em algo importante, mas que normalmente é um tabu. Os melhores filmes de terror não são só assustadores, eles também dizem algo sobre nós como humanos,” ele disse, falando com o Omelete. “Terror desperta todo tipo de medo que há dentro de nós, nos forçando não só a enfrentá-los, como também pensar sobre eles.”

A nova era do medo

Grip é um dos grandes responsáveis pelo estado do gênero atualmente. Com o indie Amnesia: The Dark Descent, a Frictional solidificou o estilo de jogo de terror em primeira pessoa que agora está sendo adotado até por títulos AAA. Por que o game encontrou tanto sucesso, sendo adotado por YouTubers pelo mundo afora na hora de criar vídeos, e despertando a curiosidade de milhares de pessoas? Ele nos deu sua visão da situação:

None

Eu acho que é em parte porque nós conseguimos criar algo que conseguiu trazer uma experiência de medo mais pura,” explicou Grip. “Você podia jogar Amnesia só porque queria se sentir como um protagonista de uma história de terror. Eu escutei de várias pessoas sobre como eles tinham essas noite de Amnesia onde vários amigos se juntavam e jogavam com a intenção de apenas ficar muito assustados.” 

Com o tempo, a Frictional Games está se tornando uma referência em termos de deixar as pessoas assustadas. Seu jogo mais recente, SOMA, foi uma prova disso. Grip nos contou algumas lições valiosas que eles aprenderam depois de Amnesia. “Meu maior aprendizado foi o quão importante a narrativa é para a experiência do jogo. Eu não quero dizer coisas como mitologia ou diálogos, mas como o jogador interpreta o jogo e seu sistema… Muitas vezes, a história é vista como uma camada em cima do seu jogo. Mas o que trabalhar em jogos e terror me ensinou é como ela pode ser integrada ao gameplay.”

Grip diz que o mercado do medo está indo numa boa direção, mesmo não vendo a inovação que o fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 trouxeram através de Silent Hill, Fatal Frame e Siren, o desenvolvedor está feliz em ver os estúdios se afastando dos tiroteios e criando experiências mais puras. Este progresso, ele acredita, veio em boa parte por conta dos indies. 

Jogos de terror não precisam de sistemas profundos ou mundos complicados para funcionarem, eles só precisam que você acerte a atmosfera. Isso não requer muito orçamento e permite que desenvolvedores pequenos tenham um grande impacto,” cravou o diretor criativo da Frictional. 

Morin, que atualmente está trabalhando em Outlast 2, concorda com isso, e vê o trabalho de Grip em Amnesia como um dos grandes responsáveis pela nova era do medo. “Eu acho que jogos de terror estão vivos por causa do cenário indie,” ele admitiu. “Até onde eu sei, Amnesia: The Dark Descent preparou o caminho. Ele nos lembrou que ainda existe uma audiência para o gênero por aí. Distribuídoras grandes deixaram o terror porque não conseguiam atrair as massas. Os estúdios independentes podem ficar bem felizes com um lucro bem menor.” 

Indo mais além

Eu acho que podemos ir mais além,” nos disse Morin, que ainda não está satisfeito com o estado dos jogos de terror. “Comparado aos filmes, jogos não foram muito longe em termos de explorar certos temas e situações. Terror é incrível porque permite que você vá aos extremos, mas na indústria dos games somos instruídos a agradar das massas. Jogos de terror não deixam ligar pra isso. Jogadores que curtem terror querem emoções duras e é nisso que precisamos focar. Com sorte, Outlast 2 vai entregar isso.” 

Esse desejo de se aprofundar e quebrar o tabu é algo que Morin e a Red Barrels estão tentando fazer com Outlast 2. O jogo, cuja demo já está disponível no PS4, Xbox One e PC, lida com satanismo, infanticídio, religiosidade e fanatismo. Em outras palavras, um prato cheio para organizações que querem vender a ideia de que games são produto do capeta.  

Não é fácil dar mais informações sem revelar para onde o jogo está indo, mas eu posso dizer que o conceito maior de Outlast é colocar o jogador num contexto onde ele não tem controle, enquanto tem que lidar com pessoas que são extremamente motivadas,” explicou Morin. “E nós gostamos da ideia de criar uma experiência que deixa espaço para interpretações baseadas em suas crenças ou filosofias. Eu acho que dúvidas são essenciais para o gênero. Quando você está em dúvida, você está desconfortável e desequilibrado. Torna o terror bem mais eficaz.”  

Tocando a mente dos jogadores 

Um dos times que quer fazer isso é a Capcom, que está trazendo Resident Evil de volta ao survival horror com Resident Evil 7: biohazard. Segundo Kawata, este retorno ao horror é uma das melhores maneiras de celebrar os 20 anos da franquia.

 “Nós queríamos revisitar e focar no terror, já que concluímos que essa seria a forma mais adequada de celebrar nosso 20º aniversário,” ele nos disse. “Sem falar que nós concluímos que seria de acordo com o que os fãs gostariam de um título numero da série também. Até então, os fãs têm recebido bem este retorno ao terror, então estamos muito animados para dar a eles uma experiência totalmente nova e focada em terror.”

Kawata nos explicou que um dos grandes trunfos do terror é criar uma conexão singular com a pessoa que está com o controle nas mãos. “Pessoalmente, eu acho que o gênero de terror deve ser um dos gêneros onde precisamos ser empáticos com o jogador, em termos do que eles sentem enquanto jogam. Como desenvolvedores, precisamos mesmo pensar na jornada emocional que o jogador enfrenta, e eu acredito que o gênero do terror é um ótimo canal para criar uma relação simbiótica entre o jogador e o desenvolvedor.” 

E como fazer isso? O produtor acredita que você só precisa dar o empurrão inicial. O resto vem com o jogador. “Eu acho que é importante criar uma situação e personagens que criem um ambiente de terror, mas eu acredito que talvez seja mais importante dar ao consumidor espaço para que sua imaginação corra livre,” ele nos explicou. “O desconhecido é um componente vital para criar um sentimento de medo em alguém. Como resultado, nós adotamos a estratégia de não entregar muito ao consumidor, para que eles tenham uma experiência nova e fresca jogando o jogo e apreciando toda reviravolta."

A filosofia do desconhecido é um dos grandes pilares do gênero, e foi fundamental para a Frictional em Amnesia.  “Houve muitos jogos antes de Amnesia que eram muito assustadores - Fatal Frame, Siren e Silent Hill para citar alguns - mas todos eles tinham um gameplay muito árduo que tornava a experiência menos pura,” opinou Grip.Amnesia é quase um pouco chato de vez em quando [em termos de gameplay], e requer que você traga sua imaginação junto para jogá-lo direito.”

“A regra central é: deixe os jogadores se assustarem,” ele concluiu. “Não force os sustos neles. Construa o terror dando dicas de vários perigos e deixe os jogadores pensarem em que coisas terríveis podem surgir quando eles virarem esta esquina.”