Eragon: A trilogia da herança de Christopher Paolini

Eragon: A trilogia da herança de Christopher Paolini

Por Ederli Fortunato 22.12.2006 00H00
Eragon

Editora Rocco
Eldest

Editora Rocco

Não é segredo que a literatura de fantasia ganhou força extra nos últimos anos. Um personagem capaz de atrair a simpatia do público com poderes mágicos em doses suficientes para tornar o seu mundo diferente e, portanto, mais interessante que o nosso é meio caminho para o sucesso. E se a história nasce num livro bem sucedido financeiramente, o caminho para a telona é rapidamente pavimentado com tijolos amarelos. O mundo literário busca desesperadamente uma nova franquia que crie filas diante das livrarias e o cinema adora histórias em série que cheguem às telas acompanhadas por um público já formado.  

O enredo criado por Christopher Paolini tem esses elementos e todo o resto que faz de seu protagonista um herói básico. Eragon é um adolescente sem fortuna ou posição social, criado pelo tio e sem grandes informações sobre seus pais. Seu envolvimento com a guerra contra o rei Galbatorix não é escolha sua. Ele é jogado na luta por ser o Escolhido. O leitor sabe disso antes mesmo do próprio Eragon entender que não há saída e é isso que atrai o público: acompanhar como o escolhido vai sofrer até atingir o sucesso. Porque é óbvio que todos esperam a vitória do herói ao final da trilogia. Ele representa todos nós, que também gostaríamos de largar esse mundo chato, descobrir que temos poderes mágicos e encontrar princesas e cavaleiros. Claro, desde que não doesse tanto.

Para que Eragon siga seu destino é preciso cortar todas as amarras que o ligam à vida comum em Carvahal. Não se espera, afinal, que o herói volte para a casa toda noite para alimentar os animais ou colocar o lixo para fora. É para libertar Eragon que sua família tem de desaparecer de sua vida, e para isso não basta que ele saia pela porta. Sua nova vida como o escolhido que pode alterar o cenário existente exige sangue. O leitor tem de ser avisado que a situação é séria e o herói tem de saber que não pode voltar atrás e continuar sua vida como antes. A cena sai direto da morte dos tios de Luke Skywalker em Star Wars, e esta é outra influência forte no trabalho de Paolini. Assim como na saga de George Lucas, Eragon tem ao seu lado um ser não humano, o dragão fêmea Safira, e um velho guia cujo destino também está definido pelo caminho que o herói tem de trilhar. Brom é um ex-cavaleiro. Sua função é passar adiante os fatos que ocorreram antes do início do livro e treinar seu sucessor, o novo cavaleiro de dragão no uso de armas e das palavras mágicas. Feito isso, sua utilidade deixa de existir e Eragon tem de perder seu guia para seguir ao próximo estágio de seu aprendizado.

Além de Star Wars, Christopher Paolini deixou claro que sua inspiração veio em parte de Tolkien, e isso é visível até para o menos atento dos leitores. Eragon vive num universo fictício, com idiomas próprios, habitado por seres diversos e governado por reis. Como na Terra-média aqui também elfos, humanos e anões estão unidos contra uma ditadura malévola e, assim como Sauron, Galbatorix tem a seu serviço criaturas com poderes malignos. Os urgals não são muito diferentes dos orcs de Tolkien, e os elfos que habitam a Alagaësia seguem o modelo alto, orgulhoso e de orelhas pontudas recuperado pelo autor de O Senhor dos Anéis.

A proximidade das duas histórias irrita os fãs dos dois autores. Os amantes de Tolkien recusam-se a liberar espaço nas prateleiras ao lado do professor que criou O Senhor dos Anéis, ainda mais a um adolescente de 15 anos como o autor de Eragon. Para os fãs de Paolini, a Alagaësia é tão bacana quanto a Terra-média, com a vantagem de não ter Tom Bombadil.

A verdade é que o enredo do herói em busca de seu destino não é uma exclusividade de Tolkien, nem de George Lucas, portanto, muito menos de Paolini. Ursula K. Le Guin já usava palavras com poder mágico em A Trilogia de Terramar, e dragões caminham nas histórias dos humanos há mais tempo do que os dinossauros. Nesse ponto, não há grandes novidades em Eragon ou em sua seqüência, Eldest. O segundo volume, tradicionalmente o melhor em qualquer trilogia, traz até a esperada surpresa no final, e não é preciso pensar muito para perceber que o sucesso do livro está justamente em oferecer mais do mesmo aos leitores que gostam do gênero. Aos capazes de perceber de onde vieram os elementos que Paolini aproveita, resta esperar que a experiência dos dois primeiros livros se traduza num terceiro volume em que as influências sejam menos óbvias e ganhem o toque pessoal em que o escritor transforma o de sempre em algo diferente.

A viagem para a tela

A adaptação de um livro nasce fadada ao fracasso. Por mais que os leitores pulem de ódio ao ouvir isso, é impossível incluir centenas de páginas de detalhes imaginados pelo autor em duas, ou mesmo três horas e meia de exibição. O que é obrigatório é transpor a história para o novo formato de modo convincente, que agrade aos fiéis e aos recém-chegados.

A necessidade de condensar todo um mundo novo e uma população numerosa em pouco tempo acabou afetando os muitos personagens de Eragon no cinema. Como Brom, Jeremy Irons é o único dos coadjuvantes de luxo com espaço suficiente para mostrar quem é e porque está envolvido na história. Djimon Hounsou e seu Ajihad ficaram restritos a poucos instantes, assim como Angela, a bruxa, primeiro papel no cinema de Joss Stone.

Com tanta coisa para abraçar, a produção ainda insistiu em mostrar Galbatorix (John Malkovich), o Darth Vader de Alagaësia, incluindo a traição aos seus colegas cavaleiros, no melhor estilo do vilão máximo de George Lucas. O resultado é uma adaptação que dividiu os leitores e deixa claro que falta uma continuação em que toda essa gente poderá ser conhecida com mais detalhes e mostrar porque o público deveria se importar com o que vai acontecer a Safira.