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Símbolo de coragem, destreza e determinação, o samurai é uma das imagens mais fortes associadas ao Japão antigo. Desde o sucesso mundial do clássico Os sete samurais (de 1954), do diretor Akira Kurosawa, até ícones pop modernos como Samurai X, Vagabond, Samurai Jack e tantos outros, o conceito do guerreiro implacável armado com uma espada inspira inúmeras narrativas. Dominando o Japão entre 1185 e 1868, essa elite militar vivia, matava e morria para defender a segurança e a honra de seus mestres, os senhores feudais. No entanto, a compreensão do espírito desses espadachins sempre foi uma incógnita e motivo das mais equivocadas interpretações.
Para dar uma visão geral sobre como era o ponto de vista de um bom representante dessa casta guerreira, a Conrad Editora lançou o livro Hagakure - O livro do samurai.
O título é apresentado ao público como sendo um manual de sobrevivência que pode ser interpretado à luz dos desafios empresariais do mundo moderno. A frase tem sua razão de ser, pois boa parte da publicação ensina posturas perante dificuldades e trata de perseverança, dando vários exemplos. No entanto, pode causar arrepios em algumas pessoas imaginar alguém dizendo que o Hagakure (leia como ragácure) é seu modelo absoluto de valores, pois a rigidez do samurai é tanto inflexível e objetiva quanto impiedosa em vários casos.
O autor, Yamamoto Tsunetomo, ditou o conteúdo a um jovem samurai chamado Tashiro Tsuramoto. Após a morte de seu mestre e tendo sido proibido de cometer suicídio ritual para acompanhá-lo no além, Tsunetomo (este era seu primeiro nome) aposentou-se e tornou-se monge no ano de 1700. Para homenagear seu senhor, passou adiante seus ensinamentos, histórias e ideais a Tashiro e o resultado foi o Hagakure, cujo título pode ser traduzido por oculto pelas folhas ou folhas escondidas.
A edição brasileira, traduzida do inglês, é uma seleção de trechos interessantes compilados pelo tradutor William Scott Wilson. A original possui mais de treze mil tópicos, reduzidos aqui para cerca de trezentos. A versão nacional está dividida em capítulos como a japonesa, pulando o quinto (de um total de onze, mais um epílogo) uma vez que este trata de datas e fatos de pouca relevância. Ainda, um glossário explica nomes, lugares e termos referidos na obra.
O livro tem um pouco de tudo o que se relacionava à vida dos samurais, com muitas histórias interessantes. Algumas passagens mostram até que ponto chegava a submissão de um desses guerreiros (sempre dispostos a morrer pelo mestre) e outras ainda trazem uma simplicidade e sapiência desconcertantes e atuais. Há, logicamente, comentários bastante machistas (afinal, foi escrito no Japão de séculos atrás), como um trecho que diz que A mulher que for criada de maneira rígida e experimentar o sofrimento em seu próprio lar, não terá aborrecimentos quando se casar.
Diversas passagens relatam detalhes da vida cotidiana, aspectos sombrios do treinamento de um samurai (como saber decapitar bem aos quinze anos) e fatos acontecidos com Yamamoto, com pessoas próximas ou que viveram em tempos anteriores e de cujas vidas ele tomou conhecimento. O resultado é um amplo painel histórico e social sobre o mundo em que o autor viveu, com momentos cruéis sobre o desapego à vida que deveria ter um bom samurai, capaz de matar o próprio pai ou filho com tranqüilidade e coração sereno por questões de honra. Os ensinamentos do velho soldado também envolvem muito respeito, compaixão, solidariedade e gentileza com o próximo, daí seu apelo.
Todos esses elementos citados misturam-se em Hagakure, mas é exatamente isso o que torna a obra uma leitura singular. Após a compreensão do contexto no prefácio e introdução, ela pode até ser lida de modo aleatório, abrindo-se em qualquer página, como num livro de citações ou pequenas crônicas.
Item obrigatório para interessados em cultura japonesa ou fãs das personagens citadas no começo deste artigo, Hagakure é uma preciosa incursão no honrado, violento e desconhecido mundo dos samurais.
Trechos:
Havia um homem que era muito esperto, mas ele sempre enxergou apenas os pontos negativos de suas tarefas. Dessa maneira, tornou-se uma pessoa inútil. (pág. 45)
A caligrafia adequada é resultado de muita atenção e prática, mas, presa a isso, a escrita não fluirá e terá um ritmo arrastado. Você deve ir além e fugir da norma. Esse princípio se aplica a todas as coisas.(pág. 59)
Seja fiel ao pensamento do momento e evite distrações. Em vez de se esforçar para dar conta de tudo, concentre-se apenas no que está fazendo. Procure privilegiar um pensamento de cada vez.(pág. 92)
Hagakure - O livro do samuraiAutor: Yamamoto TsunetomoFormato: 11,5 x 18cm - 237 páginasPreço: R$ 24,00Lançamento: Conrad Editora