Resident Evil Village:
A história por trás do jogo

Capcom abriu os portões do vilarejo mais diabólico dos games e contou todos os segredos de produção

Diego Lima repórter

Lobisomens, bruxas, vampiros. A fantasia do universo de Resident Evil foi muito além dos zumbis e ganhou mais personagens do folclore e da cultura pop com a chegada de Village, em maio de 2021. Foi ousado. Muito ousado.

No início, quando as primeiras prévias foram divulgadas, houve certa resistência por parte de alguns fãs. Contudo, desde a chegada às lojas, já foram mais de 4.5 milhões de unidades vendidas, conforme divulgado pela própria Capcom.

O The Enemy teve a oportunidade de conversar com o produtor Masachika Kawata, que falou de coração aberto sobre como está orgulhoso do sucesso de Village, apesar dos desafios que fazem parte do desenvolvimento de qualquer jogo.

AVISO DE SPOILER:

Esta é uma matéria que tocará em certos pontos do roteiro de Resident Evil Village. Apesar de não nos aprofundarmos em acontecimentos específicos, recomendamos a leitura para quem já terminou o jogo para preservar sua experiência.

Bem-vindo ao novo horror

A história de Resident Evil Village começou antes mesmo do que você imagina. O desenvolvimento teve início ainda na época do sétimo episódio canônico da série principal, em que a Capcom conseguiu observar uma falha que foi escancarada pela crítica especializada e pelos fãs da série: a pequena variedade de adversários. Essa era uma preocupação real dos desenvolvedores.

"Apesar dos elogios da crítica, sabíamos que um dos problemas de Resident Evil 7 era a falta de variedade de inimigos e tínhamos decidido corrigir isso com Resident Evil Village. Foi algo que tanto a mídia quanto os jogadores perceberam imediatamente, então, foi bom ver aquele feedback positivo imediato sobre nossas tentativas de ampliar a variedade de personagens vistos no jogo" disse Kawata.

Surge Lady Dimitrescu, a vilã viral de Resident Evil

Nos meses que precederam o lançamento de Resident Evil Village, alguns personagens chamaram atenção e viralizaram nas redes sociais, como foi o caso de Lady Dimitrescu e da aura de mistério ao redor de Chris Redfield. Mal sabíamos o que os produtores estavam escondendo para quando o game chegasse em nossas mãos.

"Lady Dimitrescu pode até ter roubado a cena antes do lançamento, mas com certeza foi bom ver tantos dos outros personagens, cenas e locais recebendo tanto amor depois que as pessoas colocaram as mãos no jogo. Queríamos mesmo oferecer aos jogadores variedade de todas as maneiras possíveis, como se estivessem experimentando cada atração em um parque temático de terror", contou.

Dimitrescu.png

Lady Dimitrescu monopolizou a atenção dos jogadores no período anterior ao lançamento do jogo. Não faltaram cosplays, teorias, análises de tamanho (dela e do chapéu) e suposições das mais aleatórias. Foi quase igual ao que houve com Mr. X.

É natural que um jogo busque maneiras de inovar e se manter relevante. Isso inclui, evidentemente, todas as mudanças citadas até aqui. Contudo, por que Ethan acabou enfrentando tantas criaturas típicas do folclore europeu, especificamente, em vez de monstros mais próximos aos "típicos" da série? A resposta é bem mais simples do que parece.

"Como você mencionou, tivemos muitas influências diferentes da literatura de terror clássica. Achamos que seria interessante dar nosso próprio toque e perspectiva para isso por meio das lentes de Resident Evil. Apesar de termos nos baseado em criaturas místicas, sempre temos de nos certificar de que elas estejam fundamentadas, em algum grau, na formação acadêmica, quando apresentadas neste mundo de Resident Evil, onde formas de vida são distorcidas pela ciência", respondeu Kawata.

"Acho que os jogadores responderam muito bem a essa direção, vendo monstros clássicos familiares no cenário de Resident Evil, mas não é necessariamente uma direção em que devemos seguir em frente. Existem alguns princípios gerais que sempre obedecemos ao produzir um jogo de Resident Evil, como os quatro pilares de medo, combate, exploração e gerenciamento de recursos. O peso que colocamos em cada pilar pode variar de acordo com o título, mas esses são os elementos principais que sempre mantemos, enquanto incorporamos novas ideias para impulsionar a inovação da franquia", contou.

Lobisomem.png

Quando falamos em vampiros ou lobisomens, costumamos pensar em histórias de terror mais tradicionais. Contos que envolvem magia e capacidades sobrehumanas, principalmente. Sabemos que Resident Evil nunca seguiu por esse caminho, mas Village encontrou uma maneira de mesclar esses universos distintos do terror.


Não sabemos, portanto, em que direção o próximo Resident Evil seguirá. De qualquer forma, pense nos primeiros seis jogos da série: do primeiro ao terceiro, exceto por pequenas diferenças, os títulos seguiram uma lógica similar — e o mesmo vale para a trilogia seguinte (4, 5 e 6).

Se seguirmos essa ideia de agrupar os jogos como trilogias, algo que Kawata confirmou ser intencional, é bastante possível que Resident Evil 9 seja um jogo em primeira pessoa de terror com elementos de ação (ou ação com elementos de terror).

Resta sabermos se a jogabilidade será devidamente ajustada caso a experiência final dessa terceira trilogia seja ainda mais frenética do que o último ato do oitavo jogo numerado, por exemplo. Convenhamos: Village funciona melhor quando exige menos correria.

O filho de Resident Evil 4 e Resident Evil 7

Apesar do jogo ser cheio de possibilidades, talvez até mais do que qualquer outro na franquia, algumas opções foram deixadas de lado. Conforme avaliado pelo próprio Kawata, há o lugar e tempo certos para que determinadas ideias sejam implementadas ou não.

Portanto, mesmo que algo não tenha sido aplicado em um momento específico, há sempre a oportunidade de aproveitar esse conceito no futuro.

É evidente que o sucesso de Resident Evil Village não se deve apenas à grande variedade de inimigos novos. Afinal, o jogo foi influenciado diretamente por Resident Evil 4, um dos títulos mais importantes e revolucionários na história da série, que conseguiu furar a bolha do gênero terror e se tornar referência para estúdios do mundo inteiro.

LEON.png

Resident Evil 4 foi lançado em 2005. O jogo era protagonizado por Leon S. Kennedy, de Resident Evil 2. Com mais ação do que todos os jogos anteriores da série, o quarto jogo numerado da franquia era situado em um vilarejo, assim como Village, durante a maior parte do tempo. O título incluía ainda um castelo. Coincidência? Não exatamente.

"Quando trabalhamos em qualquer novo jogo de Resident Evil, é natural que olhemos para os títulos anteriores da série. E, naturalmente, todos na equipe são fãs dos games anteriores da franquia. No entanto, as influências mais óbvias desta vez foram Resident Evil 7 e Resident Evil 4. Não é nenhuma surpresa que a mídia e os fãs perceberam as semelhanças, porque esses dois títulos foram inegavelmente grandes influências durante a criação de Resident Evil Village", afirmou Kawata.

O desenvolvimento de Resident Evil Village começou quando Resident Evil 7 estava sendo finalizado. Como o sétimo game numerado da série ainda não havia sido lançado, a equipe estava bastante atenta ao que seria elogiado e quais aspectos poderiam melhorar, de acordo com os jogadores. Com a aclamação universal do game da Capcom, no oitavo título canônico, os desenvolvedores decidiram seguir com Ethan Winters e ampliar os horizontes do que os jogadores poderiam fazer.

Se, por um lado, Resident Evil 7 era inspirado no Resident Evil original (que também era situado majoritariamente em uma casa), por outro, Resident Evil Village seguiria para um espaço um pouco maior. Um vilarejo, como sabemos hoje.

Levando essa escolha em consideração, era natural que desenvolvedores olhassem para Resident Evil 4 e buscassem maneiras de melhorar alguns conceitos desse jogo que ainda fizessem sentido em uma nova realidade.

"Também queríamos aumentar a ação em Resident Evil Village, em comparação com seu antecessor. Resident Evil 4, sem dúvida alguma, teve a maior mudança na jogabilidade em relação aos títulos que vieram antes dele, alcançando inegável sucesso. Então, queríamos replicar o mesmo nível de inovação e sucesso com Resident Evil Village. Um aspecto facilmente reconhecível são as armas e ações adicionais que Ethan tem à disposição. Com a maior variedade de inimigos que ele precisa enfrentar, achamos que só seria adequado se lhe déssemos mais ferramentas para se defender", disse.

Ideias de Resident Evil Village que nunca vimos ou veremos

Assim como em qualquer outro jogo, a versão final de Resident Evil Village foi o resultado de algumas mudanças que, inevitavelmente, ocorreram ao longo do processo de desenvolvimento. Parte dessas alterações, inclusive, é bem curiosa.

"Desde o início, queríamos criar uma área esteticamente agradável e assombrada, habitada por adversários fascinantes. No entanto, a maneira como essa ideia funcionaria mudou ao longo do caminho. O produto final inclui três filhas da Lady Dimitrescu, mas, originalmente, o castelo era povoado por dezenas e dezenas de inimigos sedentos por sangue. Contudo, por meio de várias revisões de conceito, testes de jogo e ajustes finos, descobrimos que o melhor equilíbrio era ter as três filhas habitando cada área principal do castelo", revelou Kawata.

CASSANDRA.png

Uma matéria publicada em abril de 2021 pelo IGN indicava ainda que outras opções para o jogo incluíam centenas de bruxas quase nuas ocupando o Castelo Dimitrescu. Ainda bem que esse não foi o caso.

"A aparência delas também mudou ao longo do caminho. Durante o processo de desenvolvimento, elas usavam diferentes tipos de armas, como tesouras gigantes. Houve também um ponto no tempo em que a composição física das personagens era diferente, em que elas se mumificavam ao serem derrotadas. No entanto, esses elementos foram modificados por vários motivos. Por exemplo, os visuais de mumificação pareciam quase cômicos e obviamente não era o que estávamos buscando, então, esses foram os elementos que alteramos até chegarmos aos designs finais", disse.

Não sabemos o que aguarda os jogadores nos próximos jogos de Resident Evil, mas a franquia segue crescendo até fora dos games. O que não falta para o futuro próximo são adaptações: O filme live-action Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City, além das séries animada e live-action da Netflix.

A marca, que completou 25 anos em 2021, parece mais forte do que nunca.

Entretanto, é evidente que os próximos passos de Resident Evil não se limitam ao mundo que existe fora dos games. Sem dúvida alguma, é apenas questão de tempo até que o próximo título seja lançado.

Questionado a respeito dos próximos passos de Resident Evil nos games, dada a conclusão do oitavo jogo numerado da série, Kawata se limitou a dizer que: "Resident Evil sempre foi sobre não apenas instigar inovação e terror, mas gerar momentos que trazem alegria para os fãs. Esse tipo de especulação são comentários que vemos com frequência nas redes sociais e, embora não possamos confirmar nenhum plano, sempre consideramos uma série de possibilidades que podemos levar adiante."

Se você zerou Resident Evil Village, provavelmente, já tem uma leve ideia do que esperar em uma inevitável sequência. Enquanto essa nova etapa da história não é oficializada, resta a nós, fãs, especular sobre as possibilidades. Nunca na história da indústria houve momento melhor para ser fã de Resident Evil. Afinal, podemos ter em mente a paz de saber que a Capcom continuará se esforçando para trazer mais capítulos situados nesse universo único.

Que venham os próximos remakes e sequências. Não quero motivos para sentir saudade da maior série dos jogos de terror de todos os tempos.

Publicado 10 de Setembro de 2021
Reportagem Diego Lima
Edição Victor Ferreira
Designer Renan Sanches
Editor-Chefe Rodrigo Guerra
Diretor de Arte Luiz Torreão
Coordenação Amanda Seabra e Anna Madi