Extremamente alto & incrivelmente perto Jonathan Safran Foer
(Editora Rocco)
5 ovos

Na música é comum a "síndrome do segundo CD", quando um artista que obteve enorme sucesso com seu álbum de estréia não consegue superar - ou mesmo manter - em seu novo projeto o nível alcançado previamente. O princípio, porém, vale para todas as artes, já que nesta era de superinformação novidades surgem e desaparecem com velocidade incrível. Assim, no mundo da literatura era muito aguardado o segundo livro de Jonathan Safran Foer, o jovem e celebrado romancista nascido na capital dos Estados Unidos.

Com Tudo se ilumina, seu romance de estréia, Foer foi aclamado por muitos como uma das melhores vozes da nova geração de escritores estadunidenses. O livro foi rapidamente adaptado para o cinema, ganhando o título Uma vida iluminada por aqui, com um resultado interessante. A adaptação aumentou ainda mais seu prestígio, ampliando também a expectativa pelo segundo trabalho do autor.

Pois Foer não deu chance à síndrome do segundo trabalho.

Extremamente alto & incrivelmente perto é um livro surpreendente. Nele, o escritor não apenas volta a apresentar a criatividade que arrancou elogios mundo afora como realiza experiências com design.

Enquanto Tudo de ilumina trabalhava ao redor das cartas em sofrível inglês do ucraniano Alex Perchov para o personagem homônimo do autor, Extremamente alto & incrivelmente perto - lembrando o igualmente ótimo O estranho caso do cachorro morto - mergulha na mente de uma criança para tentar entender sentimentos decorrentes de uma perda irreparável devido ao ataque terrorista às torres gêmeas em 11 de setembro.

O garoto é Oskar Schell - desenhista de jóias, astrofísico, estudante de francês, tocador de pandeiro, ator Shakespeareano, pacifista e inventor de maravilhosas invenções fantásticas - que parte numa busca de anos para desvendar um mistério e encontrar a fechadura que uma chave, que ele encontrou num envelope no closet do pai, abre. Entremeadas na história, cartas que ilustram outra tragédia da história humana, ocorrida 56 anos antes: o bombardeio de Dresden na Segunda Guerra Mundial. Os dois momentos se unem de forma inesperada e harmoniosa na trama.

Trechos inteiros do novo trabalho brincam com elementos de diagramação, representando humores ou trechos do livro de recortes do menino - e sua incapacidade de expressar-se pela pouca bagagem emocional. São fotos, gráficos, anotações, códigos numéricos, páginas em branco e outros recursos visuais que enriquecem a narrativa e a fortalecem, muitas vezes de maneira dolorosa.

Apesar de distante do mesmo tom cômico do trabalho anterior de Foer, Extremamente alto & incrivelmente perto tem diversas passagens bem-humoradas. Mas é a catarse o elemento a ser louvado aqui, a tentativa de uma criança de 9 anos de idade de lidar com a dor da perda. Com o belo desfecho, Foer novamente demonstra sua habilidade em explorar emoções complexas - e feridas abertas - de uma maneira corajosa, poética e inovadora.

A edição recém-lançada pela Rocco tem 360 páginas e custa 47 reais. Confira abaixo uma prévia do livro, gentilmente cedida ao Omelete pela editora:

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Extremamente alto & incrivelmente perto - Páginas 80 e 81

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Uma infinidade de tempo depois, sai da cama e fui para o armário onde guardava o telefone. Não o havia retirado dali desde o pior dos dias. Era simplesmente impossível.

Passo muito tempo pensando naqueles quatro minutos e meio entre eu chegar em casa e o Pai ligar. Stan passou a mão no meu rosto, coisa que ele nunca tinha feito. Peguei o elevador pela última vez. Abri a porta do apartamento, larguei minha mochila e tirei meus sapatos como se tudo estivesse uma maravilha, porque não sabia que na verdade tudo estava horrível, e como poderia saber? Fiz carinho no Buckminster para mostrar que amava ele. Fui ao telefone checar as mensagens e escutei uma depois da outra.

Mensagem um: 8h52 da manhã.

Mensagem dois: 9h12 da manhã.

Mensagem três: 9h31 da manhã.

Mensagem quatro: 9h46 da manhã.

Mensagem cinco: 10h04 da manhã.

Pensei em ligar pra Mãe. Pensei em pegar meu walkie-talkie e entrar em contato com a Vó. Voltei para a primeira mensagem e escutei todas elas de novo. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:21. Pensei em fugir e nunca mais falar com ninguém. Pensei em me esconder debaixo da cama. Pensei em correr até o centro da cidade para ver se havia um jeito de eu mesmo resgatá-lo. E aí o telefone tocou. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:27.

Eu sabia que jamais poderia deixar a Mãe ouvir as mensagens porque protegê-la é uma das minhas mais importantes raisons d’être, portanto o que fiz foi pegar o dinheiro de emergência do Pai em cima de sua cômoda e ir até a Radio Shack da Amsterdam Avenue. Foi em uma TV de lá que vi que p primeiro prédio havia desmoronado. Comprei um telefone exatamente igual, corri para a casa e gravei nele a saudação do nosso telefone anterior. Enrolei o telefone velho no cachecol que a Vó nunca conseguiu terminar por causa do meu segredo, botei ele dentro de uma sacola de compras, depois da sacola em uma caixa, depois a caixa em outra caixa e depois essa caixa debaixo de um monte de coisas no meu armário, como minha prancha de trabalho de joalheria e álbuns de moedas estrangeiras.

Na noite em que decidi que encontrar a fechadura era a maior de minhas raisons d’être - a raison que comandava todas as outras raisons -, tive uma vontade imensa de escutá-lo.

Fui extremamente cuidadoso para não fazer nenhum ruído enquanto retirava o telefone de todas as suas proteções. Mesmo com o volume bem baixo para que a voz do Pai não acordasse a Mãe, ele preenchia o quarto como uma luz preenche um quarto mesmo na penumbra.

Mensagem dois. 9h12 da manhã. Sou eu de novo. Você está aí? Alô? Desculpe se. Está ficando um pouco. Enfumaçado. Esperava que houvesse alguém. Em. Casa. Não sei se estão sabendo o que aconteceu. Mas. Eu. Só queria que soubessem que estou OK. Tudo. Está. Bem. Quando ouvirem esta mensagem, liguem pra Vó. Digam pra ela que está tudo bem. Ligo de novo em alguns minutos. Se tudo der certo os bombeiros estarão. Aqui em cima até lá. Eu ligo.

Enrolei de novo o telefone no cachecol inacabado, depois coloquei o cachecol de volta na sacola, e a sacola na caixa, e a caixa na outra caixa e tudo isso no armário, debaixo de um monte de tranqueiras.

Fiquei olhando para as estrelas de mentirinha por uma infinidade de tempo.

Inventei.

Fiz um roxo em mim mesmo.

Inventei.

Saí da cama, fui até a janela e peguei o walkie-talkie. Vó? Vó, está me ouvindo? Vó? Vó? Oskar? Estou bem. Câmbio. É tarde. O que aconteceu? Câmbio. Acordei você? Câmbio. Não. Câmbio. O que estava fazendo? Câmbio. Estava conversando com o inquilino. Câmbio. Ele ainda está acordado? Câmbio. A Mãe me disse para não fazer perguntas sobre o inquilino, mas muitas vezes eu não conseguia evitar. Sim, disse a Vó, mas ele acabou de ir embora. Tinha umas pendências para resolver. Câmbio. Mas são 4h12 da manhã. Câmbio.

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