Em 2015, a Riot Games do Brasil publicou pela primeira vez em seu site oficial a entrada da região na Política Interregional de Antialiciamento e Antiadulteração (PIAA). Também popularmente conhecida como poaching, a regra, utilizada em todas as regiões competitivas do League of Legends, proibia o contato direto de equipes com jogadores sob contrato, o chamado aliciamento.

Criada como forma de proteção para equipes e jogadores, a regra instaurou um novo sistema global e, para contratar jogadores, as equipes interessadas no novo talento devem entrar em contato com a organização com a qual o pro player tem contrato, negociar e, somente após isso e com autorização, falar diretamente com o jogador em questão.

Da mesma forma, nenhum jogador sob contrato pode contatar diretamente uma organização que quer representar, ou outro jogador que tem contrato vigente com uma equipe. Apenas se um jogador estiver livre de contrato ele pode entrar em contato diretamente com partes que lhe interessem (outros jogadores ou equipes).

Loop foi um dos primeiros casos de poaching no Brasil

Imagem: Riot Games

A adequação do cenário brasileiro a esta regra criou algumas histórias hoje conhecidas, como o Caso Loop na paiN Gaming, que fez com que o jogador ficasse quase um ano suspenso do competitivo após imbróglio com a INTZ. O Caso Sacy, uma tentativa de aliciamento por parte da INTZ, resultou em multa de R$ 5 mil para a organização e suspensão de um de seus donos por 10 meses. Até brTT esteve envolvido em episódio semelhante, envolvendo RED Canids e Flamengo em 2017, e com os rubro-negros sendo condenados pela justiça em 2021 a pagar R$ 50 mil como reparação - o caso, no entanto, não ficou configurado como aliciamento oficialmente.

Com a regra publicada e histórico na conta, era de se esperar que casos de aliciamento não acontecessem mais nas regiões, correto? Mas não é bem assim. O The Enemy conversou com jogadores, treinadores, representantes de organizações e especialistas no assunto para entender os problemas do CBLOL. Muitos preferiram comentar o assunto em off, e não foram citados na matéria diretamente. 

O aliciamento continua a acontecer, mas é difícil de ser identificado, e age quase como um elemento natural às regras que justamente tentam proibi-lo.

Imagem: Bruno Alvares/Riot Games

A dificuldade de provar aliciamento

“Poaching existe, mas é muito difícil de provar, porque tudo vem para a gente em forma de boatos” - Marina Leite, CEO da Vorax Liberty

“Aliciamento sempre aconteceu, é perto do impossível não acontecer se continuar deste jeito” - Revolta, jogador profissional

Um dos principais desafios que a Riot e os times enfrentam é o desafio de comprovarem aliciamentos por parte de outras organizações ou jogadores. Um exemplo claro é dois jogadores que são amigos e estão em times distintos conversarem sobre jogarem juntos na Etapa seguinte. Pelas regras, isso configura aliciamento. Mas como as equipes ou a Riot conseguem provar sem acesso às conversas de WhatsApp, mídias sociais ou presencialmente quando ela ocorreu?

“Ninguém faz com maldade, os jogadores profissionais são muito amigos”, comenta Revolta. “Eventualmente você está em um churrasco falando sobre o time, o seu futuro, com quem você gostaria de jogar e etc, e as conversas vão se encaminhando para o que a Riot considera aliciamento. Neste quesito, é muito difícil a Riot conseguir regulamentar isso”.

Na opinião de Revolta, tri campeão do CBLOL pela INTZ em 2015-16, a regra faz com que essas conversas não aconteçam de forma descarada apenas. “A regra não é ruim, mas ela confere para as organizações um poder muito maior do que para os jogadores, que por vezes são amarrados em contratos e não recebem as propostas das equipes”.

Imagem: Bruno Alvares/Riot Games

Regras que protegem a Riot e as organizações, mas não os jogadores

O CBLOL é formado por três pilares: Riot Games, Organizações de Esports e os jogadores profissionais. Os três têm importância crucial para o ecossistema do League of Legends em qualquer região. O problema, no Brasil, é que dois dos três lados desta balança, a Riot e as equipes, estão com mais poder do que o outro, os jogadores.

Parte deste problema existente está nas regras atuais de anti aliciamento e no poder conferido a elas para as equipes de esports, como evidenciado no caso de Robo, top laner da paiN Gaming que saiu do time no fim de seu contrato após não receber liberação por escrito de sua equipe e perder oportunidades de jogar na Europa - a equipe rebateu o jogador.

“Como organização, as regras são muito claras”, diz Marina Leite, CEO da Vorax Liberty vice-campeã da Primeira Etapa do CBLOL 2021. “A equipe faz um investimento alto em salário, estrutura e estar no CBLOL por conta própria, a operação é muito cara, e o protecionismo das regras dá uma tranquilidade para as equipes prepararem o seu planejamento e terem um retorno mais claro do investimento”.

Marina Leite durante a final entre Vorax e paiN Gaming

Imagem: Bianca Ferreira / Vorax

Ao mesmo tempo, Marina também entende a frustração do lado dos jogadores profissionais, mas cita que grande parte disso é devido às formas particulares de as organizações trabalharem. “Pode ser frustrante para um jogador estar em uma equipe e querer sair, mas a equipe impedir e amarrar o contrato até o final. Na Vorax Liberty, liberamos quaisquer jogadores que queiram sondar o mercado. Qual é o meu interesse em manter um jogador que não quer jogar pela minha equipe? O que eu ganho com isso? Qual é o relacionamento que estou cultivando com os meus jogadores?”, diz Marina.

A regra precisa defender as equipes por todo o investimento, mas atualmente os jogadores são reféns da boa fé de cada equipe, e isso, claro, é variável. Como um jogador que quer trocar de equipes seguindo integralmente as regras oficiais pode ser punido por elas, ao invés de serem apoiados e ficarem reféns da consciência de suas equipes?

Sondar o mercado é importante para os jogadores

A janela de transferências ao final do CBLOL 2021 é uma para ficar na história. Quase 42% dos profissionais envolvidos no CBLOL (entre jogadores e comissões técnicas do CBLOL e Academy) tinham como data limite de seu contrato os dias entre 01 de novembro e 31 de dezembro.

Isso criou uma enxurrada de posts de jogadores, técnicos e assistentes dizendo que suas equipes os haviam liberado para conversar com outras equipes mesmo sob contrato - a liberação apalavrada do aliciamento que citamos acima em uma relação de confiança entre as equipes e seus jogadores.

Mesmo que o jogador esteja confortável em sua equipe atual e tenha conversas de renovação, é importante conversar com outras equipes e figuras do cenário por alguns motivos.

  1. Entender o seu real valor no mercado (tanto de passe quanto base salarial)
  2. Garantir a permanência em uma liga
  3. Buscar outras opções caso a renovação não aconteça
  4. Jogar ao lado de amigos ou formar um time forte

A janela de transferências do CBLOL é, na verdade, muito mais uma janela de inscrições. É o período no qual as equipes da liga precisam enviar toda a documentação de seus jogadores e comissões técnicas para a Riot Games do Brasil. A maioria das negociações de fato são feitas entre o fim do CBLOL em meados de agosto até o início da janela, no meio de novembro.

Caso uma equipe opte por segurar um jogador, amarrando-o no contrato até seu dia de liberação, este jogador perde dois meses de negociação com outras equipes. Pior, pode ser que as vagas de sua posição já estejam preenchidas e ele fique sem espaço para o próximo ano nas ligas brasileiras, ou precise fechar um acordo muito abaixo do seu real valor de mercado apenas para se conseguir jogar no ano seguinte.

Imagem: Bruno Alvares/Riot Games

A falta de informações corretas e de sondagens de mercado fazem aflorar situações que são comuns nos bastidores do CBLOL: jogadores presos em contratos extremamente longos, com cláusulas de rescisão absurdamente caras, salários baixos para jogadores bem quistos em suas posições e falta de clareza em diversos outros pontos (bonificações, benefícios, estrutura, etc).

É crucial que não apenas os jogadores possam entender este lado importante de suas carreiras como tenham assistência jurídica e acompanhamento pessoal de suas conversas e negociações. Muitos trazem os pais para ajudar em suas discussões contratuais, outros contratam empresários, uma mecânica já comum no futebol.

Empresários e Associação de Jogadores

Na LCS NA, o campeonato norte-americano de League of Legends, a mudança para o sistema de franquias em 2017 também trouxe consigo algo comum de outros esportes franqueados na região (como a NBA): a Associação de Jogadores (PA - Player’s Association).

Imagem: LCS PA

Em resumo, o objetivo da PA é proteger jogadores de “quaisquer esforços que diminuam seus direitos, oportunidades ou habilidade para competir”, além de aumentar a participação no tripé Riot-Organizações-Jogadores da liga e que os pro players também tenham voz ativa em decisões que influenciarão o futuro da liga, como formato e calendário da competição, mudanças de regras e afins.

Para Wender Roberto, ex-gerente da INTZ e Keyd, e também empresário de jogadores como Revolta e tinowns, a associação é um passo justo, mas o Brasil ainda está muito atrás em um pensamento e organização coletiva por parte dos atletas para algo em relação a isso acontecer.

“A grande maioria dos jogadores hoje tratam esta parte de suas carreiras com amadorismo. É sempre alguém que ‘ajuda’, mas não pessoas que são realmente contratadas para aquilo e tem experiência para realmente fazer o melhor possível. Este é o meu papel como empresário, e acredito ser um bom passo para o futuro dos jogadores da nossa liga”.

Imagem: Bruno Alvares/Riot Games

A Associação talvez seja um passo para acabar com o amadorismo presente no cenário. Há também um sentimento geral nos bastidores de que muitos jogadores apoiam a ideia, mas nenhum deles realmente queira ser o porta-voz da iniciativa e batalhar para pressionar a Riot e as equipes para ajudar sua classe - e potencialmente correr o risco de não angariar força suficiente e ser deixado de lado no cenário.

Os empresários, por outro lado, são profissionais muito mais comuns nos esportes mesmo sem franquias. Por mais que não estejam contemplados nas regras atuais de anti aliciamento, fontes do The Enemy indicaram que os agentes são considerados como a voz ativa dos jogadores, e portanto, contato direto de outros jogadores ou equipes interessadas com os agentes também configura poaching - mais um caso de falta de clareza nas regras, o que pode gerar brechas e complicações futuras.

“A regra hoje ela não é utilizada para regulamentar, e sim como algo acionável. O aliciamento acontece independente dela, mas só quando alguém descobre ou se sente lesado é que ela é acionada e algo acontece, sai nas notícias e acontece um temporal nas mídias sociais. Uma mudança se faz necessária”, diz Wender.

Imagem: Bruno Alvares/Riot Games

Revendo a regra para um futuro melhor

Um consenso é claro entre jogadores, técnicos e empresários: é necessário que as regras de aliciamento também deem poder aos jogadores. Um exemplo retirado do futebol pode servir bem para o futuro da liga: no futebol, quando um jogador está em seus últimos seis meses de contrato, pode assinar um pré-contrato com outra equipe e já garantir uma boa sondagem de mercado e um movimento de carreira que faça sentido, por mais que tenha que jogar meio ano já com uma transferência acordada.

No CBLOL, a inserção de uma regra semelhante ainda seria mais prática, visto que a janela de transferências acontece em novembro junto com a maioria dos fins de contratos, e o campeonato termina em setembro. Liberar jogadores para conversar livremente com outras equipes ou renovar com a atual um mês antes de seus contratos é um caminho válido para proteger os interesses dos jogadores.

“A regra precisa defender as partes que são afetadas por ela”, diz Marina Leite. “Talvez esta regra de liberação com um mês de antecedência seja um bom passo para proteger os jogadores, e eu apoiaria esta mudança”.

“Com certeza é algo que faria sentido para os jogadores”, comenta Revolta. “No entanto, acho que é até algo mais profundo: a Riot precisa se mostrar aberta para acolher, entender e lutar também pelos jogadores, e atualmente isso não acontece. Desde o começo do cenário o trabalho foi feito em conjunto com as equipes, e eu acredito que foi o movimento correto, mas já estamos passando da hora de colocar os jogadores nesta roda e conversarmos juntos para o desenvolvimento da liga”.

O League of Legends continua a crescer no Brasil e no mundo e não mostra sinais de recuo. Recordes de transmissão de campeonatos regionais e internacionais, além de cifras cada vez maiores são assuntos recorrentes, mas o desenvolvimento sustentável das ligas através de um contato franco, frequente e profissional por todas as partes envolvidas precisa estar diretamente ligado a este sucesso, o que não acontece atualmente no Brasil, e deve ser repensado.

O The Enemy procurou a Riot Games nas últimas semanas para conversar oficialmente a respeito de mudanças futuras que englobam as regras de aliciamento, mas não obteve data de retorno das conversas. A coluna será atualizada no futuro com o posicionamento da desenvolvedora.