A disparidade de recursos não é nenhuma novidade nos eSports: mouses, teclados, headsets e até cadeiras de qualidade extremamente alta vão fornecer maior conforto aos jogadores que tiverem orçamento para adquirir esses acessórios.

Dentro do game, entretanto, a maioria deles prega uma igualdade: suas skins de CS:GO não vão garantir uma eliminação extra, assim como o visual de sua Irelia não vai assustar o adversário no League of Legends.

No cenário de FIFA não é bem assim. A mecânica de FIFA Points, moedas in-game que servem para comprar loot boxes com jogadores, se mistura com o competitivo do jogo, e afeta principalmente jogadores que ainda estão começando sua carreira, tentando conquistar algum destaque.

A base dos eSports no FIFA é a Weekend League: o torneio semanal é o caminho principal para entrar no competitivo, e utiliza os times construídos no Ultimate Team pelo jogador.

É nesse ponto que entram os FIFA Points: caso o jogador tenha disposição para investir nessas moedas, ele provavelmente conseguirá um elenco melhor em muito menos tempo do que a concorrência, saindo na frente na corrida pela relevância dentro do cenário competitivo.

Por cima disso tudo, é possível que um jogador não consiga bons frutos ao gastar dinheiro em FIFA Points: a moeda serve apenas para comprar loot boxes, e caso a sorte não esteja ao seu lado, o investimento não corresponde às expectativas.

Vale a pena?

Naturalmente, não são todos os jogadores que possuem orçamento para investir em FIFA Points - vale lembrar que a edição padrão de FIFA 20 pode passar tranquilamente dos R$ 200.

Miguel “Spiderkong” Bilhar, pro player independente de FIFA, acredita que é possível ganhar notoriedade mesmo sem altos investimentos. Ele cita Victor “Tore” Santos como exemplo: “Ele surgiu do nada e foi pro Ajax. Eu mesmo no FIFA 17 e 18 não tive investimento e fui pra varios torneios”.

Ainda assim, Spiderkong reconhece que o jogo é “pay to win”, ou seja, é necessário desembolsar para conseguir um time melhor. Da mesma maneira, quanto mais dinheiro é gasto, mais forte será o seu elenco.

Esse ano meu investimento foi de R$ 3500 do meu próprio bolso, sem equipe, minhas próprias economias que fiz com o FIFA. Acredite ou não, não chega a ser um investimento absurdo. Meu time nem ficou tão forte que nem de um pessoal que investiu bem mais, uns R$ 10 mil, por exemplo”, narra o pro player.

Rodrigo Fioravante é fundador e CEO da SPQR, organização que gerencia a carreira de atletas de eSports e auxilia nos gastos com a moeda do FIFA. “A gente capta patrocínio ou investe mesmo dos nossos recursos para dar alguma quantidade de FIFA Points para nossos atletas terem uma condição maior competitiva”.

Ainda assim, os jogadores da SPQR e outras organizações também tiram do próprio bolso para comprar ainda mais pontos: “É interesse deles um time mais forte”.

Fioravante ainda acredita que, financeiramente falando, um investimento tão alto em FIFA Points não tem tanto retorno: “Os FIFA Points se pagam para uma quantidade mínima de pro players”.

Dependendo do campeonato que [o pro player] se classificar pra ir, se ele não ficar entre os quatro melhores do mundo, ele não tem nenhuma premiação financeira”, completa Fioravante.

Spiderkong, por outro lado, vê a compra de FIFA Points como uma maneira de gerar oportunidades, mas reconhece que conseguir o contrato com uma organização que financie seus gastos com o game é um caminho mais saudável para a carreira: “É o sonho de todo jogador profissional de FIFA”.

Possíveis soluções

Tanto Spiderkong quanto Fioravante concordam que a elite do Ultimate Team é inacessível para muitos, e já apontam algumas soluções possíveis para deixar o cenário mais equilibrado e receptivo.

O proplayer pensa em utilizar o mercado aberto do FIFA como um parâmetro. Atualmente, o competitivo estabelece restrições para elencos que tenham uma avaliação geral acima de 84, algo que “já ajudou muito em comparação à temporada passada”. Mas o ideal para Spiderkong seria que essa restrição se aplicasse ao valor dos elencos no mercado.

Plataformas como o FUTBIN rastreiam o valor médio de cada carta no Ultimate Team, e Spiderkong acredita que usá-lo como referência para calcular o valor total de um elenco seria ótimo para o cenário competitivo como um todo.

Fioravante dá outra solução, baseada na sua experiência em campeonatos oficiais da EA. Jogadores que participam desses torneios ganham o direito de utilizar uma conta fornecida pela própria desenvolvedora, que possui todos os jogadores do Ultimate Team desbloqueados.

Se a EA fizesse isso pra todos os atletas verificados jogar o qualificatório, receber uma conta para aquele dia e, logo após a eliminação do player, remover o acesso dele, seria muito mais justo”, ele explica.

Ele defende seu argumento dizendo que isso também abriria portas para mais jogadores se destacarem no cenário, tornando o ambiente competitivo do FIFA mais acessível: “Da forma que é hoje, a imensa maioria não tem recurso pra investir nisso”.

Fioravante também aproveita para criticar as condições competitivas especificamente no Brasil. “As equipes também ficam com trabalho muito limitado porque nós não temos patrocínio, nós não temos apoio”, ele afirma, mencionando também a inexistência de um calendário fixo de competições.


É extremamente claro que o modelo dos FIFA Points é um entrave gigantesco para a evolução do cenário competitivo do game. Entretanto, a venda dessa moeda in-game representou 28% da receita da EA no último ano fiscal, e com tanto dinheiro entrando no caixa graças a essa mecânica, é improvável que a empresa repense sua estratégia.