"Confiança", por Aegis

A batalha interna de Aegis contra sua falta de confiança chega ao seu ápice na final da Primeira Etapa do CBLOL 2022, no duelo de RED Canids e paiN Gaming.

Gabriel "Aegis" Lemos Jogador Profissional

O que sempre precede o sucesso é o medo de falhar. Acredite em mim.

Aos poucos, vocês estão me conhecendo, mas eu mesmo estou em um processo de me conhecer, e não é uma tarefa fácil. Sei o que fui e tenho constantes dúvidas de quem sou, mas tenho certeza de quem quero ser no meu futuro.

Sempre fui uma pessoa introspectiva, quando era criança e adolescente. Sabe aquela pessoa que conhece todos os grupos da escola e fala com quase todo o mundo, mas, ao mesmo tempo, nunca é a pessoa que inicia uma conversa? Esse era eu. Claro, tinha um amigo que era mais próximo, mas, mesmo para ele, e até hoje, tenho sérias dificuldades de abrir os meus problemas.

Ao mesmo tempo, sempre fui aquele cara que estende a mão, que tem facilidade em identificar quem está com problema e precisa de ajuda, mas eu mesmo abro muito pouco dos meus medos para os outros. Não sei. Tenho receio de estragar o dia de alguém pedindo ajuda. Sabe? Aquela voz na cabeça que sempre pensa no medo de falhar acima da vontade de vencer.

E aí, eu me fecho em uma casca.

Me torturo mentalmente tentando entender os meus problemas.

Buscando uma forma de resolver tudo sozinho.

Lutando constantemente com a minha autoconfiança.

Colocar os problemas e as dificuldades na frente dos meus pensamentos foi, inclusive, algo que aconteceu comigo lá no começo, quando comecei a jogar League of Legends.

Talvez alguns de vocês conheçam um jogo antigo chamado GunZ: The Duel. Joguei muito, desde quando era criança até fazer uns 19 anos, e eu era muito bom. Na verdade, eu e um amigo meu, o Luiz “Tenchi”, éramos dois dos melhores jogadores do servidor. Aos poucos, lá por 2015, vários amigos meus pararam de jogar e passaram para League of Legends. Sem querer jogar sozinho, acabei começando no LoL.

Minha competitividade sempre foi criar desafios para mim, e o Luiz era aquele tipo de pessoa que é boa em tudo o que faz. Quando comecei a jogar, ele já estava no Diamante, então, durante muito tempo, a minha missão foi chegar até o Elo dele pra começarmos a jogar juntos nas Rankeds.

Ele era Mid, e como eu via muito ele jogando, também foi a role em que eu comecei a jogar. Mas, a bem da verdade, meus amigos sempre gostaram de jogar mais Normal Game, então, sempre a única posição que sobrava era Jungle, e assim eu conheci o Lee Sin, o meu Campeão favorito até hoje.

Em pouco tempo jogando no Mid, consegui chegar ao Diamante, mas, nesta mesma época, os meus amigos foram parando de jogar LoL, apesar de ainda assistirem o competitivo. A paiN estava no Mundial 2015, mas eu mal conhecia times brasileiros, então, lembro de assistir a alguns jogos da Fnatic e, principalmente, alguns da INTZ, já em 2016, como a final do CBLOL contra a CNB e aquela série contra a Dark Passage no IWCQ de Curitiba. Fiquei muito curioso e animado vendo que existiam pessoas que levavam o jogo como profissão.

Isso foi crescendo em mim. Ao mesmo tempo… Não sei, estava muito longe da minha realidade. Sabe?

Eu parava e pensava no que aquele cara jogando na frente de milhares de pessoas devia ter feito e passado para chegar até aquele momento em que todos os olhos estão em cima dele, torcedores gritando o seu nome, comemorando um título junto com ele. Ou ele estava há muito tempo no cenário ou era de um nível absurdamente alto de jogo. Não sei. Só me lembro de pensar que era algo impossível para mim na época. Não sabia nem por onde começar, mesmo que quisesse de verdade ser um jogador profissional.

Depois que os meus amigos pararam de jogar, decidi virar basicamente um mono Lee Sin, jogando com ele até o nível que eu conseguisse. Não demorou muito tempo para que eu estivesse Challenger e em algumas das posições mais altas do servidor brasileiro nas Rankeds.

Um dia, recebi uma mensagem da CNB me convidando para uma peneira para as equipes de base deles. Na melhor das equipes, eles convidavam os possíveis futuros jogadores para passar alguns dias na gaming house deles, mas a minha mãe era meio reticente sobre isso e não me deixou ir. Fiquei um pouco decepcionado, mas dava para entender — era lá por 2017, e eu estava terminando o ensino médio, tinha toda aquela pressão de escolher um curso para prestar vestibular, escolher uma carreira para o meu futuro e tudo mais.

Mas… Não sei. Eu não conseguia encontrar nada que realmente gostaria de fazer, sabe?
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Aegis

Então, o BeellzY, que era um dos técnicos das equipes de base da CNB, falou para eu tentar participar de uma peneira que a RED Canids estava fazendo na época, e eu passei. Na hora, eu ainda não conseguia responder várias perguntas que eles faziam porque eu simplesmente não tinha as respostas.

Por que você quer ser jogador profissional? Não sei.
Por que você merece entrar na RED Canids? Não sei.
Quais são os diferenciais que você trará para a equipe? Também não sei.

Isso me fez ficar de fora da seletiva da RED. Mas talvez tenha sido um daqueles momentos que você só não consegue explicar muito bem. Era para ser assim mesmo.

Na hora dos testes de jogo, não completaram o número suficiente de Junglers e me chamaram para completar… Eu nunca mais saí da RED. A partir do momento em que entrei, coloquei na minha cabeça que aquilo era exatamente o que eu queria fazer.

O próximo passo seria construir o tipo de jogador que eu gostaria de ser.


Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

A RED foi um dos primeiros times a criar uma equipe de base lá, em 2018. Mesmo ano em que a organização, que tinha sido campeã da Primeira Etapa 2017, terminou o ano sendo rebaixada do CBLOL. Eles contrataram diversos jogadores que eram muito bons, como o TitaN e o Revolta… O mesmo cara que, em 2016, eu estava assistindo liderar o Exodia para o Mundial de League of Legends.

E eu queria ser um pouco como ele, sabe? Que as pessoas olhassem para mim como um tipo de líder da equipe.

Quem me deu o empurrão para ir nessa direção, na verdade, foi o Nuddle. Até então, eu não tinha esse perfil. Comprei muitos livros para entender o que era ser um líder para outras pessoas. Era importante mandar? Entender as pessoas? Jogar o seu melhor? Fui lendo e criando essa imagem do que seria um líder para mim, e cheguei à conclusão de que um líder é uma pessoa com quem as pessoas podem contar para qualquer coisa.

Subimos para o CBLOL em 2021 e, conforme os desafios realmente começaram a aparecer, agora que estávamos na elite do competitivo brasileiro, o meu trabalho como líder começou a ser posto a prova. Fui entendendo e aprendendo no decorrer do campeonato mesmo. Quando a dificuldade aparece é que você sente a necessidade de ter uma figura para liderar. Entendi isso conversando com os psicólogos da equipe.

O problema é que, mesmo querendo, eu não achava que poderia ser essa pessoa, porque sempre tive um problema muito grande de confiança.

Como falei, costumo duvidar muito de mim. Se isso transparece para os outros, é pior ainda. O líder não vai liderar sem estar confiante. E isso faz com que eu trave uma guerra interna incessante dentro da minha cabeça.

Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

No geral, o nosso time sempre dependeu do meu humor para jogar bem, e isso é algo que diversos jogadores já falaram para mim. Vocês conhecem o TitaN, sabem o quanto ele grita e joga todos para cima, mas mesmo se ele estiver puto algum dia, conseguimos jogar. Se eu estou, o time se desestabiliza.

Eu sempre quis ser um jogador completo, e ser completo é também liderar o time. Demorou para entender como fazer isso sem ser dentro de jogo, coordenando a equipe e sendo um dos principais junto com o Coelho a decidir o nosso draft e as nossas estratégias. Eu precisava entender a particularidade de cada um e saber trabalhar individualmente com eles. Um grande exemplo de quando eu não soube liderar foi no final da Primeira Etapa 2021.

Mesmo nesse processo de entender quem éramos como time, sempre fomos muito bons juntos, e chegamos às semifinais contra a Vorax assim. Depois que perdemos o primeiro jogo, vi a galera ficando desesperada, e só piorou depois que perdemos o segundo. Então, ganhamos o terceiro e eu achei que as coisas iam melhorar. O que aconteceu foi que corremos para uma zona de conforto e, então, fomos eliminados. Fiquei muito mal.

Como o TitaN contou no ano passado, o time acabou apontando ele como culpado pela derrota. Era o mais fácil depois de uma grande frustração, como foi a nossa eliminação. Ele realmente não tinha jogado bem, resistiu à ideia de usarmos estratégias que tínhamos treinado muito e tudo mais. Estávamos conversando em time sem ele, e eu falei para todos: “apesar dos problemas, vocês estão esquecendo tudo o que o TitaN fez por esse time, as várias vezes que ele puxou a gente pra cima e carregou quando ninguém aqui conseguia jogar direito”.

É o TitaN, porra. Ainda é o TitaN. A única coisa que sei é que, independente de tudo, temos mais chances com ele do que sem ele.
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Aegis

Combinamos de falar com ele, mas, no final, desci sozinho para conversar com o TitaN. E não passei a mão na cabeça dele, não. Falei tudo o que ele errou, critiquei bastante, e ele ouviu tudo olhando nos meus olhos e entendendo. No final, disse que precisava dele. O time depois se reuniu e todos foram muito sinceros uns com os outros. Acho que ali surgiu esse sentimento de não querermos nos separar, sabe?

O Guigo também já esteve nesta situação, mas vamos trocá-lo? Ele é um cara que se doa como ninguém na equipe, está disposto a sacrificar o seu jogo e o que ele gosta de jogar para encaixar no que a equipe precisa, fazer o trabalho sujo, perder a lane. Ele é um cara muito fácil de lidar, tranquilo, dificilmente se abala, e ainda por cima joga muito bem. A gente precisa de um cara assim na equipe, com tudo que ele faz e o que ele traz.

O Jojo também. Já falaram o quanto ele é diferente do resto do perfil da equipe, mas ele é perfeito para jogar conosco. Tá todo mundo gritando, e ele está lá puxando a gente para o chão de volta, coordenando as jogadas comigo, se movimentando pelo mapa, encontrando umas brechas que só ele encontra. Frio como gelo.

O Jojo não é o cara que você pressiona e ele fica melhor, você precisa mostrar que está tudo bem e passar confiança, e aí ele vai pra cima. O Titan é o cara que precisa ter liberdade controlada, o famoso puxar e soltar a coleira. O Grevthar é um cara que gosta da pressão, gosta do feedback direto, de você ser um pouco mais duro. O Guigo é parecido com o Jojo, você fala uma vez e deixa ele absorver, que ele vai fazer o trabalho dele.

Tudo isso é uma grande prova para frear aquele ímpeto de ter que mudar as coisas porque estamos frustrados, quando as coisas estão dando errado. Foi assim que as pessoas começaram a me escutar mais e fomos evoluindo.

Sempre penso no que a pessoa fez por nós, sabe?

Se você só chutar o cara do time, o que está mudando? Você realmente está pensando em tudo o que aquele cara fez para chegar até ali? O quanto ele se doou e treinou? Você está entregando toda uma história na hora que decide não apostar na volta por cima de alguém. Se você conversou, tentou ajudar e nada mudou é outra coisa. Mas nunca vi isso acontecer com Guigo, Avenger, Grevthar, TitaN e Jojo. Não aqui. Não na RED.

Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

O título do CBLOL no ano passado foi a coroação desse sentimento de equipe. Que a organização e os jogadores, apesar dos problemas, decidiram confiar e apostar uns nos outros. A bem da verdade, não foi um split muito difícil. O maior perigo estava em como a gente reagiria aos tropeços no caminho, mas conseguimos manter a cabeça no lugar. No final, ainda me coroaram como Jogador Revelação, Melhor Caçador e Melhor Jogador do ano…

… e de novo, você só se conhece de verdade quando está sendo desafiado.

Por isso, a Primeira Etapa de 2022 foi a mais difícil da minha carreira.


Se você olhar a tabela do CBLOL, a RED Canids nunca ficou abaixo do quinto lugar. Sempre tivemos mais vitórias do que derrotas, e em nenhuma rodada perdemos os dois jogos que jogamos. Inclusive, terminamos empatados com FURIA e KaBuM, na ponta da tabela. Mas os bastidores mostravam algo diferente.

E estava tenso.

Estávamos completamente desgastados. Em diversos momentos parecia que não nos esforçávamos de verdade para melhorar, sabe? Os treinos eram péssimos e estressantes, ninguém estava mais se aguentando direito. Conversávamos, mas parecia não surtir qualquer efeito. Depois do título e do Mundial, ficamos mais experientes, mas as discussões também começaram a ficar mais pesadas. Sempre fomos um time direto um com o outro no feedback, mas estávamos perdendo a mão.

Chegou um momento que eu até cogitei de verdade pedir uma pausa. Fui até o Corradini, um dos diretores da RED, e falei:

Ou você me manda para um psiquiatra ou pode arrumar outro jungler
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Aegis
Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Eu tentava muito me controlar, porque sempre tive uma voz muito ativa no time dentro de jogo e fora, na preparação e no draft. Muitas vezes, você pode notar que vira um debate entre o Coelho e eu sobre o que vamos fazer e usar na partida, durante os picks e bans.

Tudo isso culminou na nossa derrota por 3-0 para a KaBuM nas quartas de final. Nós perdemos feio, mas, pior do que isso, a cada partida que acabava eu me frustrava mais e mais, tentando puxar a equipe com palavras vazias.

Falava “vamos”, mas para onde?
“Parem de ter medo de jogar”, mas como vamos jogar?
“Esses não são vocês”, mas quem somos nós?

Falei tudo pelo coração, mas me perdi ali no meio. Falar desse jeito nunca vai ajudar ninguém. Pelo contrário, só deixa as pessoas mais perdidas e pressionadas do que antes. Falhei muito como líder, tentei forçar a barra e deu o resultado oposto.

Mas o meu pior erro foi com o Jojo. Ele jogou mal a série, e eu sabia disso, mas não estendi a mão para ajudá-lo. Eu via que ele estava mal, mas, ao invés de ajudar, eu chegava e falava: “para de ter medo de jogar!”.

Fui horrível. Tanto que, depois, fiz questão de pedir desculpa para ele. Fui um merda. Na hora, eu estava cego de raiva. Virou uma chave muito grande para mim naquele dia.

Na Segunda Etapa 2021 não fomos verdadeiramente desafiados. Ganhamos sem muita dificuldade. É muito mais fácil você perder um jogo já estando com uma ou duas vitórias no placar, bate muito mais suave. Não tínhamos perdido uma série ainda, caído para a chave inferior, como foi nesse Split.

Tentei mergulhar em várias coisas para achar alguma maneira de ajudar o time. Uma noite na GH estava assistindo jogos da T1 e entendi alguns sistemas que eles usavam para lidar com derrotas e desvantagem na partida e que a gente poderia usar aqui na RED. O resto foi crescendo pouco a pouco. Não adiantava nos atropelar, precisávamos sair do zero novamente depois do atropelo da KaBuM.

Essa construção começou aos poucos na lower bracket. O primeiro passo contra a Liberty foi o mais difícil. Acabávamos de sair de um 3-0 e a Liberty é um time muito bom, sabíamos que ia ser complicado, mas acho que a maior dificuldade era nós mesmos. Tudo começou ali. Ganhamos mesmo tomando stomp no jogo quatro, mas aquelas lições que aprendemos antes nos ajudaram a manter a frieza e vencer a série.

E aí o primeiro passo já tinha sido dado. De parados, voltamos a andar, era progresso.

E aí não sei, acho que entra uma parte de mística, de sentimento.

Estávamos na sala para enfrentar a FURIA, e apesar de estarmos preparados, não tínhamos um draft coeso pronto para a série. Por sorte, eu liguei o monitor no jogo que estava passando da LEC e a G2 estava usando uma composição contra a Fnatic que era perfeita para o nosso estilo de jogo. Virei para o Guigo e disse “o que você acha de jogar de tanque? Sion ou Ornn?”. Todo mundo ficou reticente porque a gente ia dar o counter para o fNb, ele viria de Graves ou Gwen com certeza, e o Guigo ia sofrer na lane, mas sabia que no jogo completo a gente venceria. O time confiou na call e, mesmo com dois bans a menos em uma série que estava 1-1, ganhamos o terceiro jogo, desempatando. O Sion foi crucial para vencermos.

Essa série foi muito emocional, e apesar de todo mundo falar do Ranger, eu tava puto mesmo era com o fNb. Ele tentou ao máximo me desestabilizar e eu caí. Acontecia qualquer coisa no mapa, mesmo no bot sem ele participar de nada, e lá estava ele gritando e chamando a gente de horríveis. Fiquei puto.

Comecei a devolver os gritos pra ele, para não ouvirmos quietos. O Envy estava prendendo o Grevthar na lane, Titan e Jojo estavam muito focados no bot também, então eu sabia que cabia a mim tentar desestabilizar o fNb e o Ranger. Taquei o foda-se e comecei a gritar muito pra ele, o Ranger tentou defendê-lo e aí passei a gritar pra ele também, foi uma loucura. Fiz o possível para tiltá-los, fui insuportável.

E às vezes o seu time precisa disso, sabe? Olhar pro lado e ver que alguém está comprando a briga por eles, gritando e puxando o resto junto, gera um sentimento de união. Depois de conseguir ganhar uma série emocional assim você se sente muito confiante no que vai fazer, fica mais frio do que quente.

Tanto que a série da KaBuM não teve muito grito. O primeiro jogo foi um pouco tenso porque perdemos e voltamos a lembrar do 3-0 que tínhamos tomado deles, fiquei muito frustrado. O JP, diretor da RED, chegou até mim e falou “calma, cara, só começou a série” e eu respondi “sério, não fala comigo agora”. Ele ficou desesperado, mas eu sabia que precisava de um tempo comigo mesmo.

Acho que isso é uma das coisas mais difíceis de um líder, saber como cada um lida com frustração e pressão. Não é todo mundo que você pede calma que vai se acalmar, não é todo mundo que você xinga e a pessoa vai voltar a ter os pés no chão. Cada um tem um jeito de responder a cada coisa que você faz, é um balanço difícil de calcular e acertar, mesmo consigo mesmo.

Como reserva da RED eu vi muito isso acontecendo. Jogadores se pressionando para o outro performar melhor e surtindo o efeito contrário. Às vezes é a sua natureza ser mais duro e pressionar os outros, mas nem todos respondem bem a isso. É o seu dever saber como cada um do seu time lida com cada forma de pressão para extrair o melhor deles.

E quanto a mim… Mesmo enquanto eu estava ganhando os prêmios de 2021, eu me questionava, sabe?

Será mesmo que estou nesse patamar que todos estão falando que estou?
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Aegis

Não pensei em curtir o momento dos prêmios. Pensava só que, agora, eu tinha o peso de provar que estavam certos em me colocar nessa posição de destaque. Quando começamos mal a Etapa, comecei a me sabotar. Eu me cobrava ser o diferencial que todos falaram que eu fui em 2021. Demandei muito de mim e minha falta de confiança entrou profundamente na minha cabeça.

Eis que chegamos à final do CBLOL virando a série contra a KaBuM sem muitas dificuldades, e, então, na final da Primeira Etapa contra a paiN Gaming, eu me tornei a pessoa que eu sempre quis ser.


Diferente de 2021, foi uma final com muitos desafios. Com problemas dentro do time, nos perdendo e nos reencontrando, jogando três séries melhor de cinco na chave inferior dos playoffs, cada uma valendo a sua vida.

Talvez isso tenha batido em cada um dos jogadores de maneira diferente, mas o resultado foi que todos sentiram. No primeiro jogo, tomamos muitas decisões erradas, mal entramos no jogo. A paiN fez o que quis e a gente não tinha resposta para nada. Você conseguia ver que estávamos um pouco com medo, receosos.

E a única resposta que eu tinha era: “A gente não vai perder pra esses caras. Eu não vou deixar. Essa vaga é nossa, e eles não vão tirar isso da gente”.

We say tonight / No going back / Nothing seems right / Stuck in the past
(Dissemos que esta noite / Não teria volta / Não parece certo / Ficar preso no passado)

Você pode ver no áudio aberto que rolou no segundo jogo que eu estava me transformando em uma outra pessoa. Quem me conhece sabe que eu não sou esse tipo de pessoa, que se coloca em um patamar acima dos outros, que diz que vai amassar os caras.

Falei muitas coisas que não achei que falaria, mas as principais foram para o time mesmo. Não estávamos sendo nós mesmos. Estávamos pensando muito e jogando sem nos divertir. Não importava se iríamos ganhar ou perder. Estávamos vivendo uma oportunidade única e, se estávamos lá, era porque gostávamos daquilo. Devíamos, por nós mesmos, entregar tudo o que podíamos.

Quem ouviu com certeza entendeu o quanto eu estava confiante, e lendo isso espero que vocês entendam que foi algo muito novo até para mim, mas foi de coração. No fim, vencemos o segundo jogo. Mas, no intervalo, ainda sentia que alguns estavam um pouco abaixo, enquanto eu estava puto porque queria só que fôssemos nós mesmos.

Nessa série, eu fui movido um pouco pela raiva… Pelo ódio. Não queria arrependimentos.

When am I / Gonna start living? / When am I / Gonna kill this feeling?
(Quando eu vou / Começar a viver? / Quando eu vou / Matar esse sentimento?)

Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Acho que esse sentimento foi uma mistura de várias coisas: pressão da final, torcida contra a gente, mas talvez o principal foi porque nunca tivemos vida fácil contra a paiN. Contra a KaBuM a gente sabia uma maneira de vencer, e contra a FURIA também, mas contra a paiN nós apenas achávamos que tínhamos, mas teríamos que ir na tentativa e erro. A paiN estava super embalada e confiante, todos lá gritando no palco, e eu só estava com raiva mesmo. E esta raiva meio que despertou o Aegis que eu queria e precisava ser.

No intervalo após a derrota na terceira partida, eu nem lembro direito o que falei. Só queria que todos ali se lembrassem de quem eram. De que, se essa fosse realmente a minha última partida com eles, queria que fosse com o time que estou junto há mais de dois anos, que eu conheço e gosto de jogar junto, e não com um time acuado e irreconhecível, que não estava se divertindo fazendo o que ama.

Fui até o banheiro e joguei água na minha cara, me olhei no espelho e fiquei repetindo para mim mesmo “eu não vou perder essa série, isso não vai acabar aqui, eu não vou sair assim”.

Don’t wanna go / I’m holding on tight / Something to live for / Making our night
(Não quero partir / Estou segurando firme / Em uma razão para viver / Faremos esta noite)

Voltamos pro palco e eu fiz questão de ir pra cada um e falar que acreditava neles, e na partida você consegue ver que eu comemoro a jogada de cada um, tento falar qualquer coisa pra passar motivação e orgulho pra eles, e vi essa mudança acontecendo aos poucos durante a partida, essa volta por cima, o time que eu conheço realmente aparecendo. Tanto que a gente teve que se segurar às vezes.

Tinha muito medo de me acuar, porque eu sabia que essa série dependia muito da minha atuação. Falei muito com o Cláudio e a Roxanne (psicólogos) sobre o que eu faço na hora que estou com medo ou receio, mas no final das contas, não sei, eu sempre encontro uma maneira de ignorar isso e fazer o que precisa ser feito.

Novamente, estávamos com as costas contra a parede perdendo por 2-1, mas empatamos a série. No entanto, de nada adiantaria se a gente perdesse no quinto. Tudo aquilo iria por água abaixo, a nossa história, nossa guerra interna e externa. Eu não queria nem fudendo que a paiN representasse a gente no MSI, era para ser a gente.

If I go down, I will go down fighting / I go down, down like a lightning)
(Se eu for cair, eu cairei lutando / Eu cairei, como um relâmpago)

De alguma forma eu consegui contagiar a galera, inspirar o meu time a ser o que eles são. Quando eu falo no pré-jogo, até mesmo o Jojo responde pra gente ir pra cima, Grev, Guigo, TitaN… dava pra ver, dava pra sentir que o título era nosso.

Desde a primeira jogada até a última, nós brilhamos. Toda a construção da nossa história passou diante dos meus olhos, das brigas desse ano, das dúvidas, e minhas próprias, da pressão que me coloquei pelos prêmios, da auto sabotagem, da falta de confiança…

O meu choro no final foi de toda essa entrega.

Eu me entreguei de corpo e alma.

Posso não ter entregue a melhor gameplay possível, mas naqueles cinco jogos eu fui a pessoa que sempre quis ser quando sentava para assistir documentários como o do Michael Jordan e o da OG no The International. De liderança, de inspiração, de conquista. Eu olhava esses caras e me perguntava como eu poderia chegar a ser esse tipo de pessoa para o meu time, achava que era impossível, que era algo natural deles, que não é algo que se aprende.

Nessa final eu senti que mostrei pela primeira vez esse Aegis que eu sonho ser.

E talvez hoje eu entenda que ser esse tipo de líder e mostrar essa confiança não é algo que você escolhe mostrar um dia ou outro. Esses momentos simplesmente acontecem, e se você é esse tipo de pessoa, você vai mostrar isso no momento que mais importa.

When I was king / We had everything
(Quando eu era o rei / Nós tínhamos tudo)


Parte de mim ainda se sabota, tenho muito medo de falhar e preciso estar em constante evolução.

Pode ser que no MSI eu volte a duvidar de mim mesmo e tenha que me reencontrar, mas me conheço o suficiente para saber que vou encontrar um caminho para fazer as coisas darem certo quando mais importa.

Tenho que perceber o que faço, confiar em mim mesmo porque eu estou entregando. É um momento que vou guardar para sempre na minha vida.

Dentro de mim existem vários Aegis.
Tem o Aegis que é inseguro, que aparece muitas vezes.
Mas nesses playoffs apareceu outro Aegis.
Que fala, que puxa, que joga, que grita, que provoca e que não tem medo.

O meu maior orgulho foi conhecer esse outro Aegis, e espero levá-lo comigo para sempre.

Publicado 29 de Abril de 2022
Editor e Entrevistador Bruno "LeonButcher" Pereira
Editor Diego Lima
Fotografia Bruno Alvares | Riot Games
Arte Juliana Toledo