“Um jogo que nunca iria sair”, é assim que Thiago Girello, um dos responsáveis pelo game brasileiro Distortions, descreve seu título, que – contrariando as expectativas do próprio desenvolvedor – chega oficialmente nesta quinta-feira (01) ao Steam.

E não é difícil entender o motivo por trás do raciocínio de Girello. Antes de ser lançado, Distortions passou por nove longos anos em desenvolvimento, contando com diversas mudanças durante o período e com a colaboração de várias pessoas além do time da desenvolvedora Among Giants.

O resultado é um jogo que promete misturar elementos de cinema e música em uma aventura única, que conta a história de uma garota que acorda em um mundo surreal após um acidente de carro, e deve usar um violino para manipular o ambiente onde está e enfrentar criaturas estranhas.

Divulgação/Among Giants

Confira nossa conversa com Thiago Girello sobre o processo de criação e os elementos surreais do game:

Distortions ficou nove anos em desenvolvimento, por que tanto tempo?

Uma das regras que a gente tinha quando chamava pessoas para o projeto é que era um jogo que nunca iria sair, que nunca ia ter final. Era um jogo só pela paixão de desenvolver, pelo amor por jogos, mídia e experimentação.

O pessoal tem uma visão de desenvolvimento indie que é de sofrência, carregar uma cruz, mas essa é uma visão negativa. Para a gente foi uma visão positiva, era tempo de qualidade com amigos fazendo algo que amávamos.

Só que o projeto começou a chamar a atenção, ele começou a crescer e uma hora a gente percebeu que ele começou a ficar muito maior do que nós. Foi aí que nossa vida começou a ficar em torno do projeto.

E qual foi o momento de transição?

Há pouco mais de um ano, um colega me falou sobre um edital de games [da SPCine, empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo]. Eu inscrevi sem muita pretensão e ganhamos em primeiro lugar. Aí bateu uma mega pressão, agora a gente tinha que lançar esse paranauê. Desde lá as coisas ficaram bem sérias.

Divulgação/Among Giants

A gente começou a mostrar o jogo para as pessoas no meio do ano, quando a gente ganhou o BIG  [Festival, premiação de jogos independentes em São Paulo]. Desde que ganhamos o BIG, a gente ganhou outros prêmios e a coisa começou a ficar muito louca.

Durante todo esse período, quais foram os principais desafios do desenvolvimento?

Uma preocupação desde do início é que fosse um projeto atemporal, que você nunca olhasse e dissesse que é datado. A gente queria que fosse nosso cantinho de experimentação, que nunca envelhecesse e ficasse chato para a gente. Uma preocupação com pontuar o que a gente queria, não pontuar o que não tinha, e preencher lacunas como que a gente quisesse conforme o tempo fosse chegando com nossas referências.

A única fase que foi o maior perrengue foi quando entrou um programador que tinha uma pegada diferente da gente. A gente estava nesse processo de curtir e experimentar, ele queria lançar para fazer dinheiro. Isso foi tão pesado que todo mundo saiu do projeto. Se fosse para ser assim, eu trabalharia em banco, mineraria Bitcoin. Aí que o roteirista [Ricardo de Brito] me chamou, falou para terminarmos o jogo do nosso jeito. É um projeto bem único, não foram nove anos como Last Guardian, Duke Nukem Forever.

Você comentou que o Distortions é um espaço de experimentação, com as referências de cada um. Quais são essas influências na estética do game?

A gente tem uma mega referência do diretor de cinema Wes Anderson, no trabalho de fonte, composição, de cores. Eu tentei ir para uma paleta de cores que não é usual em games, com amarelo e roxo. Tentei puxar o visual para uma coisa fora dos games mesmo.

Outra grande referência nossa é o Darren [Aronofsky, diretor de cinema], que faz Fonte da Vida, fez agora Mãe. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, do Michel Gondry, é uma grande referência. Outra referência de sentimento e visual é Onde Vivem os Monstros. Também do David Lynch, que faz um trabalho de cinema surreal. A gente tentou ter um visual meio inusitado, fugindo um pouco do que o pessoal faz em jogos.

Divulgação/Among Giants

Em questão de games, boa parte das referências vem de Shadow of the Colossus, Silent Hill 2, The Legend of Zelda: Ocarina of Time – jogos completamente diferentes, mas que são muito bons.

Como isso influencia a jogabilidade?

Distortions é muito ligado à experimentação. Tem uma regra básica de game design que é fazer o modelo mais simples, e, se ele funcionar, você parte para todo o resto – é a filosofia de design da Nintendo. A gente queria fazer algo diferente. Como é um jogo que fala sobre música, o que era mais importante para a gente era o ritmo. A gente pensava por que games não têm o mesmo ritmo de cinema, que é preocupado em prender a atenção do espectador, mudando as nuances para suspense, drama, horror. Queríamos replicar isso no jogo.

Então antes de tudo pensamos no estilo musical e ritmo que o jogo teria. Partido disso, vem as outras coisas, narrativa e visual. Antes do jogo a gente tinha uma banda, com um estilo bem peculiar, bem pós-rock, com momentos bonitos, contemplativos, lentos e momentos bem pesados, com distorção.

Na prática aplicada no jogo, nos momentos de contemplação, lentos, a gente muda a jogabilidade para a primeira pessoa. Em momentos de tensão, a gente muda para uma espécie de side scrolling, onde você vê o inimigo de perseguindo e tem plataformas para fugir. Momentos em que a gente quer que o jogador de sinto sozinho, a gente abre mais. A gente usa essas nuances para prender a atenção do jogador.

E quais são os planos pós-lançamento? O projeto encerra aqui?

O Distortions tem 15 horas de gameplay, ele é um jogo bem extenso, mas a estrutura dele é feita para ter continuação. A gente apresenta respostas para todas as questões que a gente levanta, mas não concluiu todos os arcos. Ele realmente foi feito para ter um arco maior de conclusão que vai depender de como for a resposta. Se vender dez cópias, a gente não vai fazer nada, mas se vender bem.

Outras plataformas?

Ele vai chegar só para PC, mas dependendo como for a gente vai lançando para outras plataformas organicamente.