Intromissões

Assim caminha a juventude

Por Andres & Fiks 10.05.2005 00H00

[Assim caminha a juventude]

Nesta ordem: Prozac, Ecstasy, Viagra, Rivotril. Esta é a preferência para as baladas da moçada hedonista.

O primeiro, antidepressivo, seria para preparar a euforia. Ficção científica, pois o Prozac só age após, pelo menos, duas semanas de ingestão constante. Ecstasy, é lógico, para a sensação de "bem-estar", euforia, desinibição, blá, blá, blá. Viagra, para os rapazes, "garantindo" o desempenho para uma, duas, quem sabe mais bimbadas; e o Rivotril, um tranqüilizante para baixar o farol.

Perfeito, se o cérebro não fritasse.

Não existem drogas recreativas, especialmente em épocas que tóxicos - ilícitos - são cada vez mais turbinados para garantir a aderência, o consumo, o hábito do fim-de-semana.

Segundo o historiador Peter Burke - que por aqui lança O que é história cultural? (Ed. Jorge Zahar) -, o mundo vive um conflito entre culturas, distante da "guerra" social ou econômica. O romantismo acabou. A humanidade se agrega em grupos que vivem isolados ou competem entre si. Há quem queira viver a eterna juventude. As drogas seriam umas espécies de elixir?

[Antropologia de botequim:]

A humanidade sempre gostou de se drogar. Relatos de todas as civilizações dão conta de festas, baladas da época. Gregos e romanos colocavam água no vinho ou vomitavam para garantir mais tempo de diversão. Hoje a rapaziada faz alquimias do tipo: "se tomar Ecstasy, evito o álcool".

Serviço da contracultura dos anos 60: a experiência com drogas "abre" a mente. Consumidores de maconha e ácido de trinta, quarenta anos atrás não têm moral para impedir que seus filhos façam o mesmo. Acontece que droga não tem mais o glamour dos anos 70. Faz parte de uma rede internacional que movimenta bilhões de dólares por ano.

Sem preconceitos, como dar conta da questão sem cair no aconselhamento inútil? Explicando, provocando debate, incitando raciocínios. As pesquisas científicas são claras: os efeitos do uso contínuo de qualquer tipo de tóxico é devastador. O jovem sempre acredita que é cedo para pensar em estragos. Mas eles vêm rapidamente...

[Anos loucos]

Na década de 1920, aconteceu algo muito semelhante.

Depois da Primeira Guerra Mundial, a humanidade estava perplexa com a violência possível entre seres humanos. A Europa voltava à pré-história do homem. Cenas de massacre nos campos de batalha com bombardeios, gás mostarda e combate corpo-a-corpo com baionetas estarreceram soldados, que logo contaram suas experiências aos amigos e parentes.

Depois da guerra, todo mundo resolveu se divertir. Festas regadas a bebida alcoólica - mesmo proibida nos Estados Unidos - eram as grandes baladas da época. A cocaína se tornou popular e logo os efeitos nocivos apareceram. Os livros de F. Scott Fitzgerald tratam bem do assunto (Suave é a noite, O grande Gatsby). Drogar-se era uma atitude romântica, niilista e praticamente obrigatória. Para que se preocupar com o futuro se a morte é tão próxima e de forma tão primitiva como a guerra? A Segunda Guerra Mundial só veio confirmar a suspeita de que a humanidade estava em decadência.

Fitzgerald avisou: euforia vira doença.

[Na batida da cerveja]

Dicionário Houaiss:

Beat: andamento rítmico pronunciado, pancada, batida, golpe, pulsação. Verbo: bater, abater, derrotar...

Em abril, mais uma festa eletrônica no Sambódromo de São Paulo. Quase sessenta mil pessoas pularam e se divertiram até de manhã em mistura de suor, cansaço, birita, droga, erotismo, embalados por uma música de decadência anunciada.

Anos loucos? Sim, mas sem romantismo e com muito mais ironia. Amizade, dedicação amorosa e lealdade não fazem mais parte de grande parte da atual geração dos jovens. Apenas uma constatação. Esta é a grande diferença com a geração da "paz e amor".

Nos anos 60 a ordem era compartilhar, ajudar, somar. Agora cada um que se vire. Após o terror da AIDS, após 11 de Setembro, após a desilusão completa com a política...

[De volta ao rock]

Não é apenas implicância dos jornalistas. A música eletrônica está em crise.

Criativa no final dos anos 90, diluída pela dance music, os grandes "pensadores" da eletrônica voltaram à inspiração do rock. É só escutar os últimos trabalhos de Fatboy Slim, Daft Punk, Chemical Brothers, New Order, Moby...

O rock foi o grande divisor de águas do pop no século XX.

Esquecido nos anos 80 e resgatados ainda nesta década por Nirvana, R.E.M. e especialmente pelo U2, voltou a embalar a cabeça de jovens que buscavam temas para a revolta metabólica e neurológica inerente a qualquer adolescente.

Agora o rock retorna por aqueles que ousaram, mas foram destruídos pela batida da cerveja. Quem se importa com as diferenças entre trance, tecno, acid, house? O negócio é pular. A qualidade do som é o de menos, mas não para aqueles compositores que estudam música e se preocupam com a qualidade.

[Trash 80]

Os anos 80 estão de volta. Motivo de esculhambação.

Cada vez mais há festas que lembram os sucessos dos grupos A-Ha, Duran Duran, Cindy Lauper, uma Madonna bem ingênua, e aquele rock horroroso que embalava propaganda de cigarro. Há até mesmo danceterias que abriram para tocar somente hits dos anos 80.

É neste clima que por aqui "estréia" O fantasma da ópera. "Apenas" com vinte anos de atraso. O mais puro trash. Marco da classe média que queria ser chique no exterior, símbolo da festa dos primeiros anos do real (= U$1,00), o fantasma também marcou uma nova época do teatro musical, a dos efeitos especiais de palco. Música, dança, diversão, tudo fica de lado para o surgimento de um espetáculo aborrecido, sem um pingo de senso de humor.

O espectro do Teatro Abril é idêntico à matriz londrina, mas não ficaria uma semana em cartaz na Broadway. É duro, lento (um problema já crônico desta companhia que vimos em A bela e a fera e Chicago), arrastado.

Fica o recado: o teatro de sucesso, lá fora, tem apostado no humor, na dança e no canto divertido para atrair o público com sucesso. Uma boa opção à balada alienante.

[Importado e com humor]

Livre da mega-trash Senhora do destino, Dan Stulbach substitui Cássio Scapin em Visitando o Sr. Green, do americano Jeff Baron.

A peça já era ótima e agora ganhou um ar novo, uma eletricidade extra e é sucesso merecido e reconhecido há quatro anos.

Paulo Autran dispensa comentários, é comovente do início ao fim. Seu velhinho Green arrasa com a inesperada jovialidade de espírito e a meninice de Stulbach só faz consagrar um casamento perfeito de texto e produção. Mais um ponto de Alexandre Dórea, da DBA2 que tem investido em teatro de qualidade.

A peça viaja para Portugal em maio, mas volta para o Teatro Renaissance em junho.

Se você não viu veja, ou reveja. Visitando Sr. Green fala de um relacionamento possível entre pessoas distantes em experiências, mas identificados com suas perdas. Em tempos de guerra religiosa, de conflitos entre culturas, Green parte do judaísmo para falar de transformações da modernidade, sem perder o olho no afeto, na aceitação das diferenças. Formação de nova família - a dos amigos - como forma de aceitar e conviver com os do sangue (ah o velho Freud). O texto é absolutamente psicanalítico, as personagens se transformam e nós também. De quebra, um golpe na mediocridade da vida contemporânea.

[Que falta que ela faz]

O show de Maria Bethânia deve voltar no segundo semestre.

Tempo tempo, tempo, tempo é atemporal. Bethânia reina no palco, absoluta senhora no que ainda resta na MPB. Pode reinar como modelo de nossa vida cultural. Regata o que há de melhor na música, na poesia. Lapida o brega na mais fina jóia, sobe ao palco para cantar e não dá bola para gritos de fãs ou dos bêbados da platéia. Só se zanga quando os músico s desandam para o que deve ser preciso à dama. Ela tem razão. Embalar em seu show embriaga pela poesia, pela atriz, por seu vulto enorme.

Já dissemos isto, mas vale repetir: Bethânia esta feliz! Desvinculada das grandes gravadoras e contratos de obrigação, encontrou em Katy Almeida Braga, da Biscoito Fino, uma parceira a altura de sua grandeza. Katy é sabida, deixou livre a força de Bethânia e esta, prenha de liberdade, produz filhos: um mais belo que o outro... excelente proposta para todos os outros "grandes" de nossa música .

"Com um só olho, pode o sol enxergar o mundo todo. "
Henrique VI - 1ª parte
Shakespeare