Essa mania de adaptar romances para as telas pode parecer falta de criatividade ou até preguiça. Mas não é nada disso, é puro business mesmo. Para os estúdios, nada melhor que a fórmula leu-o-livro-gostou-vai-ver-o-filme. É infalível. Para se ter uma idéia, muitas vezes direitos autorais são comprados antes mesmo de o livro ser publicado. É o caso de autores consagrados ou de histórias que encantam algum figurão de Hollywood. Ou figuronas, como Julia Roberts, que deve produzir um filme baseado em uma obra que ainda não chegou às livrarias, Strange Son, de Portia Iverson.

Mas não é só em Hollywood que a indústria cinematográfica faz a festa adaptando livros para as telonas. No Brasil, os dois filmes mais vistos dos últimos anos foram, Carandiru e Cidade de Deus, que juntos levaram quase 8 milhões de pessoas para o tal escurinho. Falemos, então, das quatro outras obras que concorreram com Cidade de Deus ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado este ano.

A mais premiada delas foi, como todo mundo já sabe, O Senhor dos Anéis, cujos comentários deixo a cargo dos cozinheiros do Omelete que tudo já disseram sobre o autor mais cultuado dos últimos tempos. Mas como grande parte dos leitores já leu Tolkien uma, duas, várias vezes, vale mais a pena falar dos outros livros candidatos às estatuetas douradas.

Antes de tudo, analise sua agenda, seu palm, seus post-its, sua mente ou seja lá onde você anota seus compromissos e descubra qual o tamanho de seu tempo disponível. Se for ínfimo, tipo poucas horas por semana, nem pense duas vezes: aposte em Sobre Meninos e Lobos, de Dennis Lehane. Como já falei em uma resenha do livro, o autor americano deixou sua marca na calçada da literatura com uma narrativa precisa que seqüestra o leitor até a última página. Uma das razões para essa beleza literária talvez seja o fato de Lehane ter sido um "counselor" (espécie de psicólogo) de crianças deficientes e com passado de abusos. A experiência certamente lhe deu uma boa bagagem para escrever um livro inspirado.

Leve um cavalo e/ou barco pra casa

Agora, se você está com várias páginas da agenda em branco, aproveite e leia um segundo livro, Seabiscuit - Uma lenda americana, de Laura Hillenbrand - um relato histórico sobre saga de um cavalo desajeitado, cujo destino de patinho feio das pistas de corrida foi desviado e ele se transformou em verdadeiro herói nacional. O interessante é que o processo todo aconteceu durante a Grande Depressão americana, pouco antes do início da Segunda Guerra. Assim, a autora vai delineando um pedaço importantíssimo da história dos Estados Unidos a partir da história de um cavalo chamado Seabiscuit e seus três companheiros - o treinador, o jóquei e o proprietário.

Laura fez uma pesquisa impecável, dando a impressão de que nenhum detalhe foi esquecido: da cor do chapéu do treinador ao peso exato de um cavalo em determinada corrida. A narrativa minuciosa prova que ela foi além das fontes históricas oficiais, como jornais e documentos públicos, fazendo excelente uso da memória das pessoas. Mas se de um lado o excesso de detalhes da autora enriquece a história, de outro seu excesso de entusiasmo acaba caindo na verborragia. Dizer que os primeiros faróis começaram a brilhar nas rodovias ao invés de os carros chegavam nas rodovias seria um recurso interessante se não fosse utilizado várias vezes por página.

E se você não é um entusiasta por cavalos, talvez alguns parágrafos com longas descrições sobre a descendência do animal ou sobre uma certa corrida o enjoem um pouco, mas nada que não valha a leitura - digamos que ela funciona como Febre de Bola (de Nick Hornby) pra quem não gosta de futebol. O bestseller de Laura - que começou como um artigo e acabou virando filme indicado ao Oscar - é uma excelente opção, tanto para entender o fascinío dos homens pelos cavalos como para detectar de onde vem essa mania americana de transformar homens - e animais - em semideuses na Terra.

Ah, mas se o seu caso é de ócio total e absoluto, feche a lista lendo também Mestre dos Mares, de Patrick OBrian. O escritor inglês conta a epopéia náutica do capitão Jack Aubrey - hoje quase indissociável da imagem de Russel Crowe - durante as guerras napoleônicas.

Leia o livro, veja ou filme - ou não
Das estantes de livros pop que inspiraram filmes idem e foram indicados aos principais prêmios do cinema, pego dois.

Indicado em cinco categorias ao Oscar de 2001, Chocolate, de Joanne Harris, conta uma bela história de uma mulher determinada que enfrenta preconceitos e resistência pra chegar onde quer. Faz isso não apenas com força de vontade, mas usa também uma boa dose do famoso preparado de cacau. Com bombons, trufas, balas, licores e outras delícias de chocholate Vianne Rocher vai conquistando Lansquenet, uma cidadezinha no interior da França e, assim, seduzindo os moradores - principalmente um cigano charmoso.

Antes das gravações de Chocolate começaram, Juliette Binoche passou dois dias com a autora - na própria casa de Harris em Yorkshire, norte da Inglaterra - conversando sobre a história. Talvez por isso, e também por ser francesa, a atriz tenha interpretado Vianne captando com perfeição a personalidade forte e ao mesmo tempo delicada da protagonista. O papel do forasteiro charmoso também caiu como uma luva para Johnny Depp, mas a transposição de Hollywood acrescentou açúcar demais no romance do livro e deixou muito em segundo plano a magia e o conto de fadas do chocolate brilhantemente pensados por Harris, assim como o charme francês da história - seguindo, logicamente, a receita de sucesso da Miramax.

Ao contrário de Chocolate e da imensa maioria das produções inspiradas em romances, existe uma que supera o livro. Um fato tão raro que é o único que me lembro no momento, mas com certeza há outros... Quem não se lembra do auê gerado com o lançamento do livro de Helen Fielding, O Diário de Bridget Jones?! Algo até justificável já que a autora levou para o papel as neuras e inseguranças da mulher atual, caracterizando sua protagonista de modo tão preciso que rolou uma identificação feminina com Bridget nos quatro cantos do planeta. Afinal, ter de lidar com a falta de tempo, namorado e auto-confiança e excesso de peso, celulite, dívidas e dúvidas é uma tarefa que acomete mulheres em São Paulo, Londres, Paris ou Singapura.

A heroína universal de Helen Fielding tinha um diário. Nada de errado com isso. O problema é que diários são, em sua essência, repetitivos. E é desse mal que o livro sofre. Página após página e Bridget continuava a contar as calorias ingeridas todo santo dia, mesmo depois de promessas que não faria mais isso pois não surtia nenhum efeito real. Unidades alcoólicas e cigarros também eram contabilizados diariamente. Esse balanço de excessos cotidianos (comer, beber e fumar) cansa um pouco lá para o fim do livro mas, comprimidos nos 97 minutos da película, vem na dose ideal. Assim, se tiver de escolher entre a lâmpada do abajur, ou o escurinho do cinema (ou da sala, no caso de um vídeo) - nunca pensei que iria dizer isso um dia, mas... - opte pela segunda.

Um bjo e até o mês que vem!

Mari

* Bookends = objeto usado, geralmente em pares, para manter uma fila de livros em pé, tudo organizadinho na estante :o)

Hora de encher o espaço entre seus bookends - hihihi

  • Estação Carandiru - Dráuzio Varella (Companhia das Letras)
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  • Cidade de Deus - Paulo Lins (Companhia das Letras)
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  • O Senhor dos Anéis - J. R. R. Tolkien. (Martins Fontes)
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  • Sobre Meninos e Lobos - Dennis Lehane (Companhia das Letras)
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  • Seabiscuit - Uma lenda americana - Laura Hillenbrand (Companhia das Letras)
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  • Mestre dos Mares - Patrick OBrian (Record)
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  • Chocolate - Joanne Harris (Record)
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  • O Diário de Bridget Jones - Helen Fielding (Record)
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