São 10 horas da manhã em Camden e estou em uma praça com vista privilegiada para a Tower Bridge, um dos cartões-postais de Londres. Meu personagem, Foday, se veste como espião da cabeça aos pés: terno bem cortado, gravata borboleta, fone sem fio de última geração. “Vamos arregaçar as mangas e desferrar a cidade”, diz uma voz robótica no meu ouvido.

A voz pertence a Bagley, a misteriosa inteligência artificial que guia todos os membros do DedSec, o coletivo hacker de Watch Dogs Legion. Bagley me avisa que um servidor do grupo têm recebido ping - uma espécie de “sonar” que busca informações de atividade - constantemente. Bastam alguns segundos para que Bagley perceba que o sinal é, na verdade, uma mensagem em código morse. Um pedido de socorro.

“O que isso tem a ver comigo? Quer dizer, conosco?”, pergunta Foday, mal disfarçando o que é o principal conceito de Watch Dogs Legion, novo título da série de mundo aberto futurística da Ubisoft. Sem protagonista fixo, o game traz uma proposta ousada de controlar qualquer personagem do mapa, sob a perspectiva de recrutamento para a DedSec, que desempenha um papel ainda mais vital em relação aos games anteriores.

O cenário e a premissa de Legion são difíceis de passarem despercebidos no ambiente polarizado da internet: o game é situado em uma Londres que já viveu as consequências do Grexit, na qual o governo, em busca de uma solução para um atentado terrorista, apela ao autoritarismo. A segurança da cidade, privatizada para a empresa militar Albion, reforça o clima de arbitrariedade na capital britânica, com o uso da tecnologia para vigiar os cidadãos por meio de drones, câmeras e pontos de checagem eletrônicos.

Não é a primeira vez que a Ubisoft busca algum tipo de comentário social que, no fundo, serve mais como propaganda do que qualquer outra coisa: Far Cry 5, com sua premissa de enfrentar um culto baseado no cristianismo em uma região rural dos Estados Unidos, propôs uma discussão que, dentro do game, jamais aconteceu. Legion não parece trilhar o mesmo caminho, mas percorre alguns atalhos que facilitam uma explicação menos polarizada.

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O evento que leva Londres ao seu futuro distópico é um atentado terrorista. Nossa demonstração de três horas com o game, realizada na última quinta-feira (9), começou com a DedSec descobrindo toda a trama maligna momentos antes de acontecer, ao desarmar bombas no Parlamento britânico. Porém, é tarde demais: outros três pontos da cidade são detonados, e tudo é armado para colocar a culpa em você.

Um tempo depois, a DedSec ressurge das cinzas com o objetivo de descobrir quem organizou o atentado e, nas palavras de Bagley, “desferrar Londres”. Recomeçando do zero, o coletivo precisa de novos membros - e é aí que você entra no processo de recrutamento.

A proposta ousada de poder controlar qualquer personagem tem um grande potencial, como conferimos em nosso primeiro teste com o jogo, na E3 2019. Já a segunda mostra que, sim, é possível contar uma história com um game sem protagonista, e Legion tem alguns artifícios que tornam essa narrativa descentralizada ainda mais interessante.

Vamos voltar à missão de Foday para explicar. Em busca do sinal misterioso, o espião vai até um café, onde recebe um celular descartável que indica um local de encontro com nosso colega misterioso. Ao chegar lá, descobrimos que ele foi levado primeiro pelas forças da Albion, mas é possível rastrear seus passos hackeando sistemas de câmera.

Somos levados a uma construção com guardas armados até os dentes, algumas câmeras, e o nosso amigo indefeso preso em uma sala. Nossa missão de resgate foi um bom momento para testar o combate e a ação de Legion, que são basicamente as mesmas de Watch Dogs 2, especialmente no sistema de cobertura e na mecânica de tiro.

Uma mudança em Legion significativa é um foco maior em combate corpo-a-corpo, se o jogador desejar. Os personagens do game têm especialidades de acordo com sua profissão: alguns serão mais proficientes com armas, outros serão melhores no combate mano a mano, enquanto outros terão mais facilidade em ação furtiva, e por aí vai. Meu espião, como se pode imaginar, é melhor atirando, o que não combinou muito bem com minha abordagem de eliminar os inimigos silenciosamente e sem usar armas.

Mecanicamente, Watch Dogs Legion é competente: nada na movimentação, no combate ou na direção atrapalha, mas nada também se destaca, a ponto de sobrepujar a possibilidade de recrutar qualquer personagem, que é de fato o principal elemento do jogo.

Cercado e sem saída, vi Foday sucumbir frente aos guardas e drones da Albion e ir parar na cadeia. Mas não há problema: o jogo rapidamente me mostrou outros agentes da DedSec à disposição para completar a missão. Escolhi um agente mais apropriado para o meu estilo de jogo: Noah Robertson, um hooligan com camiseta de time de futebol e costeletas grossas que, de acordo com o game, tem mais aptidão para o mano a mano.

Robertson deu conta do recado, não somente por ser melhor para dar sopapos em guardas, mas porque da segunda vez utilizei de maneira mais inteligente as ferramentas de hackeamento clássicas da franquia à minha disposição, mudando drones de lugar e ativando alertas em portas e câmeras para tirar os guardas de suas posições.

Quem pedia pela ajuda da DedSec era um agente de inteligência da SIRS, organização governamental que coleta os dados do sistema de gerenciamento de cidades ctOS - o mesmo dos outros Watch Dogs - em busca de informações sobre criminosos e terroristas. O agente acredita que os verdadeiros responsáveis pelo atentado à Londres são agentes rebeldes da SIRS, mas precisa de nossa ajuda para roubar seus dados do QG da agência.

Foi aí que as possibilidades de recrutamento e troca de agentes de Legion se revelou por completo, tanto como uma ferramenta de adaptação do jogador, como um sistema com potencial quase ilimitado de contar histórias.

Como era de se imaginar, o QG da SIRS tem segurança reforçada. Guardas, câmeras, drones e sensores eletrônicos por todos os lados impedem que qualquer pessoa entre sem ser percebida - acredite, eu tentei, tanto com Noah quanto com Foday. A solução para meu problema era bem evidente: preciso recrutar um funcionário da agência.

A partir daí, minha história se desdobrou de maneiras inesperadas. Primeiro, tentei recrutar um guarda cujo perfil escaneei poucos momentos antes de ser preso na porta da SIRS. É preciso ter em mente que, por conta da reputação da DedSec, todos desconfiam de você - especialmente as forças de segurança.

Precisei fazer várias missões para conquistar a confiança dele, com diferentes níveis de periculosidade, para ter a chance de encontrar com o guarda. A última tarefa antes de recrutá-lo era roubar um caminhão de suprimentos médicos sob custódia do clã Kelly, líder do submundo do crime local. Falhei duas vezes (uma delas, em parte, pelos controles de direção meio travados do game), e como consequência perdi a chance de recrutar o guarda para sempre.

Da segunda vez, deu certo: tentei recrutar Laura Downling, guardinha da porta da SIRS. A missão para recrutá-la foi mais simples e me mostrou o potencial de ter em meu grupo profissionais que conseguem se integrar ao ambiente que quero invadir. A missão de Laura pedia que eu detonasse uma caixa de equipamentos médicos em uma construção ocupada por criminosos. Por sorte, eu tinha uma agente que é trabalhadora de construção, o que me permitiu a infiltração sem grandes problemas. Por fim, bastou resgatar Laura das mãos de criminosos e ela concordou em se juntar à DedSec, o que me permitiu entrar no QG da SIRS e terminar a missão principal.

Essas possibilidades de contar histórias e de ter a sensação de que suas ações criam uma narrativa potencialmente única - o jogo de uma pessoa dificilmente será 100% igual ao de outra - é uma das grandes forças de Watch Dogs Legion. Agora, nos resta aguardar o jogo completo em 29 de outubro.