Review: God of War

Novos truques para um antigo campeão

Por Claudio Prandoni 12.04.2018 04H01

Como reinventar uma série que representa um estilo de jogo, uma empresa ou até mesmo um videogame? A Nintendo fez isso com maestria em 2017 em Legend of Zelda: Breath of the Wild e chegou a vez de a Sony fazer algo parecido com este novo God of War.

Ao longo de mais de uma década, o estúdio Santa Monica forjou uma série que virou sinônimo de PlayStation e catapultou a produtora de desenvolvedora desconhecida para uma grife respeitada no mundo inteiro.

Este primeiro God of War original do PlayStation 4 destila a essência da série e reimagina conceitos para os tempos atuais. É um jogo ao mesmo tempo novo e familiar, que mantém alguns elementos intactos enquanto adapta outros para tendências contemporâneas.

Inspirações claras

É curioso ver como no passado God of War serviu de inspiração para Uncharted e alavancou as produções de títulos exclusivos da Sony em estúdios ocidentais. Agora o ciclo se completa: a nova aventura de Kratos mescla características típicas da franquia com partes do próprio Uncharted, The Last of Us e até Horizon: Zero Dawn.

A tensa relação entre Kratos e Atreus dita o ritmo do jogo.

Muito disso já era antecipado, é verdade. A promessa de uma jornada mais intimista e de redenção pessoal, protagonizada pelo tenso relacionamento entre um agora envelhecido Kratos e o filho Atreus, já trazia ecos de Joel e Ellie, de The Last of Us.

Os combates do novo God of War repetem pontos fortes e fracos de episódios anteriores da série.

Esta é uma das maiores e mais notáveis novidades, já que em vez de uma jornada solitária de fúria o que se vê é Kratos tentando interagir e conversar com o menino pela maior parte da campanha principal - que leva cerca de 20 horas para ser finalizada, caso você foque apenas na história e deixe de lado a maioria das missões opcionais. Talvez por se tratar de um mundo repleto de fantasia, não há o mesmo charme e ternura de Nathan Drake e Elena, por exemplo, mas ainda é uma abordagem nova e tocante de um personagem que ficou conhecido pela rispidez.

A exemplo dos principais episódios do passado, o final deixa gancho para uma sequência direta e cria situações diversas para explorar (ou não) no futuro, preparando o tabuleiro para as prováveis continuações.

A jornada por Midgard (e outros reinos) é marcada pelo encontro com diversas criaturas lendárias como o sábio Mimir e a cobra Jörmungandr.

O combate, o elemento mais marcante da série God of War, foge bastante do estilo consagrado da franquia, mas alcança resultado parecido, repetindo erros e acertos do passado. As lutas são intensas e viscerais. Os comandos respondem bem, a variedade de golpes e poderes especiais permite criar combos dos mais diversos e tanto a adição de Atreus quanto a perspectiva de câmera por cima do ombro conferem tons estratégicos que nunca apareceram de forma tão acentuada.

Ainda assim, é muito fácil se acomodar com quatro ou cinco golpes diferentes e usar eles ao longo de toda a jornada para vencer todos os inimigos e chefes, algo que já acontecia nos outros God of War. Ao menos, os famigerados Quick Time Events, que fizeram a fama da série e foram usados à exaustão, não aparecem nos combates (e só muito, muito raramente na exploração).

Aliás, os combates contra chefões pecam também pela repetitividade. São poucos os casos em que criaturas específicas fazem o papel de mestres a serem batidos já que em muitas outras situações o que se vê é a repetição de padrões de inimigos, como guerreiros genéricos de gelo e fogo e aquele troll gigante que usa um imenso pedaço de madeira como arma (aquele mesmo do primeiro vídeo mostrado do game). Desafio real vem apenas nas dificuldades mais altas e nos empolgantes combates extras que aparecem perto do final do jogo, contra figuras muito especiais, e continuam mesmo depois do final, oferecendo experiência bem mais intensa.

Passeio por Midgard

Relembre as origens da série God of War

A história é cheia de clichês e repete fórmulas que deram certo no passado. Kratos e Atreus fazem uma verdadeira turnê pela mitologia nórdica, conhecendo cenários e lendas diversas e participando de situações das mais extremas - algumas até que parecem prestar homenagem ao passado. As reviravoltas são previsíveis, só que o verdadeiro valor da trama não está no conteúdo em si, mas na maneira como ela é contada.

Talvez sejam os gráficos incríveis, as ótimas atuações do elenco de vozes e captura de movimento, o poder da interatividade ou tudo isso junto, mas o talento do estúdio Santa Monica brilha forte ao tecer uma jornada envolvente.

Boa parte do jogo acontece de forma linear, em cenários apertados e com pouca margem para exploração, mas há porções de mundo aberto, com muito espaço para investigar por itens, side quests para encarar e imensa quantidade de colecionáveis para achar. Felizmente, não se tratam de itens apenas acumular: todos eles são convertidos em pontos de experiência, dinheiro ou itens de confecção, usados para comprar e melhorar golpes ou armaduras.

Em termos técnicos, God of War é mais um show de talento e competência do estúdio Santa Monica. Os gráficos figuram fácil entre os mais bonitos desta geração graças a uma direção de arte inspirada, que incorpora e adapta elementos da mitologia nórdica de forma orgânica a cenários repletos de belezas naturais.

Os mundos explorados em God of War são críveis, com um forte senso de imersão que só fortalece a narrativa. Poucos estúdios conseguem usar tão bem os poderes e limitações de um hardware para criar imagens bonitas e detalhadas como as vistas neste jogo.

Vale o mesmo apuro para toda a parte sonora, com trilhas sonoras épicas marcadas por fortes corais e faixas que ajudam a dar o tom de cada cenário e situação. Não só isso, os efeitos sonoros também colaboram bastante, especialmente nos combates, dando pistas valiosas para organizar ataques.

A dublagem americana tem a competente estreia de Christopher Judge como ator e dublador de Kratos, enquanto a versão brasileira repete Ricardo Juarez na voz do espartano - acompanhado de Felipe Volpato no papel de Atreus, vivido por Sunny Suljic no original em inglês. A dupla e todo o elenco responsável pelos fantásticos coadjuvantes da história fazem um trabalho excelente, dos mais bem feitos já vistos (e ouvidos) em localização de games no Brasil, tanto em termos de escala quanto de qualidade.

O velho e novo deus da guerra

Meio termo entre continuação e reinício total da série, o novo God of War é um jogo de capricho ímpar, como pouco se vê na indústria. O talento do estúdio Santa Monica aparece tanto no primor técnico de maneira geral como na forma em que reflete sobre a própria série - e até sobre o papel de um deus da guerra.

O passado não é deixado de lado, qualidades voltam ainda mais intensas e pontos fracos ou desgastados são apresentados sob um novo olhar. É sim um jogo bem diferente dos God of War anteriores, mas que chega a resultados parecidos por caminhos distintos. A excelência, porém, ainda está longe da perfeição e há muito que pode evoluir nos inevitáveis próximos capítulos.

É um novo Kratos distante da violência quase gratuita do passado e munido de novas armas, truques e companheiros para preparar uma nova geração de games de ação.

Nota do crítico