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Review: Assassin’s Creed Origins

Um jogo renascido das cinzas

Por Bruno Silva 15.12.2017 16H21

Na mitologia do Egito antigo, o Duat (ou Tuat) é o mundo dos mortos, onde as almas vão para serem julgadas pelo que fizeram em vida. Quase toda religião busca algum sentido para o que há depois da morte, mas aqui uma característica chama a atenção: os egípcios acreditavam que Rá, o deus do Sol, passava pelo céu de leste à oeste e, à noite, cruzava o Duat na direção contrária, emergindo no dia seguinte.

Com uma nova aventura baseada justamente no Egito antigo e suas mitologias, Assassin's Creed: Origins representa, de certa forma, este exato “renascimento” para uma série de jogos que retorna após uma longa passagem por um purgatório particular. Em dez anos de existência, AC representou como poucos os excessos da indústria de jogos AAA: ano após ano, sem cessar, os jogos ficavam maiores, mais inchados e, aos poucos, as falhas foram aparecendo, seja na forma de bugs, seja na falta de criatividade.

O Assassin’s Creed que nasce deste período de reflexão é renovado, familiar em diversos aspectos, completamente diferente em outros. Mas, acima de tudo, é um jogo mais focado nas coisas que o tornaram grande: cenários deslumbrantes, ótimas mecânicas e uma história marcante, protagonizada por heróis tão decisivos quanto os nomes históricos que os rodeiam.

Para quem estava acostumado com os conteúdos inúteis e os mapas inchados de pontinhos dos últimos anos, Assassin's Creed: Origins é libertador em sua simplicidade. O mundo continua grande - talvez, seja o maior de todos falando puramente de escala -, mas a maneira como o jogo te conduz por este cenário aposta na simplicidade para realçar suas demais qualidades.

Coadjuvante na trama, Aya, esposa de Bayek, rouba a cena

Ubisoft/Divulgação

A origem de tudo

É uma simplicidade que serve primariamente a trama de Origins. Como o próprio nome diz, o jogo se propõe a contar os primeiros momentos da irmandade dos Assassinos, o grupo secreto do qual fazem (ou fizeram) parte todos os protagonistas da série até hoje. É uma narrativa que se confunde com a história do herói da vez, Bayek de Siuá, o último dos medjai, uma espécie de força policial do Egito antigo.

A progressão é clara: faça sidequests em uma região e viaje para a próxima

Ubisoft/Divulgação

Muito embora o período histórico e a ambientação sejam completamente diferentes, é impossível não se lembrar de Assassin’s Creed II, até hoje uma referência de bom jogo da franquia, pois a história de Bayek, assim como a de Ezio Auditore, também é pautada pela vingança. Sem dar muitos spoilers, uma tragédia familiar coloca o egípcio e sua esposa, Aya, em rota de colisão contra a Ordem dos Anciões, o grupo que deu origem aos Templários

A partir daí, Origins se torna uma caça aos responsáveis pela tragédia familiar do casal. Ambos precisam obter a identidade destas pessoas, para então eliminá-las - mas, é claro, eles descobrem que a Ordem é maior e muito mais poderosa do que imaginavam, com tentáculos sobre toda a estrutura de poder das principais sociedades da Antiguidade, como o Egito, a Grécia e o Império Romano.

Ainda seguindo a cartilha da era Ezio, Origins toma um bom tempo para construir os protagonistas e seu relacionamento. Bayek não é tão carismático quanto os heróis mais queridos de AC, mas conquista a simpatia do público aos poucos. Entretanto, o pobre medjai é constantemente ofuscado por Aya, que também tem alguns segmentos jogáveis e conta com conflitos internos mais interessantes que os de seu marido.

As referências de Origins a AC2 transpõem até mesmo a estrutura narrativa quando pegamos a era do presente, tão negligenciada nos últimos jogos. Origins tenta retomar a ideia com uma nova protagonista, Layla Hassan, que é surpreendentemente ligada a Sofia Rikkin (a personagem de Marion Cotillard no filme de AC) e tem uma certa curiosidade sobre quem é Desmond Miles, o primeiro protagonista do presente da franquia.

O combate de AC Origins tem personalidade como poucos

De todos os elementos da história, esta é a maior incógnita. A Ubisoft claramente quer iniciar um novo arco narrativo com Layla, mas ao mesmo tempo não quer se comprometer demais. Muito pouco de sua história é apresentado em Origins - suas participações mais lembram as escassas intervenções no presente dos games mais recentes do que a trama vivida por Desmond lá no começo de Assassin’s Creed.

Um início arrastado

O cenário de Origins é simplesmente deslumbrante

Ubisoft/Divulgação

Enquanto a história leva o tempo que precisa para construir seus personagens e colocar todas as peças em jogo, boa parte de seu ritmo é colocada em xeque pelo gameplay, em especial, sobre como a construção do mundo e o sistema de progressão de personagem deixam o jogo como um todo extremamente arrastado.

É um problema difícil de explicar, porque os fatores que contribuem para a situação, sozinhos, não são ruins - é a combinação deles que atrapalha o ritmo.

O primeiro deles é a progressão da história pautada por níveis. As missões principais e paralelas indicam níveis recomendados para serem realizadas. Claro, são apenas indicações e não faz tanta diferença se, digamos, você estiver no nível 14 e queira realizar uma missão que sugere o nível 15.

Entretanto, os saltos de nível recomendado são altos, especialmente quando envolvem a transição de um arco significativo da história para outro. Se você completou a missão de nível 15, a próxima já pede o nível 18, ou mais. E, quando os inimigos são dois ou três níveis mais fortes do que você, a luta fica bem desbalanceada. Passei por essa situação várias vezes durante a campanha e, mesmo lutando de forma habilidosa, bastavam alguns golpes para que eu morresse.

Essa é, basicamente, a maneira do jogo te indicar que é preciso explorar o mapa, que, por sua vez, também é segmentado por níveis. Sendo assim, a dinâmica da progressão da história consiste em completar missões em uma região até atingir o nível recomendado e partir para a próxima.

É aqui que talvez resida o maior problema de Assassin's Creed: Origins: as missões são extremamente repetitivas, mesmo com roteiros muito diferentes. Seja ajudando um aldeão desamparado, seja agindo nos bastidores para aumentar a influência de Cleópatra sobre o Egito, você invariavelmente vai invadir uma base militar para assassinar um alvo, resgatar um refém ou roubar um item.

A repetição exaustiva desses tipos de tarefa acaba ofuscando muitas vezes os acontecimentos da história, principalmente enquanto ela ainda não engrenou. É claro que a trama tem vários pontos altos, como as caçadas ao Escaravelho e a Hiena e os momentos com Aya, mas são poucos e pontuados entre um batalhão de quests sem imaginação. Nas missões paralelas, então, nem se fala - posso contar nos dedos as que fugiram do padrão.

Um mundo incrível

É uma pena que AC Origins seja tão marcado pela repetição, pois tudo o que você faz nas missões é muito bem executado do ponto de vista da jogabilidade. A maneira como o jogo te guia por suas regiões (e como ele te prende em algumas delas com a exigência de níveis) é engessada, como se não confiassem na curiosidade do jogador.

Pura balela. O mundo do jogo é convidativo por si só, é um cenário deslumbrante que captura a atenção e a curiosidade de qualquer pessoa. Toda vez que sai um AC eu bato na tecla de como a Ubisoft sabe construir bem cenários de mundo aberto e Origins não é exceção, com uma recriação belíssima do Egito Antigo em um mapa gigantesco e com uma identidade que há muito tempo não se via na franquia.

O maior trunfo do Egito Antigo de Origins é mostrar que a região vai muito além das imagens que ficaram marcadas na História. Claro, há vários desertos e pirâmides, mas o Egito do jogo vai muito além, mostrando uma fascinante época em que o país vivia uma transição de costumes e regras em face à influência de gregos e romanos.

Também é impressionante a maneira como a Ubisoft soube remodelar trejeitos clássicos de AC, dando novas funções ao que já era tradicional. As torres, que antes serviam para abrir a visão do mapa, tornaram-se pontos de viagem rápida - algo fundamental em um mapa tão gigante.

Neste sentido, nenhuma reformulação é mais notável do que a da visão de águia, outra ferramenta fundamental dos assassinos. Ao tornar-se uma águia de fato, que pode ser controlada pelo mapa e tem a habilidade de marcar qualquer ponto de interesse, a mecânica se transformou em uma ferramenta de reconhecimento do terreno formidável, e indispensável para qualquer tipo de ação, seja furtiva, seja barulhenta.

Na hora da ação, inclusive, AC Origins também exibe boas qualidades. Durante toda a história de Assassin’s Creed, o combate sempre pareceu ficar em segundo plano: inicialmente, era apenas uma dança de contra-ataques, e foi assimilando lentamente as mecânicas de Batman: Arkham (até copiá-las por completo em AC Syndicate).

Enquanto os outros jogos apostaram pesado na fantasia de um herói/soldado super-treinado derrotando os inimigos com técnicas especiais, Origins prefere deixar a habilidade de Bayek nas mãos do jogador. Como quase todo jogo de ação que surgiu depois do influente trabalho da From Software, o novo AC dá igual importância a todos os fundamentos do combate.

É um sistema de luta que, obviamente, é fruto de influências de outros jogos - desta vez, de The Witcher e, em menor extensão, de Dark Souls (com uma pitada de Destiny no esquema de armas e equipamentos). Mas a combinação trouxe a Origins uma profundidade em um lado no qual os outros jogos eram quase sempre rasos. Em vez de um combate chato e/ou completamente derivado de outro jogo, o novo AC conseguiu, finalmente, encontrar identidade própria.

As lutas de AC Origins brilham ainda mais - e de um modo que eu não esperava - nos encontros contra chefes. Este é provavelmente o jogo com as melhores batalhas de chefões da franquia, como o embate com a Hiena em meio a uma tempestade de areia ou até mesmo o confronto contra o líder da Ordem dos Anciões.

Nada é verdadeiro, tudo é permitido

Assassin’s Creed foi uma das franquias mais icônicas da época do Xbox 360 e do PlayStation 3 - sobretudo, uma das franquias que mais cedo se estabeleceu, com visual e conceitos de jogabilidade únicos. Em uma década de jogos anuais e um cansaço, era inevitável que, entre títulos bons e ruins, parte disso ficasse saturado e/ou se perdesse ao longo do caminho.

Na missão de recuperar essa essência que ficou perdida, era esperado que o estúdio fosse pegar inspiração justamente na era Ezio - algo que fica absurdamente claro em todos os pontos do jogo, desde a música-tema “Ezio’s Family” tocando no menu às referências óbvias a família Miles no computador de Layla Hassan.

Mas o que importa aqui é a maneira como isso foi feito, e neste caso, foi muito positivo: embora chovam referências a AC II e Brotherhood, Origins passa longe de ser "mais do mesmo" ou "cópia barata". É mais uma homenagem respeitosa, um reconhecimento do que deu certo ao longo destes anos.

Coube à Ubisoft Montreal, a equipe por trás de Assassin’s Creed IV: Black Flag (o último jogo a ter uma recepção incontestavelmente positiva da comunidade), incorporar este exercício de auto-avaliação e reflexão e o resultado é um jogo que, entre características familiares e novas, resgata um espírito que parecia perdido lá nas aventuras do assassino Edward Kenway - ou até mesmo nas de Ezio Auditore, diriam os mais puristas.

Mas, mais do que apenas relembrar e resgatar, Assassin’s Creed: Origins devolve à tão execrada saga da Ubisoft algo que lhe parecia perdido: personalidade. Ao buscar uma origem, Origins representa para Assassin's Creed um renascimento.

Assassin’s Creed: Origins está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC (Steam, Nuuvem). O jogo foi testado em um PlayStation 4 padrão. Clique no nome das plataformas para conferir o preço nas versões digitais.

Nota do crítico