Disparos do front da cultura pop
Tony Parsons (Ed. Barracuda)
5 ovos!

Se a Billboard alimentasse um ranking sobre jornalistas musicais nos anos 70, Tony Parsons seria uma daquelas figurinhas fáceis, que se mantém no ar por várias e várias semanas. Estrela brilhante no panteão da imprensa pop inglesa, ele é o autor dos textos que formam a coletânea Disparos do front da cultura pop, que chegou às livrarias recentemente.

A carreira deste ensaísta é o típico objeto de inveja de qualquer moleque que acompanha o mundinho do rock - principalmente o microuniverso inglês - de perto. No fim dos anos 70, aos vinte e poucos anos e trabalhando em uma destilaria de gim, ele respondeu a um anúncio do semanário New Musical Express, que procurava jovens antenados para traduzir o movimento punk in loco. Era a época dos primeiros shows dos Sex Pistols, quando a coisa ainda fervilhava de verdade no underground.

Parsons foi contratado e, nos três anos que colaborou para a publicação, bateu de frente com a curta era de ouro do punk inglês. O texto que abre o livro, Blank generation na estrada, é uma resenha do primeiro show da infame turnê Anarchy dos Pistols, na cidade de Leeds, em 76, ao lado de Clash, Heartbreakers e Damned. Com sua banda rotulada de inimiga da ordem pública, Johnny Rotten passa o show inteiro provocando a apática platéia que teve coragem de estar lá: vocês nem sabem se gostam ou não! O relato, apesar de ainda ter muito da crueza e falta de estilo típicas de um amador, é um retrato perfeito do choque entre o que era produzido do lado de lá dos amplificadores contra quem estava do lado de cá das caixas de som.

A coletânea segue até 93, misturando momentos brilhantes da música e do articulista. Ainda na NME, Parsons retratou o interior e a responsabilidade dos integrantes do Clash em entrevista, flagrou Robert Plant na platéia do gueto punk The Roxy (e a glória?) foi um dos passageiros na célebre viagem de barco dos Pistols no Rio Tâmisa que terminou em pancadaria. E mais Billy Idol, Ramones, The Jam, blah blah...

No entanto, por mais historicamente importantes que sejam seus relatos, o melhor do livro não é sua fase punk, mas quando ele refina seu estilo e abre seu leque musical, já em outros veículos. O retrato que faz de uma apresentação nova-iorquina de Bruce Springsteen (uma de suas obsessões, ao lado dos Pistols), ao mesmo tempo em que faz um balanço da carreira do músico, é notável.

E o livro continua, com entrevistas magistrais ao lado de George Michael (as fãs pensam que eu as amo ou coisa do gênero), David Bowie (minha narina direita não funciona mais), Morrissey (todo mundo é mais celebrado que eu) e Brett Anderson (os Smiths eram uma armadura para eu enfrentar a vida), uma visita ao túmulo de Jim Morrison, reflexões sobre o cadáver fresco de Kurt Cobain e a carreira solo de Diana Ross e picuinhas com Brian Eno. Um elenco realmente invejável.

Mas a faceta musical de Parsons não ocupa nem metade de Disparos. Nos três capítulos seguintes - Amor e sexo, Polêmicas e Viagens - o jornalista exibe sua melhor forma, quando envelhece e se prova um cronista social fervoroso (mas quase nunca gratuito), com textos publicados nas revistas Arena e Elle, e nos jornais Daily Telegraph e Sunday Times.

Destilando bom-senso e bom-humor, ele explica a diferença entre a Garota do Rock e uma mera groupie, analisa livros babões sobre amor e retrata a rotina de policiais especializados em apreender pornografia hardcore no Soho. Seus melhores momentos são quando cutuca a caneta naquela feridinha amarga das relações sociais, dissecando a imagem do proletariado (eles são o vômito de cerveja na bandeira inglesa, eles estragam tudo) e da classe média (o câncer-com-dois-carros do sistema de classes britânico), fazendo qualquer um engolir a seco seu extremismo.

Isso sem contar seus relatos de viagens (URSS, Chicago, a Hong Kong pré-devolução) e, quase de brinde, o último capítulo com perfis de celebridades da cultura ocidental (de Jerry Hall ao casal Jeff Koons e Cicciolina, passando por Frank Sinatra e pelos escritores britânicos Martin Amis e Ian McEwan).

Em pouco menos de sessenta textos, Disparos traça um perfil ideal da evolução da carreira de Tony Parsons, de insider punk a observador hábil do cotidiano alheio. Boa surpresa no catálogo das livrarias, é esperar que seja seguido do lançamento de The boy looked at Johnny, análise fundamental sobre o punk, escrita por Parsons em 78. Os fagocitários de cultura pop agradecem.