A explosão do anúncio de que a Microsoft adquiriu nesta terça-feira (18) a Activision Blizzard fez chover comentários sobre o tamanho e importância do negócio no mercado de games. Também, no mundo dos esports, a notícia levanta diversas questões e potenciais para o futuro, visto que títulos como Overwatch, Call of Duty, Warcraft, Starcraft e Hearthstone passam agora para o guarda-chuvas da Microsoft.

Apesar de ser um colosso em muitos sentidos, a empresa fundada por Bill Gates e Paul Allen ainda não mostrou todo este potencial no ecossistema de esports, perdendo, de lavada, os holofotes para desenvolvedoras como Riot Games e Valve.

Principais títulos da Microsoft no mundo competitivo até então, Halo, Forza Motorsport e Age of Empires (principalmente o 2, Age of Kings, e o novo Age of Empires 4) já convivem com o pouco interesse da empresa ou a regionalização de seu cenário. Dentre muitas áreas que a Microsoft está envolvida, uma delas é o desenvolvimento de jogos e, por apelo da comunidade, a formação de um competitivo. É diferente de uma Riot Games, que está 100% no mercado de jogos e tem em esports um de seus grandes pilares.

Quais são os esports atuais na Microsoft?

Em Halo, o último campeonato mundial disputado foi lá atrás, em 2018. O evento contou com nove equipes da América do Norte, quatro da Europa, dois da Oceania e um do México, provando a regionalização da modalidade. Desde então, Halo tem operado em campeonatos Major até o lançamento de Halo Infinite no final de 2021. Com o jogo vivo, a 343 Industries, que é o estúdio da Microsoft responsável pelo título, compartilhou uma visão mais ampla de seus planos para o futuro do cenário competitivo, incluindo um novo circuito mundial de Halo em 2022 - mas que, novamente, apenas as quatro regiões citadas anteriormente participarão.

Em Forza, o título de automobilismo, o potencial era imenso se analisarmos a febre que o esporte virou do início da pandemia para cá, incluindo o aumento no interesse de esportes como Fórmula 1 e Stock Car. No entanto, erros passados cometidos pela Microsoft e pela Turn 10, o estúdio responsável, frearam o potencial da modalidade antes do automobilismo voltar a explodir. Não à toa o último campeonato de expressão de Forza foi em 2019, o Forza Racing Championship. Falhas de comunicação com a comunidade, falta de ferramentas básicas como um modo de espectador digno e o crescimento de concorrentes “frearam” o jogo antes do automobilismo explodir novamente. Hoje, Forza está muito longe dos concorrentes principais, Gran Turismo, F1 e iRacing.

Imagem de jogo de Forza Motorsport

Imagem: Forza

Para finalizar, o meu queridinho Age of Empires. Desde que comecei a acompanhar o esport e fui muito bem recebido pela comunidade, o cenário competitivo se provou exatamente isso: uma vontade dos fãs de fazer acontecer. Em sua imensa maioria, os campeonatos de AoE 2 (antes do lançamento do Age of Empires 4) eram organizados por streamers, equipes e até pessoas da comunidade que se juntavam para fazer vaquinhas. Entre as pouquíssimas marcas que apostaram na nostalgia do jogo, a Red Bull se provou quase uma mecenas, investindo em quatro campeonatos de grande porte, inclusive um último em 2021 feito diretamente de um castelo na Alemanha.

AoE 2 manteve o título vivo no cenário competitivo depois de AoE 3 ter uma alta rejeição de jogadores. Com o lançamento de Age of Empires 4, a expectativa era que a Microsoft apoiasse mais campeonatos, e, apesar de o jogo estar em sua infância, não vemos muitos movimentos da empresa apoiar profundamente o jogo. Vale lembrar também que o RTS como gênero tem dificuldade de atrair novos jogadores frente a outros gêneros como MOBA, FPS e Battle Royale, e a cada ano que passa, a base de jogadores fica mais velha, apelando mais para a nostalgia do que para a novidade. Quem sabe AoE 4 não mude isso.

Red Bull Wololo V de Age of Empires II aconteceu ao vivo no castelo de Heidelberg, na Alemanha, em 2021

Imagem: Red Bull

Quais são os novos desafios com a compra da Action Blizzard?

Envolta em diversos escândalos, a compra da Action Blizzard traz, em esports, mais problemas ainda para a Microsoft. Os títulos são muito maiores e mais tradicionais do que os que a empresa já possui. Estamos falando de Call of Duty, Overwatch, Starcraft, modalidades que possuem históricos de grandes torneios, jogadores e são (ou foram) parte importante do legado construído por videogames como competição.

No entanto, o problema vem de diversos fatores. Vamos aos poucos:

  1. Regionalização

No CoD para PC, o principal campeonato é a Call of Duty League, que é disputada apenas por equipes da América do Norte. Já no CoD Mobile, o ecossistema é bem mais descentralizado, mas não há uma competição global, visto que o Mundial é separado em Oeste e Leste. No Oeste, jogam quatro equipes da América do Norte, quatro da América Latina e quatro da Europa. No Leste, jogam quatro do Sul Asiático e Oriente Médio, três da China, dois do Japão e três do Sudeste Asiático. Não há uma competição que una todas as regiões do mundo.

Essa regionalização no principal título de FPS da Activision Blizzard já é algo que a Microsoft vive em Halo, e portanto há poucas chances de termos uma mudança significativa, e é algo que fere o potencial do jogo e o alcance da comunidade. Resta saber se pelo menos o cenário mobile vai conseguir segurar a barra - e o Brasil é bom de CoD Mobile.

Call of Duty World Championship em 2019

Imagem: CWL
  1. Comunidade segurando a barra

Assim como CoD e Halo são paralelos, o mesmo podemos dizer de Warcraft e Age of Empires, ambos títulos que são segurados principalmente pela comunidade apaixonada pelo jogo, seja pelo gênero RTS ou seja pela nostalgia. Os pontos, no entanto, são os mesmos. As modalidades vivem do interesse de seu pequeno público, que sofre sem rejuvenescimento da base de fãs. Fora apoios pontuais, nem Microsoft e nem Activision Blizzard investiram muito nos dois.

  1. Respeitar legados

Há algum tempo Starcraft II perdeu espaço como modalidade prime de esports para títulos como League of Legends, Counter-Strike e outros, muito pelo já comentado decaimento no interesse na modalidade de RTS. A preferência da comunidade é para MOBA, FPS e Battle-Royale.

No entanto, Starcraft, junto de Quake (Bethesda/ZeniMax, que também foi comprada pela Microsoft), foram os berços de esports como conhecemos hoje em dia, no final da década de 90 e começo dos anos 2000. Por muito tempo, Brood War (o Starcraft I) e SC2 foram dois dos principais jogos que começaram o fenômeno dos jogos competitivos, principalmente na Coreia do Sul, a Meca dos esportes eletrônicos.

IEM Katowice é o principal campeonato de Starcraft 2 atualmente

Imagem: ESL

Do começo da década de 2010 para cá, o jogo perdeu popularidade frente aos outros jogos, e o cenário competitivo de SC2 sofre com falta de interesse do público e uma base de jogadores que envelhece. Ainda assim, sua história faz com que grandes campeonatos ainda aconteçam, principalmente via parceiros como ESL e DreamHack. Em fevereiro, por exemplo, acontece a IEM Katowice 2022, que terá um torneio de Starcraft 2 valendo US$ 500 mil. A modalidade é um clássico de torneios da IEM há tempos, mas o interesse da Activision Blizzard em apoiar oficialmente o jogo fora suas parceiras é extremamente inconstante.

O Starcraft II World Championship Series (WCS) foi oficialmente aposentado em 2020 pela Blizzard, que comunicou que trabalharia exclusivamente com circuitos parceiros, especificamente o ESL Pro Tour (que tem na IEM Katowice seu principal campeonato) e a DreamHack SC2 Masters. O cenário segue vivo, mas seu impacto está longe de ser o que um dia foi, e a perspectiva de mudança é pequena, visto que é comum que a compra de empresas pela Microsoft envolvam a manutenção do trabalho que já é feito.

  1. Overwatch

Não há maneira curta de falar sobre Overwatch. O título foi lançado oficialmente em 2016 e desde o começo era uma grande aposta da Blizzard para um jogo com um ecossistema profissional de esports. Não à toa a criação da Overwatch League diretamente em um formato de sistema de franquias contou com um preço de vaga a partir de US$ 20 milhões. O gênero que misturava MOBA e FPS também foi um apelo grande para a comunidade.

O começo foi fulminante, e os acordos de transmissão e patrocínio somaram acima de US$ 200 milhões, com equipes da Europa, China e América do Norte dominando o ecossistema dividido em conferências, estádios lotados e muita animação da comunidade, especialistas, equipes e jogadores profissionais. Mas hoje, o jogo parece morto para a imensa parcela da comunidade de esports.

London Spitfire vence a primeira Overwatch League, em 2018

Imagem: OWL/Blizzard

Alguns pilares mataram o Overwatch como esport, sendo os principais:

  • Balanceamento ruim do jogo: Tirou a graça tanto de jogar quanto de assistir às partidas e afastou jogadores do jogo

  • Ida para o YouTube: Um acordo de exclusividade com a plataforma em 2020 que chegou a casa dos US$ 160 milhões, mas afastou espectadores da Twitch, a plataforma de maior alcance e preferência da comunidade e feriu a audiência

  • Formato do campeonato: Equipes tinham o seu próprio estádio, e isso era incrível, mas fazia com que times tivessem que viajar para seus jogos. Em 2020, era estimado que o London Spitfire teria que viajar uma total de 124 mil quilômetros para jogar suas partidas, o que cansava jogadores e exigia uma soma incrível de dinheiro

  • VALORANT: O FPS da Riot Games lançado em 2020 entrou no mercado que Overwatch estava falhando, e fez com que uma infinidade de jogadores migrassem para um ecossistema novo de uma desenvolvedora que já havia provado que sabia o que estava fazendo com League of Legends

  • Escândalos: Algo que a Activision Blizzard conviveu quase que diariamente de 2020 para cá, principalmente relacionados a discriminação e assédio de seus empregados

A compra da Activision Blizzard pela Microsoft pode clarificar algumas mudanças, mas o problema é muito mais profundo. Vem da base. Sem ter mostrado muito conhecimento e iniciativas de sucesso nos esports até então, precisamos esperar para entender o que a Microsoft pretende fazer com o Overwatch.

Futuro dos esports de Microsoft e Activision Blizzard são nebulosos

Imagem: ESL

Futuro desconhecido e incerto

Esports é apenas mais uma das incertezas que viveremos após a compra da Activision Blizzard pela Microsoft, e julgo, com base no histórico da empresa no ramo, que não será uma prioridade também. Até então, é comum vermos as companhias compradas pela titã da tecnologia atuando de maneira completamente separada, apenas fazendo parte do guarda-chuvas da Microsoft.

No entanto, devido ao impacto na indústria de um acordo tão grande assim, talvez o formato de diversas mecânicas de trabalho mudem.

Para os esports, é bom torcermos para que mude. Mesmo.