[Esquecer para lembrar]

Ivan Izquierdo é um de nossos maiores especialistas em neurociências. Reconhecido no mundo acadêmico, o recém-lançado A arte de esquecer: cérebro, memória e esquecimento (Editora Vieira & Lent) comprova como perdemos tempo com livros de auto-ajuda.

Nesta pequena obra-prima de divulgação científica, Izquierdo explica as artimanhas do cérebro para esquecer, mas com a finalidade básica da sobrevivência. Ou seja, o esquecimento faz parte da vida psíquica saudável, da economia vital.

Bem longe daqueles críticos de Freud que o afastaram da ciência, Izquierdo dá crédito a algumas propostas da psicanálise, especialmente o conceito de recalque, aquele que explica por que tendemos a esquecer eventos traumáticos para nos proteger.

Para aqueles que pensam já estar com Alzheimer...

[Freud sem fraude]

Ao mesmo tempo em que Izquierdo resgata Sigmund Freud para a neurociência, o incansável Luiz Alberto Hanns organiza uma megatradução das obras completas do psicanalista, diretamente do alemão.

Curiosamente bancado pela Editora Imago, a mesma da malfalada tradução inglesa de James Strachey, Hanns rearranjou os textos de Freud por eixos temáticos. O primeiro volume, Escritos sobre a psicologia do inconsciente, já está nas livrarias comprovando a qualidade da equipe de tradução. O sucesso do projeto é inevitável.

Para os conhecedores, Hanns manteve as notas de Strachey, o que deixa sua empreitada elegante e completa. Para os novatos, a surpresa e prazer na facilidade de ler um dos mais eletrizantes autores da história humana.

[A última destruição das torres]

O mundo ainda não digeriu 11 de setembro. As imagens chocam e atraem; Bin Laden reaparece assim como nas infindáveis continuações dos filmes de terror.

Um dos últimos trabalhos do recém-falecido Jacques Derrida, o diálogo com seu "inimigo" de academia Jürgen Habermas, é lançado e busca uma digestão filosófica dos acontecimentos de três anos atrás.

Filosofia em tempo de terror (Jorge Zahar Editor) pode ser considerado o ápice de duas das maiores correntes filosóficas do século XX. As conversas produzidas logo após o ataque dão calor aos escritos, sem o esfriamento lógico que o distanciamento imporia, caso o livro fosse produzido algum tempo depois.

Derrida e Habermas esquecem suas diferenças e optam pelo humanismo regrado por uma lei internacional.

Para quem quer saber da filosofia atual: para quem quer pensar melhor...

[Ritmos solares em New York]

O novo disco de R.E.M., Around the sun, tem sido desprezado pela crítica.

Trabalho sonso, monótono, com músicas parecidas... disseram. Nada disto!

O disco começa com uma tremenda afirmação do afeto a New York, que volta a ser cenário de dramas amorosos.

R.E.M. sempre ilumina o mais simples ouvido musical. Desta vez, desiste temporariamente do rock que nunca tocou pesado, optando por baladas com pinceladas sutis de vários instrumentos.

Para quem desistiu de R.E.M. lembramos um verso de Leaving New York:

É mais fácil deixar
Do que ser deixado
Abandonar nunca me trouxe orgulho.

[Um homem de New York]

Visivelmente abalado por 11 de setembro, Lou Reed lança sua coletânea intitulando-se o homem de New York, NYC man.

Ao contrário de picadinhos deste estilo, foi Reed quem se encarregou do projeto e ainda autorizou remix à la eletrônica de Satellite of love e Walk on the wild side.

A compilação traz sucessos desde 1967, quando Reed ainda fazia parte do conjunto Velvet Underground. A idéia do disco é refazer a história artística, dando sentido à trajetória de Reed. Atenção para o som totalmente restaurado e remasterizado.

Para quem quer conhecer ou reconhecer uma das cabeças pensantes da boa música americana.

[Sol baiano da MPB]

Há muito tempo, Rosa Passos merecia um disco com produção caprichada.

Desta vez, num projeto da poderosa Sony classical, Amorosa, gravado nos Estados Unidos, tem orquestra primorosa e participações extra especiais de Yo-Yo-Ma no cello e do octogenário - com voz de menino - Henri Salvador, em dueto de rara sensualidade.

Rosa Passos explora como nunca sua voz de ninfeta clonada de João Gilberto. A cantora, violonista e arranjadora finalmente pode homenagear seu mestre, baseando-se no álbum Amoroso, de 1977.

Para surpreender aqueles que pensam não agüentar mais ouvir "Wave", "Besame mucho", "Retrato em branco e preto"...

[O grotesco chique]

C.S.I. é o programa de televisão mais visto nos Estados Unidos.

Já tinha um filho, C.S.I. Miami e agora estréia um novo filhote, C.S.I. New York, o que seria inevitável.

Estas equipes de "investigadores das cenas de crime" têm seduzido os espectadores por artefatos, aparelhinhos que buscam sinais secretos dos mais banais até os mais cabeludos delitos, sempre pelo método rigorosamente científico, mas também conquistam pela transformação do horror em algo palatável. Nunca se viu na televisão tamanha quantidade de atrocidades. Nem bebês são poupados. Na primeira temporada de C.S.I. (o programa original se passa em Las Vegas) um dos episódios mostra a longa dissecação de um bebê encontrado morto no jardim de uma rica mansão. Brrrr...

[Medo amenizado]

C.S.I. nunca aposta no maior trunfo das séries americanas, a aglutinação das personagens em uma espécie de família. Isto proporciona a rápida identificação dos espectadores.

Em C.S.I., as personagens não se preocupam em ser agradáveis, nem amigas umas das outras. São nerds. Frios e profissionais, ensinam que o sinistro da alma humana pode desencadear os mais escabrosos atos.

A série torna relativo o medo, talvez como diria o falecido Derrida. Assistindo a todo aquele horror, percebemos uma aconchegante segurança.

Detalhe: a PlayArte, que tem lançado a série em DVD, aterroriza o bolso do colecionador obrigado a comprar a temporada dividida em três partes. É óbvio o interesse financeiro e injusto para o consumidor, pois cada parte no Brasil sai ao preço da temporada inteira nos Estados Unidos.

[Pequenópolis ou Metrópolis?... algo de Gayópolis?]

A série de enorme sucesso é surpreendente se filtradas as deliciosas bobagens teen.

Em Smallville, tudo depende de escolhas, uma questão da maturidade. Esta questão adulta é constantemente colocada às jovens mentes. Jovens, mas não despreparadas: Lex Luthor é ético e protetor, sua luta edípica com o pai o aproxima amorosamente de Clark Kent, cujo pai adotivo o ama sem restrições.

O ricaço Lex diz ao adotado superpoderoso que o inveja e curiosamente esta cobiça leva ao amor pelo amigo. Ele o protege, estimula suas declarações à Lana e à Chloe, oferece tíquetes, ingressos, mansão para festas, limousine...

Sem dúvida, a melhor personagem do seriado.

Clark é o bobão bonzinho preso a um destino ignorado, mas sob o peso de fazer o bem... seja lá o que isto for. O único que se preocupa com ele é Lex, exigindo-o feliz e lutador.

Mas a série não é tola ou superficial.

[Matar... morrer... dormir, talvez sonhar!]

Surpreende sobremaneira um capítulo em que o freak da hora - ou melhor, do episódio - tem o poder de matar pelo toque das mãos. A primeira vítima é sua própria mãe, que lhe pede ajuda para morrer... Ele mesmo sofre fatal acidente em seguida, mas semimorto revive para cumprir sua missão: dar paz aos que estão morrendo em dor! Escolhe-os e, a seu ver, os liberta... A questão é: o que é morrer já que ele, semivivo não têm mais vida em si... mas pode espalhar a morte... para que outros vivam melhor?

O conflito quase hamletiano resolve-se com seu próprio suicídio ao descobrir que a suposta mãe morta está viva e recuperada.

Série teen???

UAU!

[O nervo do poder]

Casa de areia e névoa demorou um ano para chegar aos cinemas brasileiros.

Seguindo a lógica dos Kill Bill, os melhores filmes do ano foram negligenciados pelos preguiçosos distribuidores.

Casa de areia e névoa, adaptado de um livro de André Dubus III, parte de uma disputa por uma casa no norte da Califórnia. De um lado, a linda e talentosa Jennifer Connely. De outro, o não menos talentoso Ben Kingsley faz um coronel do Irã que imigrou para os Estados Unidos na época da revolução dos aiatolás.

Se para Connely a casa significa um restinho de ligação com o mundo, especialmente sua família, para Kingsley, é a esperança de recuperar um pouco do conforto que perdera com a imigração.

Nada no filme é previsível e um ponto de partida suburbano toma ares de tragédia shakesperiana. O filme pode ser entendido como uma metáfora do momento americano, pois uma terceira personagem, um policial, faz as vezes do mantenedor da ordem com intervenções truculentas. Ao mesmo tempo, não há heróis, nem sabemos para quem torcer.

O filme prova que a violência vem da desorganização psíquica, mas, como poucos exemplos do cinema atual, Casa de areia e névoa mostra que há esperança com acordos, afeto e respeito pelas diferenças. Doído de ver, mas indispensável.

"Os amantes e os loucos são de cérebro tão quente, neles a fantasia é tão criadora, que enxergam o que o frio entendimento jamais pode entender. O namorado, o lunático e o poeta são compostos só de imaginação.

Sonho de uma noite de verão,

Shakespeare